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Curta-metragem vai mostrar como ditadura afetou crianças no Brasil

Repro­dução: © Rove­na Rosa/Agência Brasil

Em fase de busca de recursos, projeto já tirou o sono do idealizador


Publicado em 21/04/2024 — 09:46 Por Elaine Patricia Cruz – Repórter da Agência Brasil — São Paulo

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Quan­do esta­va fazen­do pesquisas para o cur­ta de ani­mação que está desen­vol­ven­do, o dire­tor e roteirista Gus­ta­vo Ama­r­al chegou a perder o sono. Foram algu­mas noites intran­quilas, e a razão para isso não foi rela­ciona­da à pro­dução do cur­ta-metragem, mas ao tema. Isso porque o novo pro­je­to de Ama­r­al, chama­do Câm­bio, Desli­go!, que está em fase de cap­tação de recur­sos para desen­volvi­men­to, mostra como a ditadu­ra mil­i­tar brasileira deixou mar­cas vio­len­tas tam­bém nas cri­anças.

São Paulo (SP), 17/04/2024 - Gustavo Amaral é o roteirista e diretor do curta de animação Câmbio, deligo!. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Repro­dução: Gus­ta­vo Ama­r­al, roteirista do cur­ta-metragem — Rove­na Rosa/Agência Brasil

Ele logo iden­ti­fi­cou o sofri­men­to viven­ci­a­do por essas cri­anças com o que pode­ria ser enfrenta­do pelos seus dois fil­hos, de 5 e 8 anos, caso o país ain­da vivesse uma ditadu­ra. E isso o ater­ror­i­zou. “Ele sem­pre con­seguiu dormir a vida inteira, nun­ca perdeu o sono. Daí começou a embar­car nes­sas histórias. E eu acho que foram as úni­cas noites em que ele perdeu o sono”, disse Lia Calder, mul­her de Gus­ta­vo Ama­r­al.

Nas bus­cas sobre o tema, Ama­r­al se deparou com dois livros: Infân­cia Rouba­da – Cri­anças Atingi­das pela Ditadu­ra Mil­i­tar no Brasil, que foi elab­o­ra­do durante os tra­bal­hos da Comis­são da Ver­dade da Assem­bleia Leg­isla­ti­va de São Paulo, e Cativeiro sem Fim: as Histórias dos Bebês, Cri­anças e Ado­les­centes Sequestra­dos Pela Ditadu­ra Mil­i­tar no Brasil, do escritor e jor­nal­ista Eduar­do Reina.

O livro de Reina, jor­nal­ista que tra­bal­ha na Agên­cia Brasil, traz teste­munhos de cer­ca de 40 pes­soas, que foram ouvi­das durante as audiên­cias da Comis­são da Ver­dade e eram cri­anças na época da ditadu­ra. Os relatos são de histórias reais de cri­anças que foram afas­tadas dos pais ou viram os pais serem tor­tu­ra­dos. Há tam­bém casos de cri­anças [inclu­sive bebês] que sofr­eram tor­turas físi­cas e psi­cológ­i­cas prat­i­cadas por mil­itares. Fala tam­bém de seque­stros e desa­parec­i­men­tos força­dos de cri­anças e ado­les­centes que foram prat­i­ca­dos pelos agentes da repressão. Foram ess­es dois livros que embasaram a ideia do filme que Ama­r­al decid­iu rote­i­rizar.

O pro­je­to para o cur­ta, que já con­quis­tou três prêmios impor­tantes no fes­ti­val Ani­markt Stop Motion Forum [even­to ded­i­ca­do para ani­mação em stop motion], na Polô­nia, começou a ser con­ce­bido durante a pan­demia de covid-19. Câm­bio, Desli­go! vai con­tar a história de uma mãe, dos dois fil­hos e do pai, que está desa­pare­ci­do. “O pro­je­to do cur­ta foi o mais pre­mi­a­do da edição de 2023 do fes­ti­val. Rece­beu três prêmios, entre os quais, um de copro­dução com um estú­dio chama­do Wrocław Film Stu­dio, lá da Polô­nia”, con­tou o dire­tor.

O curta

Câm­bio, Desli­go! é um cur­ta de ani­mação em stop motion, com duração pre­vista de 13 min­u­tos. Ele está sendo con­ce­bido em con­jun­to com as pro­du­toras Cas­san­dra Reis e Mar­i­ana Lopes.

Hoje, tra­ta-se de um pro­je­to em desen­volvi­men­to. “Começamos um pouco da pré-pro­dução, porque já ini­ci­amos a pro­dução de um ani­mat­ic, que é o sto­ry­board ani­ma­do. Neste momen­to, o pro­je­to está na fase de finan­cia­men­to para lev­an­tar o recur­so e, final­mente, ini­ciar a pro­dução do filme”, expli­cou Ama­r­al.

O cur­ta-metragem, que começa com uma ambi­en­tação nos­tál­gi­ca dos anos 70, traz uma temáti­ca de abdução aliení­ge­na, com essa família atrav­es­san­do o país. “Eles [a mãe e os fil­hos] saíram do Sul e estão indo para o Norte porque o pai desa­pare­ceu. As cri­anças não têm respostas, pois a mãe não fala [sobre o assun­to]”, con­ta o dire­tor e roteirista.

Um dos fil­hos do casal, Luciano, muito estim­u­la­do pelo pai, era amante de ficção cien­tí­fi­ca e de estu­do do espaço. “Era uma coisa que os conec­ta­va muito. E o Luciano aca­ba, enfim, acred­i­tan­do que o pai dele foi abduzi­do por aliení­ge­nas. E o filme vai se desen­rolan­do até que se desco­bre a ver­dade: eles não foram abduzi­dos por aliení­ge­nas, foram abduzi­dos pelo regime mil­i­tar.”

Segun­do Alen­car, a decisão de ambi­en­tar o cur­ta na época da ditadu­ra mil­i­tar tem o obje­ti­vo de aju­dar o país a não per­mi­tir o esquec­i­men­to de sua história.

“A origem da ideia – e isso pas­sou a ser a mis­são do filme — era divul­gar essa história traumáti­ca. E, de algu­ma maneira, colab­o­rar para que essas coisas não caiam no esquec­i­men­to. Acabamos de sair do aniver­sário do golpe, e o assun­to voltou à tona, mas você pode ter repara­do tam­bém: voltou à tona um dia e, ago­ra, próx­i­mo assun­to”, afir­mou Ama­r­al, que con­sid­era muito triste o país ter pas­sa­do pelo aniver­sário de 60 anos do golpe de uma maneira tão “pouco impac­tante”

Stop motion

 

São Paulo (SP), 17/04/2024 - O roteirista e diretor do filme de animação Câmbio, deligo!, Gustavo Amaral, conversa com as produtoras do curta Cassandra Reis e Mariana Lopes. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Repro­dução: Gus­ta­vo Ama­r­al mostra os bonecos do cur­ta-metragem Câm­bio, Desli­go! às pro­du­toras Cas­san­dra Reis e Mar­i­ana Lopes — Rove­na Rosa/Agência Brasil

stop motion, que será usa­do nesse cur­ta, é uma téc­ni­ca de ani­mação em que que se fil­ma quadro a quadro para sim­u­lar movi­men­to. É uma téc­ni­ca bem arte­sanal. Para cada movi­men­to que o boneco mod­e­la­do pre­cisa faz­er, como abrir a boca para falar uma só palavra, são exigi­das horas de tra­bal­ho. Por ser um proces­so bem tra­bal­hoso, a cada dia, são pro­duzi­dos cer­ca de 4 segun­dos do filme.

O proces­so começa com o desen­ho dos bonecos. Para esse cur­ta, o ilustrador escol­hi­do foi Jef­fer­son Cos­ta, quadrin­ista famoso por tra­bal­hos como RoseiraMedal­haEngen­ho e Jere­mias-Pelé.

Foi com base nos desen­hos feitos por ele, que Cas­san­dra começou a mod­e­lar os bonecos que serão usa­dos na ani­mação. “O stop motion não é o cam­in­ho mais sim­ples de seguir, mas, esteti­ca­mente, é o cam­in­ho que acred­i­ta­mos que pode con­tribuir nar­ra­ti­va­mente para o filme”, disse ela, em entre­vista à Agên­cia Brasil.

Financiamento

Além dos prêmios já rece­bidos, o pro­je­to do cur­ta foi aprova­do pela Lei Rouanet e pelo Pro­gra­ma de Ação Cul­tur­al de fomen­to paulista (Proac). “Tudo ago­ra se encaixou, e a gente pre­cisa lev­an­tar finan­cia­men­to. Porque ago­ra o tra­bal­ho é achar finan­cia­men­to para parte do filme porque, con­seguin­do asse­gu­rar esse finan­cia­men­to, con­segue-se destravar as copro­duções inter­na­cionais.”

“A gente pen­sa em copro­dução porque, no Brasil, o orça­men­to para cur­ta é bem lim­i­ta­do. E esse é um cur­ta um pouco mais ambi­cioso, assim, de orça­men­to”, expli­cou Mar­i­ana. “Com o din­heiro entran­do, a gente pre­vê 20 meses pra realizar o filme”, acres­cen­tou.

O pro­je­to do cur­ta-metragem entra ago­ra na fase de cap­tação, e Cas­san­dra pre­vê algu­mas difi­cul­dades. Prin­ci­pal­mente rela­cionadas ao tema. “É difí­cil faz­er arte, é difí­cil faz­er ani­mação no Brasil. Na fase de cap­tação, acho que a maior difi­cul­dade será encon­trar pes­soas que queiram se implicar em um assun­to tão difí­cil assim.”

Ape­sar dis­so, eles esper­am que o Brasil pos­sa se inspi­rar na exper­iên­cia de país­es viz­in­hos e tam­bém europeus. “Na Europa, tem muito filme que tra­ta a per­spec­ti­va da cri­ança sobre o nazis­mo”, ressaltou a pro­du­to­ra Mar­i­ana Lopes.

Segun­do Gus­ta­vo Ama­r­al, exis­tem out­ros país­es, out­ras cul­turas, out­ras sociedades que revisi­tam seus trau­mas. “E este parece ser o mel­hor cam­in­ho. Não é van­tagem para ninguém não revis­i­tar e não falar sobre isso, por mais doloroso que seja”, acres­cen­tou.

Edição: Nádia Fran­co

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