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Cuidadores de pacientes com Alzheimer precisam de atenção e proteção

Repro­dução: © Marce­lo Camargo/Agência Brasil

Quem passa pela rotina da doença não pode se isolar, dizem médicos


Pub­li­ca­do em 23/09/2023 — 14:07 Por Luiz Clau­dio Fer­reira — Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

ouvir:

- “Bom dia, pai”. 

- “Bom dia, fil­ha”. 

Brasília (DF), 22/09/2023 - Natália Duarte e seu pai, Ítalo, que tem a doença de Alzheimer. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Repro­dução: Natália Duarte e seu pai, Íta­lo, que teve diag­nós­ti­co de Alzheimer em 2019 — Marce­lo Camargo/Agência Brasil

Nos encon­tros de palavras sim­ples, os gestos tam­bém falam. O toque das mãos, o abraço, o olhar por todo o dia. No cam­in­ho de casa, a pas­sa­da é lenta. Na sala, as novi­dades que chegam pela TV. Na mesa, a con­ver­sa do almoço. Depois, o jan­tar, o “boa noite”. Mas nem todas as palavras dão con­ta de traduzir. “É um priv­ilé­gio que eu ain­da ten­ha o colo do meu pai”, diz Natália de Souza Duarte, de 57 anos, para falar do paizão, Íta­lo, de 90 anos, diag­nos­ti­ca­do, des­de 2019, com a doença de Alzheimer. Assim como o pai, a fil­ha sabe que pre­cisa ser cuida­da tam­bém.

O cuida­do é min­u­cioso para ten­tar jun­tar as peças ou as fotos, em dias que a memória vai des­fol­han­do lenta­mente. Este amor é feito de uma roti­na, mas não triv­ial. Depois do diag­nós­ti­co do pai, a fil­ha, que é pro­fes­so­ra, foi ser viz­in­ha no mes­mo pré­dio do pai, em Brasília. Uma atenção é para que ambos se cui­dem. É impor­tante que a fil­ha este­ja bem para mel­hor cuidar do pai.

“O meu pai e min­ha mãe sem­pre foram muito autônomos. Eles eram fun­cionários públi­cos aposen­ta­dos”. Em 2019, a mãe de Natália adoe­ceu e acabou fale­cen­do no ano seguinte por causa de um câncer. “Foi um momen­to muito con­tur­ba­do quan­do hou­ve o diag­nós­ti­co. Ele esta­va apre­sen­tan­do des­or­ga­ni­za­ção e per­da de memória”. O irmão de Natália tam­bém se orga­ni­zou com a família para apoiar o novo momen­to.

A pro­gressão do Alzheimer de Íta­lo tem sido lenta graças ao cuida­do de profis­sion­ais, uso de vit­a­m­i­nas e do can­abid­i­ol.

“Além dis­so, temos procu­ra­do pro­por­cionar mui­ta ativi­dade de social­iza­ção. Fize­mos a opção de con­tar para ele sobre o diag­nós­ti­co”. Há momen­tos dramáti­cos no dia tam­bém com a lucidez.

Indis­cutív­el é que a orga­ni­za­ção do dia a dia con­tem­pla man­ter inde­pendên­cia e cuida­do com a saúde men­tal e físi­ca da pro­fes­so­ra, que con­tin­ua tra­bal­han­do, bus­ca faz­er ativi­dades físi­cas e cuidar da saúde men­tal.

“No começo fica muito bagunça­do. Eu adoe­ci depois de dois anos como cuidado­ra, lidan­do com essa situ­ação”.

Brasília (DF), 22/09/2023 - Natália Duarte e seu pai, Ítalo, que tem a doença de Alzheimer. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Sair do isolamento

Ela viu que era necessário estar bem para cuidar do pai. Uma vira­da de chave ocor­reu quan­do con­heceu um cole­ti­vo, na cap­i­tal, chama­do Fil­has da Mãe que tem por obje­ti­vo ger­ar um sen­ti­men­to que cuidadores pre­cisam con­ver­sar, sair do iso­la­men­to e se diver­tir. Passear, andar de bici­cle­ta, faz­er ativi­dade físi­ca.

“Pre­cisamos de uma rede de pro­teção e poder con­ver­sar com quem está pas­san­do pelos mes­mos desafios. Come­cei a ter­apia. Hoje eu con­segui orga­ni­zar a min­ha vida de modo que eu con­si­go cuidar do meu pai e con­si­go man­ter uma vida tam­bém”, afir­ma a pro­fes­so­ra.

Segun­do o médi­co Ein­stein de Camar­gos, pesquisador da doença de Alzheimer da Uni­ver­si­dade de Brasília, o cuidador deve ter mui­ta atenção com a própria saúde. “Ele pre­cisa faz­er exer­cí­cio, dormir bem, dividir as tare­fas com out­ras pes­soas, profis­sion­ais ou famil­iares”, afir­ma.

A pro­fes­so­ra de med­i­c­i­na Clau­dia Sue­mo­to, da Uni­ver­si­dade de São Paulo, tam­bém pesquisado­ra do tema, aler­ta para os riscos que corre o cuidador se não se cuidar tam­bém. “É impor­tante que as pes­soas não ten­tem abraçar o mun­do porque elas vão ficar doentes”.

Ela expli­ca que é alto o índice de depressão e ansiedade ness­es cuidadores. “Muitos deles desen­volvem prob­le­mas de pressão alta, dia­betes e obesi­dade. O iso­la­men­to é ruim para cuidadores e pacientes”.

Luta na rotina

Brasília (DF) 23/09/2023 Cuidadores de pacientes com Alzheimer precisam de atenção e proteção. Ana Castro com a sua mãe (já falecida) e o bloco de carnaval que formaram. Foto Divulgação.
Repro­dução: Ana Cas­tro cuidou da mãe com Alzheimer por 12 anos e criou o grupo Fil­has da Mãe, de apoio a cuidadores — Foto Divulgação/Acervo Pes­soal

Foi o apren­diza­do de amor diário que mexeu com a jor­nal­ista Ana Cas­tro, uma das cri­ado­ras do cole­ti­vo brasiliense Fil­has da Mãe, há quase cin­co anos. O pro­je­to já foi hom­e­nagea­do com o Prêmio Marielle Fran­co de Dire­itos Humanos, no Dis­tri­to Fed­er­al, neste ano. O grupo criou ain­da o Guia de Serviços Públi­cos para Pes­soas Idosas com Demên­cias e para Cuidadoras/es no Dis­tri­to Fed­er­al.

Ana cuidou da mãe, Nor­ma, por 14 anos, após o diag­nós­ti­co de Alzheimer. Mes­mo depois da morte da mãe, resolveu man­ter o ativis­mo e lutar por pes­soas que viram suas vidas mudarem muito.

Nor­ma tin­ha três cur­sos supe­ri­ores, e isso garan­tiu resistên­cia cog­ni­ti­va para que o quadro evoluísse com menos veloci­dade. Mas tudo mudou muito. “Nasceu o meu neto. Enquan­to ele apren­dia a falar, andar e com­er, min­ha mãe desapren­dia com­er, falar e andar”.

Hoje, aos 68 anos, Ana Cas­tro defende que haja atenção profis­sion­al tam­bém para quem cui­da de pes­soas com a doença. “A gente aprende muito com a tro­ca fral­da, o horário do remé­dio. Cus­ta muito caro no Brasil você cuidar de uma pes­soa com demên­cia”, afir­ma.

O grupo atua no acol­hi­men­to das cuidado­ras e na tro­ca de infor­mações sobre serviços públi­cos e par­tic­u­lares. O cole­ti­vo, que pro­move saraus e des­files de Car­naval (falan­do de Alzheimer), tam­bém luta por políti­cas públi­cas e para dar vis­i­bil­i­dade às deman­das de pacientes e cuidadores.

“Nós con­seguimos, jun­ta­mente com o Fórum de Defe­sa do Idoso aqui do Dis­tri­to Fed­er­al, aprovar uma lei na Câmara Leg­isla­ti­va, sobre a políti­ca dis­tri­tal de trata­men­to das pes­soas com demên­cia e cuidadores. Infe­liz­mente essa lei ain­da não foi imple­men­ta­da no DF. A gente tem até uma audiên­cia públi­ca para cobrar”.

Uma das ini­cia­ti­vas está mar­ca­da para a man­hã deste domin­go (24), na Aveni­da W3, na Asa Sul. Tra­ta-se da cam­in­ha­da da memóriacom ativi­dades gra­tu­itas.

O grupo tem a pre­ocu­pação de divul­gar fatores de risco para a doença, como está no pan­fle­to que o cole­ti­vo dis­tribui.

A Asso­ci­ação Brasileira de Alzheimer reúne, em sua pági­na, ini­cia­ti­vas voltadas a cuidadores e pacientes, a fim de diminuir o iso­la­men­to de quem pas­sa por essa situ­ação.

Brasília (DF) 23/09/2023 Cuidadores de pacientes com Alzheimer precisam de atenção e proteção. Ana Castro com a sua mãe (já falecida) e o bloco de carnaval que formaram. Foto Divulgação.
Repro­dução: Grupo Fil­has da Mãe, de cuidadores, for­mou um blo­co de car­naval e luta por políti­cas públi­cas — Foto Divul­gação.

Fora do manual

A roti­na atu­al de Ana Cas­tro não é como a de antes e, segun­do ela, o proces­so deixa mar­cas. Ela se recor­da de quan­do a mãe olha­va, pelo celu­lar, ima­gens da sua cidade natal, San­ta Mar­ta da Purifi­cação (BA), e con­ta histórias que ficaram. “Eu era uma cuidado­ra, uma per­son­al pal­haça. Essas sacadas que a gente vai desco­brindo não tem em man­u­al médi­co”.

Para a jor­nal­ista, há pos­turas, dicas e infor­mações que não estão em nen­hum man­u­al e cita, como exem­p­lo, a importân­cia de se man­ter o bom humor no dia a dia. Ela con­ta que lev­a­va para a mãe mate­ri­ais com tex­turas difer­entes e comi­das de con­sistên­cias vari­adas.

“O cuidar está nos detal­h­es. Está na maciez do teci­do, está na del­i­cadeza de servir. Está nas cores da mesa. Então eu fui fazen­do isso e as pes­soas me ensi­nan­do e eu com­par­til­han­do”. Foi assim que Ana nun­ca mais parou de cuidar.

Edição: Denise Griesinger

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