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Criticada por divisão de lucros, Vale diz se comprometer com atingidos

A house is seen in a area next to a dam owned by Brazilian miner Vale SA that burst, in Brumadinho, Brazil January 25, 2019. REUTERS/Washington Alves
© REUTERS/Washington Alves/Direitos Reser­va­dos (Repro­du­ção)

Há divergência entre empresa e atingidos em Brumadinho sobre valores


Publi­ca­do em 25/01/2021 — 06:00 Por Léo Rodri­gues — Repór­ter da Agên­cia Bra­sil — Rio de Janei­ro


Pas­sa­dos exa­tos dois anos da tra­gé­dia de Bru­ma­di­nho (MG), o volu­me de recur­sos anun­ci­a­do pela Vale para paga­men­to a aci­o­nis­tas é de R$ 19,6 bilhões. Nes­se mes­mo perío­do, segun­do dados da pró­pria mine­ra­do­ra, foram pagos R$ 3,7 bilhões em inde­ni­za­ções e auxí­li­os emer­gen­ci­ais aos atin­gi­dos na tra­gé­dia. A com­pa­ra­ção das cifras tem sido usa­da pelos atin­gi­dos para cobrar um mai­or com­pro­me­ti­men­to com a repa­ra­ção dos danos cau­sa­dos na tra­gé­dia.

“São valo­res altís­si­mos repas­sa­dos aos aci­o­nis­tas. É um des­res­pei­to com aque­las pes­so­as que tive­ram suas vidas cei­fa­das. E não falo só das víti­mas que foram pri­va­das do direi­to de viver. As famí­li­as que per­de­ram seus entes que­ri­dos estão sem for­ças pra nada. É um pesa­de­lo cons­tan­te”, diz a enge­nhei­ra civil Josi­a­ne Melo, pre­si­den­te da Asso­ci­a­ção dos Fami­li­a­res de Víti­mas e Atin­gi­dos do Rom­pi­men­to da Bar­ra­gem da Mina Cór­re­go do Fei­jão (Ava­brum). Ela per­deu sua irmã Eli­a­ne Melo, que esta­va grá­vi­da de cin­co meses.

A mine­ra­do­ra diz estar empe­nha­da na repa­ra­ção dos danos. “Com­pro­me­ti­da em inde­ni­zar de for­ma jus­ta e céle­re todos os impac­ta­dos, a empre­sa já pagou mais de R$ 2 bilhões em inde­ni­za­ções. Ao todo, 8,7 mil pes­so­as já fir­ma­ram acor­dos de inde­ni­za­ção com a Vale, sen­do 1,6 mil por meio da jus­ti­ça tra­ba­lhis­ta e 7,1 mil pes­so­as em inde­ni­za­ções cíveis. No total, mais de 3,8 mil acor­dos foram assi­na­dos. Os recur­sos des­ti­na­dos ao auxí­lio emer­gen­ci­al ultra­pas­sam R$ 1,7 bilhão”, diz em nota.

Des­de a tra­gé­dia, ocor­ri­da após o rom­pi­men­to de uma bar­ra­gem na Mina Cór­re­go do Fei­jão em 25 de janei­ro de 2019, 259 cor­pos foram res­ga­ta­dos. Per­ma­ne­cem desa­pa­re­ci­das 11 pes­so­as e o Cor­po de Bom­bei­ros pros­se­gue com as bus­cas. A ava­lan­che de lama tam­bém des­truiu comu­ni­da­des, devas­tou vege­ta­ção e poluiu o Rio Para­o­pe­ba, que abas­te­ce par­te da região metro­po­li­ta­na de Belo Hori­zon­te.

Após o epi­só­dio, a pri­mei­ra vez que a mine­ra­do­ra anun­ci­ou remu­ne­ra­ção de aci­o­nis­tas foi no final de 2019. Foram reser­va­dos R$ 7,25 bilhões para dis­tri­bui­ção a títu­lo de juros sobre capi­tal (JCP). O repas­se des­se valor aos aci­o­nis­tas acon­te­ceu no dia 7 de agos­to de 2020, quan­do o Con­se­lho de Admi­nis­tra­ção da Vale res­ta­be­le­ceu a polí­ti­ca de remu­ne­ra­ção que esta­va sus­pen­sa des­de a tra­gé­dia. Um novo anún­cio da Vale envol­ven­do a remu­ne­ra­ção de aci­o­nis­tas vol­tou a ocor­rer em outu­bro do ano pas­sa­do: foram reser­va­dos US$ 2,3 bilhões (cer­ca de R$ 12,35 bilhões) para paga­men­to de divi­den­dos e juros sobre capi­tal pró­prio (JCP).

A remu­ne­ra­ção de exe­cu­ti­vos tam­bém tem cifras sig­ni­fi­ca­ti­vas. A Vale dis­tri­buiu R$ 19,1 milhões como prê­mio por desem­pe­nho a dire­to­res. Esse valor, apro­va­do em assem­bleia em abril de 2020, é refe­ren­te a 2019, ano em que a tra­gé­dia ocor­reu. Entre os bene­fi­ci­a­dos esta­vam pes­so­as que desem­pe­nha­vam fun­ção de dire­ção à épo­ca do rom­pi­men­to da bar­ra­gem.

A Vale afir­mou na épo­ca que os valo­res foram divi­di­dos entre os exe­cu­ti­vos que não esta­vam sen­do inves­ti­ga­dos e sus­ten­tou que os dire­to­res cum­pri­ram ao lon­go do ano suas metas de sus­ten­ta­bi­li­da­de e de repa­ra­ção de danos do desas­tre. Sóci­os mino­ri­tá­ri­os e o Ban­co Naci­o­nal de Desen­vol­vi­men­to Econô­mi­co e Soci­al (BNDES) vota­ram con­tra a deci­são, mas foram votos ven­ci­dos dian­te dos aci­o­nis­tas que detém 60% das ações, entre eles o Bra­des­co e a Pre­vi, fun­do de pen­são dos fun­ci­o­ná­ri­os do Ban­co do Bra­sil.

Ape­sar do impac­to finan­cei­ro que se seguiu nos meses pos­te­ri­o­res à tra­gé­dia, a Vale mini­mi­zou as per­das de 2019 com bom desem­pe­nho no segun­do semes­tre. A mine­ra­do­ra fechou o ano com pre­juí­zo de R$ 6,672 bilhões (US$ 1,683 bilhão). Em 2020, con­si­de­ran­do os balan­ços já divul­ga­dos dos três pri­mei­ros tri­mes­tres, o lucro líqui­do acu­mu­la­do é de R$ 21,9 bilhões. Res­tan­do o balan­ço do últi­mo tri­mes­tre a ser divul­ga­do, a Vale se apro­xi­ma do desem­pe­nho de 2018, ano ante­ri­or à tra­gé­dia, quan­do lucrou R$ 25,6 bilhões.25-cidades-atingidas-brumadinho (395 x 600)

 Jus­ti­ça reco­nhe­ceu atin­gi­dos pelo desas­tre em 25 cida­des. — Arte/Agência Bra­sil (Repro­du­ção)

Indenizações por mortes

Para inde­ni­zar paren­tes dos tra­ba­lha­do­res que mor­re­ram, um acor­do foi fir­ma­do entre a Vale e o Minis­té­rio Públi­co do Tra­ba­lho (MPT) em julho de 2019. Mais de 90% dos 259 cor­pos res­ga­ta­dos per­ten­ci­am a fun­ci­o­ná­ri­os que atu­a­vam no Mina Cór­re­go do Fei­jão: 123 eram empre­ga­dos pró­pri­os da Vale e 117 de empre­sas ter­cei­ri­za­das. “Não ava­li­a­mos que foi um acor­do posi­ti­vo. Não fomos con­sul­ta­dos e não tive­mos opções. Dis­se­ram que era isso ou ir pra Jus­ti­ça”, dis­se Josi­a­ne Melo.

Con­for­me o acor­do, pais, côn­ju­ges ou com­pa­nhei­ros e filhos des­sas víti­mas rece­be­ri­am, indi­vi­du­al­men­te, R$ 500 mil por dano moral. Já os irmãos rece­be­ri­am R$ 150 mil cada um. Além dis­so, a títu­lo de dano mate­ri­al, a Vale deve pagar uma pen­são men­sal para os fami­li­a­res que depen­di­am finan­cei­ra­men­te da víti­ma. O acor­do asse­gu­ra que depen­den­tes de cada mor­to não devem rece­ber menos que R$ 800 mil, ain­da que o cál­cu­lo fique abai­xo des­se valor.

Os valo­res são infe­ri­o­res ao que pre­via um estu­do inter­no da pró­pria mine­ra­do­ra Vale que foi apre­en­di­do pelo Minis­té­rio Públi­co de Minas Gerais (MPMG) no cur­so das inves­ti­ga­ções sobre a tra­gé­dia. Ele fixa­va a inde­ni­za­ção em qua­se R$ 10 milhões por mor­to. “Cla­ro que uma vida não tem pre­ço. Mes­mo R$ 10 milhões, a gen­te ain­da iria achar que é pou­co peran­te uma vida per­di­da. Mas temos vis­tos algu­mas boas inde­ni­za­ções para quem teve danos mate­ri­ais. Hou­ve lotes e chá­ca­ras devas­ta­dos no rom­pi­men­to da bar­ra­gem que foram mui­to bem valo­ri­za­dos. Enquan­to isso, quem per­deu um irmão ou um filho sequer foi ouvi­do para defi­nir a inde­ni­za­ção”, lamen­ta Josi­a­ne.

Decisões judiciais

Nem todas as famí­li­as acei­ta­ram os valo­res e algu­mas opta­ram por mover pro­ces­sos. A Vale já foi con­de­na­da em alguns deles, embo­ra exis­tam deci­sões que foram alvo de recur­sos tan­to da mine­ra­do­ra como de paren­tes que plei­tei­am majo­ra­ção das inde­ni­za­ções. Na 3ª Vara do Tra­ba­lho de Gover­na­dor Vala­da­res, por exem­plo, a Jus­ti­ça deter­mi­nou o paga­men­to de R$ 2 milhões em danos morais a um casal que per­deu sua filha na tra­gé­dia: ela era enge­nhei­ra e esta­va na Mina Cór­re­go do Fei­jão quan­do foi soter­ra­da pela lama. Na segun­da ins­tân­cia, o valor foi redu­zi­do para R$ 1,3 milhão. O casal mani­fes­tou dis­cor­dân­cia em rela­ção à quan­tia fixa­da e o caso subiu para o Tri­bu­nal Supe­ri­or do Tra­ba­lho (TST).

Já na 6ª Vara do Tra­ba­lho de Betim, a mine­ra­do­ra foi con­de­na­da ao paga­men­to de R$ 1,5 milhão aos fami­li­a­res de outro tra­ba­lha­dor fale­ci­do. A Vale recor­reu e, na segun­da ins­tân­cia, as par­tes che­ga­ram a um acor­do pac­tu­an­do a quan­tia de R$ 1 milhão, com o pro­ces­so tran­si­tan­do em jul­ga­do. Na Jus­ti­ça comum, tam­bém exis­tem deci­sões favo­rá­veis a quem pro­ces­sou a Vale. Em maio de 2020, a 1ª Vara Cível, Cri­mi­nal e da Infân­cia e da Juven­tu­de de Bru­ma­di­nho, con­de­nou a Vale ao paga­men­to total de R$ 5 milhões a uma mulher que per­deu o filho de um ano, o espo­so e a irmã, além de ter tido sua casa des­truí­da e de ter sofri­do fra­tu­ras e lesões que dei­xa­ram cica­tri­zes. Há um recur­so da mine­ra­do­ra aguar­dan­do jul­ga­men­to.

Em outra deci­são, o Tri­bu­nal de Jus­ti­ça de Minas Gerais (TJMG) fixou em setem­bro de 2019 o mon­tan­te de R$ 11,8 milhões para inde­ni­za­ção por danos morais a qua­tro paren­tes — pais e irmãos — de Luiz Tali­ber­ti, a irmã Cami­la Tali­ber­ti e a espo­sa dele Fer­nan­da Dami­an, grá­vi­da de cin­co meses. Eles esta­vam hos­pe­da­dos na Pou­sa­da Nova Estân­cia, que foi soter­ra­da pela lama de rejei­tos. Após a Vale apre­sen­tar um recur­so, as par­tes fir­ma­ram um acor­do em segun­da ins­tân­cia cujos valo­res são sigi­lo­sos e o pro­ces­so foi arqui­va­do. Pos­te­ri­or­men­te, outros cin­co paren­tes — avós, irmãos e pri­mos — das mes­mas víti­mas tam­bém tive­ram deci­são favo­rá­vel: a mine­ra­do­ra foi con­de­na­da a desem­bol­sar mais R$ 8,1 milhões. A Vale recor­reu des­sa sen­ten­ça.

Rescue crew work in a dam owned by Brazilian miner Vale SA that burst, in Brumadinho, Brazil January 25, 2019. REUTERS/Washington Alves
Bom­bei­ros pro­cu­ram por sobre­vi­ven­tes após o rom­pi­men­to da bar­ra­gem de Bru­ma­di­nho — REUTERS/Washington Alves/Direitos Reser­va­dos (Repro­du­ção)

Sobreviventes

Inde­ni­za­ções para os tra­ba­lha­do­res sobre­vi­ven­tes tam­bém foram dis­cu­ti­dos na Jus­ti­ça. Nego­ci­a­ções entre a mine­ra­do­ra e seis sin­di­ca­tos leva­ram a acor­dos que foram homo­lo­ga­dos em abril do ano pas­sa­do pela 5ª Vara da Jus­ti­ça do Tra­ba­lho de Betim. Deve­rão ser pagos até R$ 250 mil por danos morais e mate­ri­ais a cada um dos fun­ci­o­ná­ri­os, sejam eles da pró­pria Vale ou de empre­sas ter­cei­ri­za­das, que atu­a­vam na Mina Cór­re­go do Fei­jão. O mai­or valor é para os que esta­vam tra­ba­lhan­do no momen­to do rom­pi­men­to da bar­ra­gem.

Josi­a­ne, que tam­bém é fun­ci­o­ná­ria da mine­ra­do­ra, con­ta que mui­tos cole­gas tive­ram difi­cul­da­de de lidar com o trau­ma vivi­do. “Mui­tos dos tra­ba­lha­do­res sobre­vi­ven­tes opta­ram por se des­li­gar da Vale. E há uma difi­cul­da­de de se reco­lo­car no mer­ca­do de tra­ba­lho. Pri­mei­ro por­que esta­mos no meio de uma pan­de­mia. Segun­do por­que essas pes­so­as rea­li­za­ram ou estão rea­li­zan­do tra­ta­men­to psi­quiá­tri­co. Os cur­rí­cu­los estão man­cha­dos por­que tra­ba­lha­ram na Mina Cór­re­go do Fei­jão e nin­guém quer con­tra­tar pelo estig­ma. Os empre­ga­do­res não que­rem um tra­ba­lha­dor com pro­ble­ma psi­quiá­tri­co”.

Edi­ção: Fábio Mas­sal­li

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