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Corte internacional julga o Brasil por violações contra quilombolas

Repro­dução: © Alex Rodrigues/Agência Brasil

Audiências começam nesta quarta-feira em Santiago, no Chile


Pub­li­ca­do em 26/04/2023 — 07:06 Por Car­oli­na Pimen­tal — Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

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A Corte Inter­amer­i­cana de Dire­itos Humanos (IDH) vai jul­gar denún­cias apre­sen­tadas por comu­nidades quilom­bo­las que acusam o Esta­do brasileiro de ter cometi­do vio­lações durante a con­strução do Cen­tro de Lança­men­to de Alcân­tara, local­iza­do no Maran­hão. Pela primeira vez, o Brasil será jul­ga­do por um caso envol­ven­do quilom­bo­las.

As audiên­cias ocor­rerão nes­ta quar­ta (26) e quin­ta-feira (27) na sessão itin­er­ante da Corte em San­ti­a­go, no Chile, às 15h30 (horário de Brasília) e às 10h, respec­ti­va­mente. Serão ouvi­das as víti­mas, rep­re­sen­tantes do Esta­do, teste­munhas e per­i­tos.

A denún­cia foi apre­sen­ta­da em 2001 por povoa­d­os, sindi­catos e movi­men­tos soci­ais à Comis­são Inter­amer­i­cana de Dire­itos Humanos. A queixa foi acei­ta em 2006 pela comis­são e lev­a­da à Corte somente em janeiro de 2022.

“O jul­ga­men­to é de importân­cia históri­ca. É a primeira vez na história do país que o Brasil será jul­ga­do em um tri­bunal inter­na­cional por crimes cometi­dos con­tra quilom­bo­las. Além dis­so, con­sti­tui impor­tante opor­tu­nidade para a própria Corte IDH con­sol­i­dar jurisprudên­cia de pro­teção aos ter­ritórios ances­trais de comu­nidades afrode­scen­dentes na região”, disse Dani­lo Sere­jo, quilom­bo­la de Alcân­tara e asses­sor jurídi­co do Movi­men­to dos Atingi­dos pela Base Espa­cial (Mabe), em nota divul­ga­da pela orga­ni­za­ção Justiça Glob­al.

Os denun­ciantes querem que a Corte deter­mine que o gov­er­no brasileiro con­ce­da a tit­u­lação defin­i­ti­va do ter­ritório quilom­bo­la, pague ind­eniza­ção às comu­nidades removi­das e às que per­manece­r­am no local, crie fun­do de desen­volvi­men­to comu­nitário em con­jun­to com as famílias quilom­bo­las e real­ize estude de impacto ambi­en­tal e cul­tur­al.

“A imposição do Esta­do de con­stru­ir o Cen­tro de Lança­men­to de Alcân­tara num ter­ritório tradi­cional, dete­ri­o­ran­do mod­os de vidas, laços famil­iares e ten­tan­do apa­gar uma parte da nos­sa história, mostra como o racis­mo ambi­en­tal ori­en­tou a políti­ca. Por isso, o Brasil tem o dev­er, per­ante a Corte Inter­amer­i­cana, de recon­hecer sua respon­s­abil­i­dade como ator nas vio­lações con­tra os quilom­bo­las de Alcân­tara, bem como avançar ime­di­ata­mente com a tit­u­lação do ter­ritório. O que está em jogo na Corte, nos próx­i­mos dias, é o real com­pro­mis­so do Esta­do brasileiro com o enfrenta­men­to ao racis­mo”, afir­mou a dire­to­ra-exec­u­ti­va da Justiça Glob­al, Glau­cia Mar­in­ho.

Para a min­is­tra sub­sti­tu­ta dos Dire­itos Humanos e da Cidada­nia, Rita Oliveira, que irá com­por a del­e­gação do gov­er­no, a audiên­cia servirá para recon­stru­ir a relação entre o Esta­do e os remanes­centes dos quilom­bos. “Apren­demos nes­sa tra­jetória que o desen­volvi­men­to cien­tí­fi­co e tec­nológi­co não é incom­patív­el com a defe­sa e pro­moção dos dire­itos humanos. Ape­nas o desen­volvi­men­to basea­do nos seus princí­pios legit­i­ma os avanços da ciên­cia e da tec­nolo­gia com sus­tentabil­i­dade etnoam­bi­en­tal e inte­gri­dade públi­ca”, avalia, con­forme nota pub­li­ca­da pela pas­ta.

A del­e­gação terá ain­da inte­grantes da Advo­ca­cia-Ger­al da União (AGU), do Coman­do da Aeronáu­ti­ca, do Cen­tro de Lança­men­to de Alcân­tara e dos min­istérios das Relações Exte­ri­ores (MRE), da Defe­sa e da Igual­dade Racial.

Entenda o caso

O Cen­tro de Lança­men­to de Alcân­tara foi con­struí­do nas prox­im­i­dades da cap­i­tal São Luís, na déca­da de 80 pela Força Aérea Brasileira (FAB), como base para lança­men­to de foguetes.

Na época da con­strução, 312 famílias quilom­bo­las, de 32 povoa­d­os, foram reti­radas do local e reassen­tadas em sete agrovi­las. Alguns gru­pos per­manece­r­am no ter­ritório e, con­forme os denun­ciantes, sofrem com a con­stante ameaça de expul­são para a ampli­ação da base.

Em 2001, rep­re­sen­tantes de comu­nidades quilom­bo­las do Maran­hão, do Movi­men­to dos Atingi­dos pela Base de Alcân­tara (Mabe), da Justiça Glob­al, da Sociedade Maran­hense de Dire­itos Humanos (SMDH), da Fed­er­ação dos Tra­bal­hadores na Agri­cul­tura do Esta­do do Maran­hão (Fetae­ma), do Sindi­ca­to dos Tra­bal­hadores e Tra­bal­hado­ras Rurais de Alcân­tara (STTR) e da Defen­so­ria Públi­ca da União (DPU) apre­sen­taram denún­cia à Comis­são Inter­amer­i­cana de Dire­itos Humanos.

O grupo acusa o Esta­do brasileiro de ter cometi­do vio­lações com a insta­lação do cen­tro, com desapro­pri­ação e remoção com­pul­sória de famílias quilom­bo­las. Segun­do a denún­cia, a per­da do ter­ritório cau­sou impacto no dire­ito dessas comu­nidades à cul­tura, ali­men­tação, edu­cação, saúde e livre cir­cu­lação. Além dis­so, não foi con­ce­di­do aos quilom­bo­las os títu­los defin­i­tivos de pro­priedade.

Em 2004, a Fun­dação Pal­mares cer­ti­fi­cou o ter­ritório. O Insti­tu­to Nacional de Col­o­niza­ção e Refor­ma Agrária (Incra) iden­ti­fi­cou e delim­i­tou a área em 2008.

Cin­co anos após a apre­sen­tação da denún­cia, a comis­são a con­sider­ou admis­sív­el. Em relatório de 2020, após audiên­cias feitas em 2008 e 2019, o grupo recomen­dou que o gov­er­no brasileiro fizesse a tit­u­lação do ter­ritório tradi­cional, con­sul­ta prévia aos quilom­bo­las sobre o acor­do fir­ma­do pelo Brasil e os Esta­dos Unidos (que per­mite ativi­dades espa­ci­ais de com­pan­hias norte-amer­i­canas na Base de Alcan­târa, chama­do acor­do de sal­va­guardas tec­nológ­i­cas) no ano ante­ri­or, reparação finan­ceira para os removi­dos e pedi­do públi­co de des­cul­pas.

As recomen­dações não foram seguidas pelo gov­er­no brasileiro. Dessa for­ma, a comis­são lev­ou o caso à Corte em janeiro de 2022.

Edição: Graça Adju­to

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