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Cursinhos preparam indígenas e quilombolas para provas do Enem

Repro­dução: © Marce­lo Camargo/Agência Brasil

Apoio aos alunos deve ser antes do exame e após a aprovação


Pub­li­ca­do em 29/10/2023 — 10:28 Por Lety­cia Bond — Repórter da Agên­cia Brasil — São Paulo

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Com 25 anos de apli­cação, o Exame Nacional do Ensi­no Médio (Enem), que terá provas nos dias 5 e 12 de novem­bro, tem trans­for­ma­do o aces­so às insti­tu­ições de ensi­no supe­ri­or e tam­bém os cursin­hos preparatórios do país.. Alguns dess­es cursin­hos pas­saram a se pre­ocu­par com a adap­tação para rece­ber alunos indí­ge­nas e quilom­bo­las. .

Um dess­es cursin­hos é o Colmeia, con­ce­bido na Fac­ul­dade de Ciên­cias Apli­cadas da Uni­ver­si­dade Estad­ual de Camp­inas (Uni­camp), em Limeira, inte­ri­or de São Paulo, em 2010. No final do ano pas­sa­do, a ini­cia­ti­va, ide­al­iza­da pela pro­fes­so­ra Jose­ly Rimoli, con­seguiu ser ele­va­da de pata­mar e se tornou um pro­gra­ma da uni­ver­si­dade, o que pres­supõe maior apoio insti­tu­cional.

O Colmeia tem aulas à noite e incor­porou a modal­i­dade online em 2019. São 17 pro­fes­sores, entre grad­uan­dos e pós-grad­uan­dos da Uni­camp, que dão aulas de lin­guagem, exatas, biolo­gia e ciên­cias humanas.

Em entre­vista con­ce­di­da à Agên­cia Brasil, a Jose­ly Rimoli desta­cou que a atu­ação da equipe do cursin­ho pré-vestibu­lar não deve parar no ensi­no, e sim se esten­der ao acom­pan­hamen­to do aluno aprova­do quan­do ingres­sa no ensi­no supe­ri­or. O obje­ti­vo do Colmeia, por­tan­to, é ofer­e­cer o suporte necessário e garan­tir que o estu­dante está se inte­gran­do bem na comu­nidade acadêmi­ca e, mais, que tem condições de se man­ter até o final do cur­so, inclu­sive finan­ceira­mente. Assim, pode-se diz­er que pen­sa na efe­tivi­dade de ações de per­manên­cia estu­dan­til.

Além dis­so, para falar de igual para igual, respei­tan­do o chama­do “lugar de fala”, reivin­di­ca­do por pes­soas que fazem parte de gru­pos minoriza­dos, como os indí­ge­nas e quilom­bo­las, o Colmeia per­mite que os alunos con­versem com alguém de per­fil pare­ci­do, na hora de rece­ber ori­en­tações e acol­hi­men­to, algo a que dedicam um dia da sem­ana. Um estu­dante indí­ge­na dialo­ga com um instru­tor tam­bém indí­ge­na, mes­mo cuida­do com que se tra­ta a parcela quilom­bo­la das tur­mas, for­madas, ain­da, por ado­les­centes da Fun­dação Casa, mul­heres e ribeir­in­hos.

Ensino básico e acesso à internet

Jose­ly pon­tua que as fal­has deix­adas pelas esco­las em que os alunos do cursin­ho estu­daram vêm, com fre­quên­cia, à tona, como ocor­re­ria com qual­quer estu­dante, inde­pen­den­te­mente de se per­tencem ou não a gru­pos minoriza­dos. Por isso, a equipe de pro­fes­sores enten­deu que era pre­ciso ajudá-los a fixar os con­teú­dos em vésperas de provas.

“A gente com­preende que é impor­tante dar aces­so, con­tribuir para que acessem o ensi­no supe­ri­or. É um dire­ito à edu­cação. E, uma vez que entraram [na insti­tu­ição de ensi­no], pre­cisam ter apoio à per­manên­cia”, declara a coor­de­nado­ra do Colmeia, que tam­bém é respon­sáv­el pela acol­hi­da de can­didatos indí­ge­nas que pas­sam no vestibu­lar da Uni­camp.

Jose­ly con­ta que um lev­an­ta­men­to orga­ni­za­do pelo pro­gra­ma recen­te­mente rev­el­ou que 83% dos alunos inscritos estu­dam pelo celu­lar, o que faz com que a atenção se volte para o aces­so à inter­net, geral­mente obti­da por meio de pacotes de dados e que se esgo­ta rap­i­da­mente, à medi­da que vão assistin­do às aulas. “Um quilom­bo­la do Vale do Ribeira atrav­es­sa­va o rio, à noite, em uma canoa, soz­in­ho, para pegar sinal. É uma batal­ha por vez ou várias ao mes­mo tem­po”, diz a pro­fes­so­ra uni­ver­sitária.

Pertencimento

No caso do cur­so Jeni­pa­po Uru­cum, da Asso­ci­ação Nacional de Ação Indi­genista (Anaí), as estu­dantes que assis­tem às aulas e são mul­heres e meni­nas indí­ge­nas, muitas vezes, até mes­mo o apar­el­ho celu­lar é com­par­til­ha­do com out­ros mem­bros de suas famílias, não sendo de uso exclu­si­vo delas, o que mar­ca mais um grau de difi­cul­dade de aces­so. Como as alu­nas não podem pre­scindir dos apar­el­hos eletrôni­cos, as orga­ni­zado­ras do cursin­ho se man­têm con­stan­te­mente mobi­lizadas para con­seguir doações de tablets, com­puta­dores e celu­lares.

Con­forme ver­i­fi­cou o Insti­tu­to Seme­sp, o con­tin­gente de estu­dantes indí­ge­nas, no ano de 2021, era de pouco mais de 46 mil pes­soas, o equiv­a­lente a 0,5% do total de alunos do ensi­no supe­ri­or, pro­porção que ain­da pode mel­ho­rar. A enti­dade tam­bém desco­briu que o gênero fem­i­ni­no pre­dom­i­na entre os alunos indí­ge­nas, cor­re­spon­den­do a 55,6%.

Alu­na do Jeni­pa­po Uru­cum, a jovem Suziany Kanindé, de 18 anos, vive na zona rur­al de Aratu­ba (CE) e estu­da em uma esco­la indí­ge­na. Ela desco­briu o cursin­ho através de seu pai, que viu um post de divul­gação no Insta­gram.

Suziany plane­ja estu­dar psi­colo­gia em For­t­aleza, tan­to por se iden­ti­ficar com a área como por ver que há uma lacu­na de profis­sion­ais desse cam­po no atendi­men­to ao seu povo, con­cil­ian­do, assim, os estu­dos com a von­tade de man­ter intac­to ao máx­i­mo o con­vívio com os famil­iares. Como van­tagem do caráter sin­gu­lar do cursin­ho indí­ge­na, ela cita a opor­tu­nidade de con­hecer o modo de viv­er de out­ros povos orig­inários.

“São difer­entes povos, de todo o Brasil. Então, é uma chance de con­hecer out­ras pes­soas, cul­tura, tradições”, obser­va ela, que uti­liza um tablet para ver as aulas, min­istradas à noite, no con­traturno da esco­la, e já recon­hece avanços no desem­pen­ho em lín­gua por­tugue­sa e ciên­cias da natureza, com o auxílio dos pro­fes­sores do cursin­ho, que são indí­ge­nas e não indí­ge­nas.

Per­gun­ta­da sobre como espera que seja sua adap­tação na uni­ver­si­dade, Suziany exte­ri­or­iza cer­ta apreen­são. “A gente con­ver­sa, den­tro do cursin­ho, sobre a real­i­dade den­tro da uni­ver­si­dade. No cursin­ho, a gente está entre a gente. Já na uni­ver­si­dade, é out­ra real­i­dade. A gente encon­tra uma série de difi­cul­dades, quan­do vai para fora, sai da zona de con­for­to”, afir­ma ela, que tam­bém atua no Museu Indí­ge­na Kanindé.

Política de cotas

A jovem pataxó hã-hã-hãe Nar­rary Lucília, de 18 anos, tam­bém foi alu­na do Jeni­pa­po Uru­cum e chegou até ele pela sua mãe, que é mon­i­to­ra do cursin­ho, além de ter sido alu­na, em out­ro momen­to. Para Nar­rary, que ago­ra reduz­iu a fre­quên­cia às aulas, depois de começar a cur­sar nutrição em uma fac­ul­dade par­tic­u­lar, com bol­sa inte­gral, tam­bém é fun­da­men­tal a sen­sação de per­tenci­men­to que a tur­ma gera. “A maio­r­ia das pes­soas que está nas uni­ver­si­dades não é indí­ge­na. Acho esse pro­je­to muito boni­to. Algum pro­fes­sor, às vezes, ini­cia a aula colo­can­do um vídeo de algum rit­u­al, as alu­nas se jun­tam e, quan­do há duas de um mes­mo povo, can­tavam jun­tas. E con­hecer tam­bém as cul­turas das meni­nas”, afir­ma.

Para Nar­rary, um dos fatores em que o gov­er­no acer­taria, em ter­mos de ampli­ação da pre­sença de indí­ge­nas no ensi­no supe­ri­or, seria a apos­ta no ensi­no bási­co, jun­to com políti­cas afir­ma­ti­vas, ou seja, cotas que per­mi­tam um maior aces­so a eles. “As esco­las indí­ge­nas são muito precárias. Às vezes, há poucos indí­ge­nas fazen­do a pro­va do Enem porque não se sen­tem capazes. O ensi­no na aldeia não é tão bom assim e aca­ba que muitas pes­soas achavam que os indí­ge­nas eram atrasa­dos. Por causa dis­so, acabam sem quer­er estu­dar, por não se sen­tirem capazes. É por isso que não têm tan­ta rep­re­sen­ta­tivi­dade [nas insti­tu­ições de ensi­no supe­ri­or]”, resume ela.

Edição: Aline Leal

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