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Covid-19 traz impactos para primeira infância nas 16 favelas da Maré

Repro­dução: © Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

Crianças de 0 a 6 anos correspondem a 12,4% dos moradores


Pub­li­ca­do em 27/09/2023 — 00:03 Por Alana Gan­dra — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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A pan­demia da covid-19 trouxe grandes impactos para as cri­anças do com­plexo das 16 fave­las da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro, em espe­cial da primeira infân­cia, que abrange menores de 0 a 6 anos de idade, em questões de saúde, ali­men­tação, edu­cação, segu­rança. É o que rev­ela o Diag­nós­ti­co Primeira Infân­cia nas Fave­las da Maré, divul­ga­do nes­ta quar­ta-feira (27) pela orga­ni­za­ção não gov­er­na­men­tal (ONG) Redes da Maré. A pop­u­lação de 0 a 6 anos cor­re­sponde a 12,4% dos moradores da Maré, ou o equiv­a­lente a quase 15 mil cri­anças. A primeira infân­cia é con­sid­er­a­da uma fase cru­cial para o desen­volvi­men­to das cri­anças.

Durante a pan­demia, foram apli­ca­dos dire­ta­mente 2.144 questionários às famílias, nas residên­cias, além de real­izadas entre­vis­tas com profis­sion­ais de redes de pro­teção e apoio à primeira infân­cia, como pro­fes­sores, assis­tentes soci­ais e profis­sion­ais de saúde. O obje­ti­vo foi traçar o panora­ma da situ­ação da real­i­dade de 2.796 cri­anças nes­sa faixa etária. Muitas famílias pos­suíam mais de uma cri­ança nes­sa idade, infor­mou à Agên­cia Brasil a assis­tente social Gise­le Mar­tins, uma das coor­de­nado­ras do estu­do. De acor­do com o Cen­so feito em 2013 pela Redes da Maré, o com­plexo pos­sui 140 mil moradores no total.

A sondagem mostra que den­tro do uni­ver­so pesquisa­do, 1.160 famílias (54,1% do total pesquisa­do) tiver­am difi­cul­dades com a questão da ali­men­tação, sendo que, em 252 domicílios (11,8%), algum famil­iar deixou de com­er para que não fal­tasse ali­men­to para a cri­ança. “A sociedade civ­il na Maré teve um papel muito deter­mi­nante para con­ter os efeitos neg­a­tivos da pan­demia da covid-19, a exem­p­lo da própria Redes da Maré, através da qual hou­ve bene­fí­cios para mil­hares de famílias”, disse Gise­le. Essa foi uma impor­tante fonte de dados para que a ONG pudesse desen­volver o próprio diag­nós­ti­co. “Ficou mais evi­dente que muitas famílias vivem em questão de inse­gu­rança ali­men­tar. Há uma lacu­na na ofer­ta de políti­cas públi­cas que não respon­der­am de ime­di­a­to à situ­ação”, expli­cou a coor­de­nado­ra. A Redes da Maré aten­deu a mais de 18 mil famílias durante a pan­demia.

No cam­po da segu­rança ali­men­tar, uma recomen­dação é inves­ti­gar a ali­men­tação das ges­tantes e bebês da Maré, dev­i­do ao ele­va­do número de cri­anças nasci­das pre­mat­uras e do peso delas nos resul­ta­dos da inves­ti­gação quan­ti­ta­ti­va no ter­ritório.

Violência

Em relação à segu­rança, o relatório con­sta­tou que 62% das oper­ações poli­ci­ais ocor­reram próx­i­mo a esco­las e crech­es, afe­tan­do o dia a dia das cri­anças de for­ma dire­ta: 38,2% dos cuidadores afir­maram que as cri­anças já pres­en­cia­ram algum tipo de vio­lên­cia, com níveis mais ele­va­dos encon­tra­dos nas fave­las Nova Maré (54,1%) e Rubens Vaz (54%). Entre as con­se­quên­cias para as cri­anças foram reg­istradas per­da de aula (37,1%), redução do desem­pen­ho esco­lar (26,1%), restrição de cir­cu­lação (50,7%); pre­juí­zos ao brin­car (43,7%).

Segun­do Gise­le, a vio­lên­cia urbana e o enfrenta­men­to béli­co que acon­tece pelas forças de segu­rança públi­ca e pelos três gru­pos arma­dos que dis­putam o ter­ritório, afe­tam o proces­so de desen­volvi­men­to das cri­anças, o aces­so a políti­cas públi­cas, a serviços essen­ci­ais para as famílias. “A gente acred­i­ta que esse diag­nós­ti­co aju­da a vis­i­bi­lizar (o prob­le­ma), mas é pre­ciso dar con­tinuidade a esse tra­bal­ho, dis­cu­ti-lo, para que a gente pos­sa desumanizar essa situ­ação. Porque não é jus­to que as cri­anças da Maré con­vi­vam com uma real­i­dade dis­tin­ta das demais cri­anças da cidade. Isso pre­cisa ser olha­do com o estran­hamen­to que merece”.

Uma das recomen­dações do relatório, no cam­po da segu­rança, é que deve haver a desnat­u­ral­iza­ção dos proces­sos de vio­lên­cia. A políti­ca de segu­rança públi­ca con­duzi­da no Rio de Janeiro deve ser reavali­a­da com urgên­cia, visan­do con­stru­ir a pro­moção do cuida­do com cri­anças na Maré e a elab­o­ração de pro­je­to de pesquisa para inves­ti­gar e inter­vir sobre os impactos da vio­lên­cia na saúde men­tal das cri­anças no ter­ritório.

Educação

É pre­ciso, tam­bém, ampli­ar o aces­so aos espaços de desen­volvi­men­to infan­til (EDIs) e a crech­es, uma vez que as políti­cas públi­cas voltadas para a primeira infân­cia são insu­fi­cientes para o vol­ume da deman­da no ter­ritório, apon­tou Gise­le. “Tem que ampli­ar de maneira estru­tu­rante o aces­so à saúde, edu­cação, assistên­cia social, entre out­ros. A gente tem que garan­tir que os espaços públi­cos este­jam ade­qua­dos para a pre­sença das cri­anças”. Isso envolve não só o enfrenta­men­to da questão da vio­lên­cia de maneira ade­qua­da, mas tam­bém levar em con­ta o caráter pri­or­itário que as cri­anças têm, visan­do evi­tar que menores sejam mor­tos em con­fron­tos.

Muitas famílias não con­seguem vagas nas crech­es e EDIs e isso tem con­se­quên­cias na orga­ni­za­ção e na dinâmi­ca de vida dessas pes­soas. As mul­heres negras que, em sua maio­r­ia, são as pes­soas que cuidam das cri­anças, se veem prej­u­di­cadas no cam­po dos dire­itos e out­ras pos­si­bil­i­dades de vida, como o próprio aces­so à edu­cação, ao tra­bal­ho, à ger­ação de ren­da. “Tem uma série de ações que ficam com­pro­meti­das quan­do se nega o dire­ito dessas cri­anças às unidades”. Na Maré, exis­tem ape­nas seis crech­es munic­i­pais e 15 EDIs que não aten­dem à deman­da das cer­ca de 15 mil cri­anças na primeira infân­cia que há no ter­ritório, reforçou a assis­tente social.

Gise­le chamou a atenção que os espaços públi­cos têm que ser ade­qua­dos tam­bém para o atendi­men­to a cri­anças com defi­ciên­cia ou que apre­sen­tem deman­das no cam­po da saúde men­tal. Out­ro aspec­to impor­tante cita­do pela coor­de­nado­ra é que a Maré é con­sid­er­a­do bair­ro car­i­o­ca des­de 1994. “É o maior con­jun­to de fave­las do Rio e a gente não tem, por exem­p­lo, um Con­sel­ho Tute­lar den­tro desse ter­ritório”. O bair­ro carece tam­bém de um equipa­men­to da assistên­cia social pre­sente. Os que exis­tem estão fora do ter­ritório. Gise­le desta­cou que sendo maior do que muitos municí­pios brasileiros, esse dado já jus­ti­fi­caria ter a pre­sença forte e sis­temáti­ca de equipa­men­tos do cam­po de pro­teção e defe­sa dos dire­itos das cri­anças e ado­les­centes.

No cam­po dos dire­itos bási­cos, men­cio­nou a neces­si­dade de aces­so à infraestru­tu­ra, sanea­men­to bási­co, laz­er, cul­tura e, tam­bém, ao trans­porte. “A gente não tem lin­has do trans­porte públi­co cir­cu­lan­do na Maré e isso difi­cul­ta de maneira deter­mi­nante o aces­so à cidade, às opor­tu­nidades de laz­er, cul­tura e edu­cação que o municí­pio ofer­ece.”

Cuidadores

As políti­cas públi­cas devem con­sid­er­ar tam­bém as for­mas de cuida­dos ado­tadas pelas fave­las e per­ife­rias, con­forme demon­stra­do no relatório. Há uma pre­dom­inân­cia de mul­heres cuidan­do das cri­anças na Maré: 94% dos cuidadores prin­ci­pais são mul­heres (mães ou avós), sendo que 74,4% se autode­clar­am pre­tas ou par­das e 68% têm entre 20 e 39 anos. Em 24% dos lares, a figu­ra pater­na (rep­re­sen­ta­da por pais, avô ou padras­to) inex­iste no cotid­i­ano da cri­ança. “Há uma ausên­cia dos home­ns no proces­so de cuida­dos e tam­bém de sus­ten­to”. De acor­do com o relatório, a respon­s­abil­i­dade pelo sus­ten­to da casa é assum­i­da por mul­heres em 51,2% dos casos, enquan­to fig­uras mas­culi­nas são respon­sáveis em 44,7% dos lares. Em 32,8% dos domicílios, a ren­da famil­iar men­sal é de até um salário mín­i­mo.

Gise­le Mar­tins defend­eu tam­bém que as políti­cas públi­cas olhem para isso de for­ma mais respon­sáv­el e menos moral­ista. “Porque, algu­mas vezes, a gente obser­va políti­cas que querem incidir na for­ma como as famílias cuidam, como se hou­vesse padrões de cuida­dos”. Sus­ten­tou que exis­tem várias for­mas de cuida­dos que têm de ser con­sid­er­adas. “Cabe ao Esta­do garan­tir dire­itos, para que essa pop­u­lação pos­sa faz­er isso da maneira mais ade­qua­da. Mas o que a gente obser­va é que tem uma série de neg­ligên­cias que vão aí se con­for­man­do de maneira históri­ca que têm de ser vis­tas.”

Saúde

Na área da saúde, o relatório recomen­da ampli­ar o atendi­men­to, com mais unidades bási­cas e espe­cial­i­dades médi­cas, via­bi­lizan­do a real­iza­ção de exam­es bási­cos no inte­ri­or das fave­las; inve­stir em pro­gra­mas e ações de for­mação nas Clíni­cas da Família da Maré para que recur­sos e estraté­gias com­pro­vada­mente efi­cazes no acom­pan­hamen­to do desen­volvi­men­to inte­gral das cri­anças sejam val­i­da­dos, entre os quais estão a Cader­ne­ta da Cri­ança e Brasileir­in­hos e Brasileir­in­has Saudáveis; apoiar a vig­ilân­cia em saúde no ter­ritório da Maré e sus­ten­tar as indi­cações de ras­trea­men­to que se fiz­erem necessárias.

O lev­an­ta­men­to apon­ta que 96,7% das famílias afir­maram que fil­hos e netos pos­suem Cader­ne­ta da Cri­ança e 92% usam esse instru­men­to prin­ci­pal­mente para a vaci­nação. Entre­tan­to, 64,6% declararam enfrentar algum tipo de difi­cul­dade no aces­so ao dire­ito à saúde e a equipa­men­tos públi­cos na Maré.

Out­ras indi­cações incluem reduzir a taxa de mor­tal­i­dade neona­tal e de cri­anças menores de cin­co anos, através da expan­são do aces­so à saúde bási­ca, por meio da pro­moção dos cuida­dos ade­qua­dos às ges­tantes e da ofer­ta de vaci­nação com­ple­ta para as cri­anças, entre out­ras.

Edição: Valéria Aguiar

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