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“Culto aos ancestrais”, samba é homenageado no Rio de Janeiro

Repro­dução: © Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

Trem do Samba, de Marquinhos de Oswaldo Cruz, chega à 28º edição


Pub­li­ca­do em 02/12/2023 — 08:00 Por Leo Rodrigues — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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Ide­al­iza­do pelo músi­co Mar­quin­hos de Oswal­do Cruz, o Trem do Sam­ba real­iza neste sába­do (2) a sua 28ª edição. Con­sol­i­da­do como um patrimônio da agen­da cul­tur­al car­i­o­ca, a ini­cia­ti­va mobi­liza amantes do sam­ba de todas as idades, que embar­cam nas com­posições que saem da estação Cen­tral do Brasil em direção ao bair­ro de Oswal­do Cruz, na zona norte do Rio de Janeiro. Os instru­men­tos de cor­da e de per­cussão os acom­pan­ham como pas­sageiros ilus­tres e os músi­cos garan­tem a tril­ha sono­ra.

“O Trem do Sam­ba é um restau­rador de obras de arte, porque vem todo ano cam­in­han­do na memória cole­ti­va pelos tril­hos, fazen­do com que as pes­soas se lem­brem de nos­sas histórias e de nos­sas músi­cas”, expli­cou Mar­quin­hos de Oswal­do Cruz em entre­vista à Agên­cia Brasil.

Os primeiros trens sairão rumo à Oswal­do Cruz a par­tir das 18h04. Mas, antes do embar­que e depois do desem­bar­que, a fes­ta acon­tece nos pal­cos que rece­berão nomes como Mar­t­in­ho da Vila, Leci Brandão e Fabi­ana Coz­za. O pas­s­aporte para essa viagem é um qui­lo de ali­men­to não perecív­el e toda a arrecadação é doa­da a pro­je­tos soci­ais.

Toda essa mobi­liza­ção não pode­ria acon­te­cer em out­ra data. Em 2 de dezem­bro, é cel­e­bra­do o Dia Nacional do Sam­ba. Tam­bém por isso, a TV Brasil preparou uma pro­gra­mação espe­cial: serão trans­mi­ti­dos ao vivo os prin­ci­pais momen­tos do Trem do Sam­ba, com flash­es a par­tir das 18h e trans­mis­são com­ple­ta dos shows a par­tir de 21h.

Mar­quin­hos de Oswal­do Cruz obser­va que o sam­ba é “um cul­to aos ances­trais” e rev­er­en­cia nomes que con­tribuíram para per­pet­u­ar o rit­mo, como Car­to­la, Monar­co, Dona Ivone Lara, entre out­ros. Nes­sa entre­vista à Agên­cia Brasil, ele expli­cou as ori­gens do Trem do Sam­ba e con­tou o que esper­ar da edição deste ano. Tam­bém falou sobre a importân­cia e os desafios para a preser­vação do sam­ba tradi­cional.

Con­fi­ra os prin­ci­pais tre­chos da entre­vista:

Agên­cia Brasil: O que os pas­sageiros devem esper­ar do Trem do Sam­ba?
Mar­quin­hos de Oswal­do Cruz:  O Trem do Sam­ba faz o tra­je­to da Cen­tral do Brasil até Oswal­do Cruz. E Oswal­do Cruz e Madureira são um grande museu de bens cul­tur­ais e ima­te­ri­ais. Então o Trem do Sam­ba é um restau­rador de obras de arte, porque vem todo ano cam­in­han­do na memória cole­ti­va pelos tril­hos, fazen­do com que as pes­soas se lem­brem de nos­sas histórias e de nos­sas músi­cas. Para per­pet­u­ar o bem cul­tur­al e o ima­te­r­i­al é pre­ciso exe­cutá-lo. Então o Trem do Sam­ba vem oxi­ge­nar as memórias cole­ti­vas para que ess­es bens cul­tur­ais pos­sam ficar vivos.

Rio de Janeiro (RJ) 23/11/2023 – Retrato do músico e compositor Marquinhos de Oswaldo Cruz, organizador do Trem do Samba, durante gravação para TV Brasil. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: Músi­co e com­pos­i­tor Mar­quin­hos de Oswal­do Cruz e o orga­ni­zador do Trem do Sam­ba. Foto — Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

Agên­cia Brasil: Como surgiu o Trem do Sam­ba?
Mar­quin­hos de Oswal­do Cruz:  Esta é a 28ª edição. Ini­cial­mente, o Trem do Sam­ba bus­ca­va chamar a atenção da comu­nidade do bair­ro de Oswal­do Cruz, um bair­ro per­iféri­co na cidade do Rio de Janeiro. A ideia surgiu muito do que fazia o mestre Paulo da Portela na déca­da de 1930. Can­tar sam­ba era proibido, assim como out­ras man­i­fes­tações negras. Para burlar a repressão poli­cial ao sam­ba, o Paulo da Portela mar­ca­va com os ami­gos no final do tra­bal­ho na Estação Cen­tral do Brasil. Se encon­tra­va com os ami­gos às vezes até de out­ras esco­las e não só da Portela.

Eles pegavam o trem para a per­ife­ria, para o bair­ro do Osval­do Cruz. Entravam no trem e quan­do a por­ta fecha­va, eles saiam tocan­do, que só assim a polí­cia não pren­dia. Em 1996, eu recrio essa história para comem­o­rar o Dia Nacional do Sam­ba.

Agên­cia Brasil: Esta edição terá hom­e­na­gens?
Mar­quin­hos de Oswal­do Cruz:  A hom­e­nagem esse ano é aos Sen­hores da Memória. O Rio de Janeiro é a cidade que mais rece­beu negros escrav­iza­dos na história da humanidade e sofreu tam­bém uma diás­po­ra inter­na que lev­ou ess­es negros prin­ci­pal­mente para os mor­ros e para a região da grande Madureira. E o Trem do Sam­ba é uma espé­cie de restau­rador de obras cul­tur­ais e ima­te­ri­ais pro­duzi­das na per­ife­ria. É um trem da memória. E a nos­sa história é reple­ta dess­es Sen­hores da Memória. Alguns deles ain­da estão vivos.

Ess­es Sen­hores da Memória fiz­er­am essa história se per­pet­u­ar. A ger­ação de Paulo da Portela, Car­to­la, Don­ga, João da Baiana. Depois vem a ger­ação de seu Alva­iade e seu Man­a­ceia, falan­do mais da min­ha comu­nidade. Tive­mos ago­ra a pas­sagem do seu Monar­co há dois anos. Dona Ivone Lara, rep­re­sen­tan­do o Império Ser­ra­no e a Ser­rin­ha. Foram tan­tos que vier­am e que per­pet­u­aram as histórias, can­taram as histórias, para que esse sam­ba ficas­se vivo. Então é até redun­dante essa a hom­e­nagem do Trem do Sam­ba, porque o sam­ba já é em si um cul­to aos ances­trais.

Agên­cia Brasil: E como essas hom­e­na­gens rever­ber­am na pro­gra­mação?
Mar­quin­hos de Oswal­do Cruz:  Nos pal­cos, entre as cen­te­nas de sen­hores dessa memória, nós escol­he­mos qua­tro para hom­e­nagear. O pal­co prin­ci­pal, na Cen­tral do Brasil, no local onde o Paulo da Portela se encon­tra­va com os ami­gos, não vai levar o nome dele nesse ano. Nós vamos hom­e­nagear uma mul­her. Vai levar o nome de Dona Ivone Lara, a maior dama da história do sam­ba na min­ha opinião. Quan­do o trem chega em Oswal­do Cruz, um pal­co que está posi­ciona­do ao lado esquer­do da estação vai levar o nome do Mestre Can­deia. O pal­co fica a 50 met­ros de onde ele nasceu. E os jovens do hip hop pin­taram ali per­to a imagem do Can­deia. Ficou boni­to.

E do out­ro lado ter­e­mos o pal­co da hom­e­nagem a out­ra grande dama do sam­ba, que é a Tia Doca. Ela orga­ni­za­va as fes­tas, a roda de sam­ba mais anti­ga do país, de onde saíram vários sam­bis­tas como Joveli­na Péro­la Negra e Zeca Pagod­in­ho. E o pal­co da Portelin­ha que é o pal­co prin­ci­pal vai hom­e­nagear esse ano um sen­hor da memória que deixou a gente há pouco tem­po e que teve uma importân­cia muito grande para as ger­ações mais con­tem­porâneas. Vai ser o Pal­co Ary do Cava­co. Ele foi pre­sença con­stante até per­to da sua morte nesse espaço onde esse pal­co vai estar. Ele não abria mão de prati­ca­mente todos os dias estar ali.

Agên­cia Brasil: A gente sabe que todo rit­mo, ao lon­go do tem­po, sofre trans­for­mações e mudanças. Como você vê, nas novas ger­ações de sam­ba, esse diál­o­go entre o novo e o tradi­cional?
Mar­quin­hos de Oswal­do Cruz:  Eu ten­ho tido sur­pre­sas mar­avil­hosas. Em São Paulo, quan­tos gru­pos de sam­ba tradi­cional exis­tem? No Rio de Janeiro, como isso tem sido reforça­do. E muitos deles são crias do Trem do Sam­ba. Tem o Crio­lice, o Ter­reiro de Crioulo, o Sam­ba à Ban­gu. Se eu for ficar falan­do vou ser até injus­to com alguns. Na zona sul do Rio, tem tam­bém o Pé de Tere­sa e o Bip Bip, que são lugares desse sam­ba tradi­cional, que nun­ca abri­ram mão de can­tar esse sam­ba tradi­cional. A cul­tura não é mór­bi­da, ela se trans­for­ma, mas ela tam­bém tem o seu tem­po de se trans­for­mar. Ela não pode ficar à mer­cê do mer­ca­do, fazen­do trans­for­mações pre­co­ces para que deter­mi­na­dos rit­mos acabem. Tem que ter o tem­po cer­to, o tem­po da história.

Agên­cia Brasil: Como você avalia o papel das platafor­mas? Elas podem ser ali­adas do sam­ba tradi­cional?
Mar­quin­hos de Oswal­do Cruz:  Elas são mais democráti­cas, mas tem que saber como usar. Porque o mer­ca­do tam­bém sabe usar. Mas é impor­tante diz­er que a gente não é con­tra o mer­ca­do, não. A gente não faz aque­le dis­cur­so anar­quista. Pelo con­trário, eu quero dis­putar esse espaço para que o sam­ba tradi­cional ten­ha um nicho de mer­ca­do como tem o blues, como tem o jazz.

 

Edição: Sab­ri­na Craide

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