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Criação de Memorial Doi-Codi é tema de debate em São Paulo

No local, funciona atualmente uma delegacia de polícia

Elaine Patri­cia Cruz – Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 15/02/2025 — 16:38
São Paulo
São Paulo - Fachada do antigo Doi-Codi de São Paulo, onde foi assassinado o metalúrgico Manoel Fiel Filho, em 1976 (Rovena Rosa/Agência brasil)
Repro­dução: © Rove­na Rosa/Agência Brasil

“Se o Esta­do foi capaz de man­ter tan­tos lugares para tor­tu­rar, que seja tam­bém capaz de man­ter tan­tos espaços para edu­car em dire­itos humanos”. Assim o procu­rador Eduar­do Valério defend­eu hoje (15) a cri­ação do Memo­r­i­al DOI-Codi, alvo de dis­pu­ta entre o gov­er­no paulista, respon­sáv­el pelo local, o Min­istério Públi­co e as enti­dades da sociedade civ­il, que cla­mam por sua con­strução.

A man­i­fes­tação foi fei­ta durante wor­shop real­iza­do no Cen­tro de Pesquisa e For­mação do Sesc São Paulo, na cap­i­tal paulista, para dis­cu­tir a importân­cia de se con­stru­ir um memo­r­i­al nas anti­gas dependên­cias do que foi o maior cen­tro de tor­tu­ra do país.

Sub­or­di­na­do ao Exérci­to, o Desta­ca­men­to de Oper­ações de Infor­mação — Cen­tro de Oper­ações de Defe­sa Inter­na (DOI-Codi fun­cio­nou entre 1969 e 1982 na Rua Tutóia, na região do Paraí­so, em São Paulo. O DOI-Codi foi o maior cen­tro de repressão políti­ca do país durante a ditadu­ra, local de tor­tu­ra, assas­si­natos e vio­lações de dire­itos humanos. Coman­da­do pelo coro­nel Car­los Alber­to Bril­hante Ustra, esti­ma-se que no local mor­reram ao menos 50 pre­sos políti­cos. Foi ali que, em 1975, foi assas­si­na­do o jor­nal­ista Vladimir Her­zog.

Neste local, atual­mente fun­ciona uma del­e­ga­cia de polí­cia. “Isto é um escárnio”, disse Adri­ano Dio­go, que pre­sid­iu a Comis­são Estad­ual da Ver­dade da Assem­bleia Leg­isla­ti­va de São Paulo e esteve pre­so no DOI-Codi por 90 dias durante a ditadu­ra mil­i­tar. “É a mes­ma coisa que você man­ter uma unidade poli­cial den­tro de um cam­po de con­cen­tração”, acres­cen­tou, em entre­vista hoje (15) à Agên­cia Brasil.

Há anos movi­men­tos cla­mam para que o local se torne um memo­r­i­al ded­i­ca­do a pro­mover reflexões sobre a ditadu­ra no país. Em 2014, a comis­são con­seguiu que os pré­dios que com­põem o com­plexo do DOI-Codi fos­sem tomba­dos pelo Con­sel­ho de Defe­sa do Patrimônio Históri­co, Arque­ológi­co, Artís­ti­co e Turís­ti­co (Con­de­phaat). Ape­sar dis­so, a cri­ação dele não se con­cretizou até hoje. “O memo­r­i­al serviria para que, ao menos, se aten­u­asse ou se desse um proces­so civ­i­liza­tório a um perío­do tão cru­el da história do Brasil”, ressaltou Adri­ano Dio­go.

“A ideia bási­ca é trans­for­mar o espaço que foi de vio­lação de dire­itos humanos em um espaço de memória, de enal­tec­i­men­to da democ­ra­cia e de enfrenta­men­to à tor­tu­ra. Seria um espaço de pre­venção para que isso não se repi­ta e tam­bém de edu­cação em dire­itos humanos”, disse Valério.

Em 2021, a Pro­mo­to­ria de Dire­itos Humanos do Min­istério Públi­co de São Paulo ajuizou uma ação civ­il pedin­do para que o gov­er­no de São Paulo trans­fi­ra o pré­dio, que per­tence atual­mente à Sec­re­taria de Segu­rança Públi­ca, para a Sec­re­taria de Cul­tura. Foi uma ma ten­ta­ti­va de con­seguir con­cretizar o memo­r­i­al. Mas isso ain­da não acon­te­ceu.

A ação civ­il públi­ca, infor­mou Valério durante o even­to, encon­tra-se atual­mente sus­pen­sa, em bus­ca de acor­do das enti­dades com o gov­er­no de São Paulo. “Esta­mos na bus­ca de um acor­do naque­la per­spec­ti­va de que uma decisão judi­cial, fora o seu caráter incer­to, trans­feriria para o Poder Judi­ciário uma decisão sobre assun­to muito sen­sív­el e que, segu­ra­mente, não inte­gra a pau­ta do Judi­ciário brasileiro”, disse. “A ideia é inve­stir o máx­i­mo que for pos­sív­el num acor­do extra­ju­di­cial e que poria fim à ação e impediria que ela fos­se remeti­da para out­ras instân­cias do Judi­ciário”, ressaltou.

No entan­to, segun­do o procu­rador, o gov­er­no de São Paulo não tem se mostra­do favoráv­el ao acor­do sobre o assun­to. Em 2023, em entre­vista ao jor­nal Val­or Econômi­co, a atu­al secretária estad­ual de Cul­tura, Econo­mia e Indús­tria Cria­ti­vas, Marília Mar­ton, declar­ou ser con­tra a con­strução do memo­r­i­al.

Segun­do a secretária, isso ger­aria gas­tos ao gov­er­no, e ale­gou que já existe um memo­r­i­al con­tra a ditadu­ra em fun­ciona­men­to na cap­i­tal paulista, o Memo­r­i­al da Resistên­cia. “Esta­mos falan­do de recur­so públi­co. Pre­cisa per­gun­tar para os paulis­tas que pagam os impos­tos do Esta­do se, além do Memo­r­i­al da Resistên­cia, há inter­esse históri­co de pegar o seu recur­so – que não é da sec­re­taria de Esta­do, não é do gov­er­no do Esta­do, mas de todos os paulis­tas”, afir­mou, na ocasião.

Para Eduar­do Valério, no entan­to, se o gov­er­no foi capaz de cri­ar os cen­tros de tor­tu­ra no pas­sa­do, deve tam­bém ser capaz de cri­ar os cen­tros de memória no pre­sente. “Se o esta­do brasileiro foi capaz de faz­er tan­tos cen­tros de tor­tu­ra e de desa­parec­i­men­to força­do, que seja capaz tam­bém de faz­er tan­tos cen­tros de recu­per­ação da memória, de preser­vação da memória e de edu­cação e dire­itos humanos”, ressaltou.

“Ali [no DOI-Codi], foram feitos os testes. Ali, foram feitas as exper­i­men­tações não só da tor­tu­ra em si, mas tam­bém do fun­ciona­men­to da promis­cuidade entre empre­sa e Esta­do e gru­pos para­mil­itares. Então, é muito impor­tante enten­der­mos que este memo­r­i­al não per­tence ao gov­er­no do esta­do de São Paulo ou ao gov­er­no fed­er­al, ele per­tence ao povo brasileiro. É um patrimônio da humanidade e como tal deve ser vis­to”, desta­cou Flávio de Leão Bas­tos Pereira, rep­re­sen­tante do Núcleo da Memória da Comis­são de Dire­itos Humanos da Ordem dos Advo­ga­dos do Brasil (OAB).

Enquan­to o memo­r­i­al não é cri­a­do, o Núcleo de Preser­vação da Memória Políti­ca tem desen­volvi­do vis­i­tas guiadas e medi­adas ao local. Além dis­so, todos os anos, des­de 2013, eles fazem uma man­i­fes­tação cul­tur­al na frente do DOI-Codi para hom­e­nagear as pes­soas que mor­reram neste local. “Se o Esta­do resolve não fiz­er nada, nós vamos dar vis­i­bil­i­dade ao local”, disse Mau­rice Poli­ti, fun­dador e dire­tor do Núcleo de Preser­vação da Memória Políti­ca.

“Hoje temos três vis­i­tas por mês no local. A gente cal­cu­la que esta­mos receben­do a visi­ta de cer­ca de 600 ou 700 pes­soas a cada ano”, disse, durante o even­to. “O obje­ti­vo do Núcleo Memória, ao faz­er isso, é con­tar sobre o perío­do, com auxílio de teste­munhas sobre­viventes do local e tam­bém for­mar pes­soas mais con­scientes e críti­cas, que refli­tam sobre os abu­sos do poder, as perseguições e os assas­si­natos ocor­ri­dos nesse perío­do”, enfa­ti­zou.

Procu­ra­da pela Agên­cia Brasil, a Sec­re­taria de Cul­tura infor­mou que o anti­go pré­dio do DOI-Codi per­tence à Polí­cia Civ­il, que é respon­sáv­el por sua manutenção e preser­vação. “Quan­to ao espaço se tornar um museu, a Sec­re­taria da Cul­tura, Econo­mia e Indús­tria Cria­ti­vas já con­ta com um equipa­men­to ded­i­ca­do a preser­vação da memória desse perío­do, com amp­lo acer­vo, que é o Memo­r­i­al da Resistên­cia”, infor­mou a pas­ta.

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