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Crise climática aprofunda desigualdades, avaliam ativistas negros

Repro­dução: © Tomaz Silva/Agência Brasil

Mês da Consciência Negra reforça debate sobre racismo ambiental


Pub­li­ca­do em 09/11/2023 — 07:02 Por Bruno de Fre­itas Moura — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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“O tipo de vida de um sujeito mod­er­no, bran­co, reflexo da col­o­niza­ção, empurra o mun­do para a emergên­cia climáti­ca”. A declar­ação do codi­re­tor-exec­u­ti­vo do Obser­vatório da Bran­qui­tude, Thales Vieira, rep­re­sen­ta a tôni­ca do sem­i­nário orga­ni­za­do nes­ta quar­ta-feira (8), no Rio de Janeiro, para debater ações da bran­qui­tude como respon­sáveis pela crise ambi­en­tal. Thales con­sid­era que há no mun­do um “modo de vida que enx­er­ga o plan­e­ta e pes­soas não bran­cas como recur­sos ines­gotáveis para a pop­u­lação bran­ca. Um reflexo que vem da escrav­iza­ção e é per­ma­nente”.

O encon­tro foi orga­ni­za­do neste mês da Con­sciên­cia Negra pelo Obser­vatório da Bran­qui­tude e reuniu ativis­tas que unem dois cam­pos de atu­ação, o movi­men­to negro e as causas ambi­en­tais.

Branquitude

O con­ceito de bran­qui­tude, segun­do Thales, cor­re­sponde a um lugar de poder. “Um lugar de priv­ilé­gios econômi­cos, cul­tur­ais, jurídi­cos, ocu­pa­do exclu­si­va­mente pela pop­u­lação bran­ca. Uma local­iza­ção de poder que pes­soas bran­cas exercem sobre pop­u­lações racial­izadas, pop­u­lações negras, indí­ge­nas etc. A bran­qui­tude é esse lugar estru­tu­ra­do de poder”, expli­cou à Agên­cia Brasil.

Out­ra for­ma que o cien­tista social usa para explicar o con­ceito é fazen­do uma reflexão sobre o racis­mo estru­tur­al. “Se existe racis­mo estru­tur­al, existe, por out­ro lado, quem se ben­e­fi­cia dele tam­bém estru­tu­ral­mente. E quem se ben­e­fi­cia é o que a gente chama de bran­qui­tude”.

Crise climática aprofunda desigualdades, dizem ativistas negros. - Thales Vieira, do Observatório da Branquitude. Foto: Arquivo Pessoal
Repro­dução: Thales Vieira, do Obser­vatório da Bran­qui­tude, diz que con­ceito de bran­qui­tude cor­re­sponde a um lugar de poder — Foto: Arqui­vo Pes­soal

Afetados

Para Thales, difer­ente­mente do que pos­sa indicar o sen­so comum, os efeitos malé­fi­cos das mudanças climáti­cas não são democráti­cos, ou seja, não afe­tam por igual todas as pop­u­lações. “Pop­u­lações negras e indí­ge­nas são, despro­por­cional­mente, mais afe­tadas pelas mudanças climáti­cas e pelas catástro­fes climáti­cas”.

Ele cita o exem­p­lo do rompi­men­to de uma bar­ragem, como já hou­ve em Mar­i­ana, em Minas Gerais. “Você imag­i­na que aque­le lamaçal que trans­bor­da afe­ta todo mun­do por ali. Mas a escol­ha daque­le pon­to onde a bar­ragem é colo­ca­da é fei­ta com intenção, é sem­pre em um lugar onde moram as pop­u­lações mais vul­ner­a­bi­lizadas. O lugar onde ficará uma indús­tria que polua mais, um ater­ro san­itário, é em locais de mora­dias de pes­soas pobres, sobre­tu­do, negras e indí­ge­nas”, avalia.

Segun­do o ativista, os efeitos neg­a­tivos não são democráti­cos “por fru­to de decisões tomadas por quem tem o poder, man­ten­do as pop­u­lações embran­que­ci­das mais pro­te­gi­das”. Ele com­ple­ta com um exem­p­lo na pon­ta con­trária, ou seja, em bene­fí­cio do que chama de bran­qui­tude. “Observe taxas de plan­tio de árvores em grandes cidades. É muito mais plan­tio e reposição em áreas abas­tadas das cidades, onde mora uma maio­r­ia bran­ca”.

Racismo ambiental

Crise climática aprofunda desigualdades, dizem ativistas negros. - Aderbal Ashogun, da Rede Afroambiental. Foto: Arquivo Pessoal
Repro­dução: Ader­bal Ashogun, da Rede Afroam­bi­en­tal — Foto: Arqui­vo Pes­soal

Par­tic­i­pante de um debate sobre ances­tral­i­dade e crise climáti­ca, tam­bém real­iza­do nes­ta quar­ta-feira, em Brasília, Ader­bal Ashogun, coor­de­nador nacional da Rede Afroam­bi­en­tal, enx­er­ga que o fato de as con­se­quên­cias da emergên­cia climáti­ca afetarem mais as pop­u­lações já despriv­i­le­giadas acen­tua desigual­dades. Para ele, essa difer­ença é fru­to de um racis­mo ambi­en­tal.

“O racis­mo ambi­en­tal é jus­ta­mente essa omis­são do Esta­do que atinge áreas já em situ­ação de vul­ner­a­bil­i­dade, o impacto da não imple­men­tação de políti­cas cidadãs nos ter­ritórios de altís­si­mas vul­ner­a­bil­i­dades”, disse.

Ele acres­cen­ta como exem­p­lo a fal­ta de sanea­men­to das fave­las, que as deixa em situ­ação de risco quan­do acon­te­cem tem­po­rais.

Sustentabilidade

Crise climática aprofunda desigualdades, dizem ativistas negros. - Nêgo Bispo. Foto: Murilo Alvesso
Repro­dução: Nêgo Bis­po, líder comu­nitário no quilom­bo Saco Cur­tume, em São João do Piauí — Foto: Muri­lo Alves­so

Além de iden­ti­ficar injustiças e con­se­quên­cias para as pop­u­lações, espe­cial­is­tas acred­i­tam que é impor­tante que as comu­nidades atuem na pro­dução de con­hec­i­men­to e boas práti­cas de mane­jo ambi­en­tal.

“Pop­u­lações negras já vêm pro­duzin­do soluções, tem vários movi­men­tos de favela, de per­ife­ria, mel­ho­ran­do esse debate sobre emergên­cia climáti­ca. Trazem um olhar negro para essas questões”, assi­nala Thales Vieira.

Um exem­p­lo, na avali­ação dele, são quilom­bos, que ele clas­si­fi­ca como espaços de preser­vação por excelên­cia. “O modo de vida pen­san­do ness­es movi­men­tos de resistên­cia negra é fin­ca­do em uma sim­biose [asso­ci­ação a lon­go pra­zo entre dois organ­is­mos] muito forte entre o homem e a natureza”.

Thales defende mais val­oriza­ção desse con­hec­i­men­to tradi­cional e lamen­ta o pouco espaço que ain­da tem nos debates públi­cos. “Pouquís­si­mo aces­so para inter­vir em políti­cas públi­cas”.

Esse cenário é con­fir­ma­do por Nêgo Bis­po, líder comu­nitário no quilom­bo Saco Cur­tume, em São João do Piauí, no Piauí, uma área de caatin­ga. “Nós somos muito chama­dos para faz­er palestras, para faz­er debates, mas não somos chama­dos para tomar decisões”, disse durante o encon­tro do Obser­vatório da Bran­qui­tude.

Conscientização

Fun­dado­ra do cole­ti­vo Mul­heres de Axé do Dis­tri­to Fed­er­al e do Entorno, Virgí­nia da Rosa atua no ter­reiro que recebe o sem­i­nário sobre ances­tral­i­dade e meio ambi­ente, em Brasília. Ela desta­ca a relação entre tradições cul­tur­ais reli­giosas e preser­vação ambi­en­tal. “A preser­vação da natureza, das nos­sas fol­has sagradas, das nos­sas árvores sagradas é fun­da­men­tal, é o pilar da nos­sa existên­cia”, disse à Agên­cia Brasil.

Crise climática aprofunda desigualdades, dizem ativistas negros. Virgínia da Rosa, do Coletivo Mulheres do Axé do DF e Entorno. Foto: Arquivo Pessoal
Repro­dução: Virgí­nia da Rosa, do Cole­ti­vo Mul­heres do Axé do Dis­tri­to Fed­er­al e Entorno — Foto: Arqui­vo Pes­soal

Virgí­nia defende que as comu­nidades devem faz­er uma reflexão sobre a relação com o con­sumo mate­r­i­al. “É impor­tante que o nos­so povo refli­ta sobre o modo de existên­cia que nós quer­e­mos levar para o futuro, em que o nos­so dese­jo de sociedade con­sum­ista, em que a pro­dução de bens de con­sumo leva ao esgo­ta­men­to dos recur­sos nat­u­rais e impacta na preser­vação da nos­sa iden­ti­dade, da nos­sa própria existên­cia”.

Ela defende tam­bém um pro­tag­o­nis­mo da pop­u­lação negra no debate públi­co. “Levar essas pre­ocu­pações para den­tro dos nos­sos ter­reiros, para den­tro dos nos­sos movi­men­tos, ampli­ar a par­tic­i­pação do movi­men­to negro no debate da agen­da climáti­ca. A agen­da climáti­ca é uma abor­dagem impor­tante para o debate das desigual­dades soci­ais e raci­ais”.

Edição: Fer­nan­do Fra­ga

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