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Custo com polícias é 4 mil vezes maior do que com egressos

Repro­dução: © José Cruz/Agência Brasil

Modelo de gastos em segurança levam ao encarceramento em massa


Pub­li­ca­do em 20/01/2024 — 09:00 Por Cami­la Boehm – Repórter da Agên­cia Brasil — São Paulo

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No Brasil, o gas­to com polí­cias nos esta­dos é 4 mil vezes maior do que os cus­tos com políti­cas para egres­sos do sis­tema pri­sion­al. Para cada R$ 4.389 gas­tos com poli­ci­a­men­to nos esta­dos, R$ 1.050 são des­ti­na­dos para o sis­tema pen­i­ten­ciário e somente R$ 1 para políti­cas que garan­tam os dire­itos de egres­sos.

Os dados são do estu­do O funil de inves­ti­men­to da segu­rança públi­ca e pri­sion­al no Brasil, do cen­tro de pesquisa Jus­ta, que atua no cam­po da econo­mia políti­ca da justiça, com dados de 12 esta­dos em 2022, que jun­tos somam 68% do total dos orça­men­tos estad­u­ais do país, obti­dos via Lei de Aces­so à Infor­mação.

O lev­an­ta­men­to rev­el­ou que, pro­por­cional­mente, o Rio de Janeiro é o esta­do que mais gas­tou com polí­cias e não investiu nen­hum recur­so em políti­cas para egres­sos do sis­tema pri­sion­al. Em val­ores abso­lu­tos, São Paulo é o esta­do que mais desem­bol­sou ver­ba para poli­ci­a­men­to.

A dire­to­ra-exec­u­ti­va da enti­dade, Luciana Zaf­falon, avalia a urgên­cia de invert­er o atu­al funil de inves­ti­men­tos dos sis­temas de segu­rança públi­ca e crim­i­nal. Ela desta­ca que a des­ti­nação de recur­sos hoje favorece o encar­ce­ra­men­to em mas­sa em pre­juí­zo de políti­cas para rein­serção dos egres­sos na sociedade.

“Os esta­dos gas­tam cada vez mais com o encar­ce­ra­men­to, mas se pre­ocu­pam muito pouco com políti­cas para as pes­soas que cumprem pena e deix­am a prisão. Além dis­so, os recur­sos dis­tribuí­dos para as polí­cias estão con­cen­tra­dos no poli­ci­a­men­to osten­si­vo, real­iza­do pela Polí­cia Mil­i­tar, deixan­do de lado o tra­bal­ho inves­tiga­ti­vo e a pro­dução de provas, real­iza­dos pelas polí­cias civ­il e téc­ni­co-cien­tí­fi­ca”, expli­ca Luciana, em nota.

Destaque da pesquisa, o Rio de Janeiro des­ti­na 10,8% de todo o orça­men­to públi­co para despe­sas com as polí­cias Mil­i­tar e Civ­il. Dos R$ 87,4 bil­hões do orça­men­to total do esta­do em 2022, R$ 9,4 bil­hões foram gas­tos com as polí­cias, sendo a maior fatia, de 80%, o equiv­a­lente a R$ 7,6 bil­hões, com a Polí­cia Mil­i­tar, e o restante, R$ 1,9 bil­hão, com a Polí­cia Civ­il.

Já para o sis­tema pen­i­ten­ciário, o esta­do gas­tou 1,2% do orça­men­to, equiv­a­lente a R$ 1,1 bil­hão, e não des­ti­nou recur­sos a políti­cas exclu­si­vas para egres­sos do sis­tema pri­sion­al. Ain­da que muito infe­ri­or aos gas­tos com polí­cias, o val­or investi­do para man­ter o sis­tema pri­sion­al foi supe­ri­or à soma de todo o orça­men­to des­ti­na­do no esta­do para as áreas de cul­tura, sanea­men­to, orga­ni­za­ção agrária, desporto e laz­er e ciên­cia e tec­nolo­gia, apon­tou o Jus­ta.

Encarceramento em massa

Silhueta de presos em presídio. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
Repro­dução: Foto: Wil­son Dias/Agência Brasil

“Os dados evi­den­ci­am uma pri­or­i­dade de dis­tribuição orça­men­tária em políti­cas que com­pro­vada­mente não dão resul­ta­do e que reforçam o encar­ce­ra­men­to em mas­sa em detri­men­to de políti­cas públi­cas que pode­ri­am mel­ho­rar a qual­i­dade da segu­rança públi­ca, a vida dos egres­sos e de toda a pop­u­lação”, pon­tu­ou Zaf­falon.

Ela reforça a neces­si­dade de se deslo­car recur­sos da por­ta de entra­da para a por­ta de saí­da do sis­tema pri­sion­al, o que con­sid­era aplicar racional­i­dade para a políti­ca crim­i­nal. Entre as ações des­ti­nadas a egres­sos, estão pro­gra­mas de resso­cial­iza­ção, for­mação edu­ca­cional, capac­i­tação profis­sion­al, atendi­men­to social e psi­cológi­co, pro­visão de pos­tos de tra­bal­ho, entre out­ros.

Dos 12 esta­dos, ape­nas Ceará, Tocan­tins, Pará e São Paulo inve­sti­ram em políti­cas exclu­si­vas para egres­sos, mas nen­hum atingiu nem 1% de ver­ba do orça­men­to total do esta­do. Os mon­tantes foram de R$ 143 mil, R$ 672 mil, R$ 3 mil­hões e R$ 9 mil­hões, respec­ti­va­mente.

O lev­an­ta­men­to mostra que o dire­ciona­men­to de recur­sos que pri­or­iza o encar­ce­ra­men­to em mas­sa não ocorre ape­nas no Rio de Janeiro. Em 2022, os 12 esta­dos que fornece­r­am dados para a pesquisa des­ti­naram para políti­cas crim­i­nais o total de R$ 53,2 bil­hões para poli­ci­a­men­to, R$ 12,7 bil­hões para sis­tema pen­i­ten­ciário e R$ 12,1 mil­hões para políti­cas exclu­si­vas para egres­sos.

Quan­do con­tabi­lizadas as ações mis­tas de gov­er­no, que incluem recur­sos des­ti­na­dos a pes­soas pri­vadas de liber­dade e egres­sos, os recur­sos somam R$ 145,6 mil­hões. Ain­da assim, a enti­dade avalia que o val­or é pequeno se com­para­do com os inves­ti­men­tos na polí­cia e sis­tema pen­i­ten­ciário.

Ao con­sid­er­ar todos os esta­dos anal­isa­dos, a maio­r­ia dos gas­tos com polí­cias tam­bém foi des­ti­na­da à Polí­cia Mil­i­tar, que ficou com 66,5% do total de R$ 53,3 bil­hões. A Polí­cia Civ­il rece­beu, desse mon­tante, 22,6% dos recur­sos, o equiv­a­lente a R$ 11,4 bil­hões, enquan­to a Polí­cia Téc­ni­co-Cien­tí­fi­ca e Forense ficou com ape­nas 2,7%, R$ 1,3 bil­hão. Além dis­so, R$ 8,7 bil­hões foram des­ti­na­dos para despe­sas com­par­til­hadas.

O defen­sor Públi­co Diego Pola­chi­ni, do Núcleo de Situ­ação Carcerária da Defen­so­ria Públi­ca de São Paulo, tam­bém avalia que o mod­e­lo de inves­ti­men­to estatal em segu­rança no país é real­iza­do para encar­cer­ar pes­soas. “Isso mostra o fra­cas­so de como a políti­ca é pen­sa­da. O encar­ce­ra­men­to prat­i­ca­do pela Polí­cia Mil­i­tar — órgão com maiores recur­sos rece­bidos — é uma políti­ca de apri­sion­a­men­to de jovens negros pobres”, avalia.

Desigualdade social

Coletiva de Imprensa para apresentar novos equipamentos da Polícia do Estado de São Paulo.
Repro­dução: Câmeras cor­po­rais — Divulgação/Governo do Esta­do de São Paulo

O defen­sor públi­co ressalta que esse mod­e­lo vai no sen­ti­do con­trário de uma políti­ca de maior igual­dade social, e que só agra­va a desigual­dade já insta­l­a­da. “Investe-se numa políti­ca que mata ou prende uma parcela já vul­neráv­el da pop­u­lação”, acres­cen­tou. Ele ressalta que a ausên­cia de políti­cas especí­fi­cas para os egres­sos os deixa ain­da mais suscetíveis a uma nova prisão, dev­i­do ao estig­ma e à fal­ta de opor­tu­nidades na vida fora do cárcere.

“Além de os egres­sos não terem políti­cas voltadas para si, ao serem con­de­na­dos recebem uma mul­ta. Após a sua liber­dade, eles têm uma dívi­da com o Esta­do, lim­i­tan­do os seus dire­itos bási­cos de cidada­nia, como a pos­si­bil­i­dade de votação e difi­cul­dade para a reti­ra­da de doc­u­men­tos. Ou seja, o inves­ti­men­to estatal é volta­do à perseguição da pop­u­lação pre­ta e pobre, não haven­do políti­cas públi­cas em seu favor”, disse.

O inves­ti­men­to na segu­rança públi­ca da for­ma como é real­iza­do pelos esta­dos não impacta de maneira rel­e­vante na diminuição da vio­lên­cia, avaliou Pola­chi­ni, acres­cen­tan­do que há um inves­ti­men­to em poli­ci­a­men­to osten­si­vo e repres­sor e pouco inves­ti­men­to em inves­ti­gação e políti­cas públi­cas mais bené­fi­cas.

Segun­do o defen­sor públi­co, pesquisas indicam que a uti­liza­ção de câmeras cor­po­rais pelos poli­ci­ais reduz­iu o número de mortes cau­sadas pela polí­cia e o número de poli­ci­ais mor­tos. “Uma políti­ca efi­ciente que reduz a vio­lên­cia e de cus­to rel­a­ti­va­mente baixo que não é ampli­a­da”.

“A polí­cia mata cer­ca de 18 pes­soas por dia no Brasil, de acor­do com o Anuário de Segu­rança Públi­ca, indi­can­do que ela é tam­bém uma parte cau­sado­ra do prob­le­ma de segu­rança. Seria pru­dente que um aumen­to ou mes­mo a manutenção dess­es ele­va­dos val­ores viessem asso­ci­a­dos com uma redução da vio­lên­cia e da letal­i­dade poli­cial”, defende.

São Paulo

Viatura da Polícia Militar com câmeras instaladas e conectadas ao sistema de monitoramento Detecta Móvel, no Quartel do Comando Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, em Bom Retiro.
Repro­dução: Viatu­ra da Polí­cia Mil­i­tar com câmeras insta­l­adas e conec­tadas ao sis­tema de mon­i­tora­men­to Detec­ta Móv­el — Foto: Rove­na Rosa/Agência Brasil

Em São Paulo, para cada R$ 1.687 gas­tos com polí­cias, R$ 527 foi gas­to com o sis­tema pen­i­ten­ciário e R$ 1 foi des­ti­na­do a políti­cas exclu­si­vas para egres­sos.

O gov­er­no paulista des­ti­na 4,7% de todo o orça­men­to públi­co para despe­sas com as polí­cias, o equiv­a­lente a R$ 14,7 bil­hões; 1,5% com sis­tema pen­i­ten­ciário, R$ 4,6 bil­hões, e 0,003% com políti­cas exclu­si­vas para egres­sos do sis­tema pri­sion­al, R$ 9 mil­hões. Para as ações mis­tas, que incluem os egres­sos e out­ros recortes, foram R$ 58 mil­hões.

Do total des­ti­na­do às polí­cias, 66,6% ficou com a Polí­cia Mil­i­tar. Para a Polí­cia Civ­il, foram 27,5% do mon­tante e, para a polí­cia téc­ni­co cien­tí­fi­ca, 5,1%. O per­centu­al de 0,8% foi des­ti­na­do a despe­sas com­par­til­hadas entre as polí­cias.

Para base de com­para­ção, o lev­an­ta­men­to iden­ti­fi­cou que a manutenção do sis­tema pri­sion­al super­ou os gas­tos soma­dos do esta­do com as áreas de orga­ni­za­ção agrária, de R$ 102 mil­hões; indús­tria, R$ 112 mil­hões; comu­ni­cações, R$ 105 mil­hões; desporto e laz­er, R$ 399 mil­hões; ener­gia, R$ 202 mil­hões; assistên­cia social, R$ 1,6 bil­hão; cul­tura, R$ 1,2 bil­hão, e tra­bal­ho R$ 505 mil­hões.

Governos

Policiais civis do estado discutem possibilidade de entrar em greve em assembléia no pátio da Cidade da Polícia Civil, na zona norte (Fernando Frazão/Agência Brasil)
Repro­dução: Cidade da Polí­cia Civ­il, na zona norte do Rio de Janeiro — Foto: Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

O gov­er­no do esta­do do Rio de Janeiro infor­mou, em nota, que já investiu mais de R$ 2,5 bil­hões, na atu­al gestão, na segu­rança públi­ca e que somente na Polí­cia Civ­il rece­beu R$ 615 mil­hões, empre­ga­dos em tec­nolo­gia, treina­men­to, novos equipa­men­tos e estru­turas. No últi­mo ano, o esta­do adquir­iu 21.571 câmeras opera­cionais portáteis.

“Em 2022 foi cri­a­da a Agên­cia Cen­tral de Inteligên­cia, que con­cen­tra, em um úni­co pré­dio, setores de inteligên­cia, con­train­teligên­cia, bus­ca eletrôni­ca e inter­cep­tações tele­fôni­cas. O serviço de inteligên­cia da Polí­cia Civ­il foi reforça­do com a inau­gu­ração do Gabi­nete de Coman­do de Oper­ações Poli­ci­ais – um espaço equipa­do com tec­nolo­gia de últi­ma ger­ação para a coor­de­nação de mon­i­tora­men­to e gestão estratég­i­ca”, diz a nota do gov­er­no do esta­do.

O gov­er­no do Rio de Janeiro infor­mou que a Sec­re­taria de Admin­is­tração Pen­i­ten­ciária (Seap) tem ter­mos de coop­er­ação téc­ni­ca volta­dos especi­fi­ca­mente para os egres­sos e que a sec­re­taria vai inve­stir R$ 799 mil em pro­je­tos volta­dos para serviços de atenção à pes­soa egres­sa e mais R$ 712 mil, ori­un­dos do Fun­pen.

Vin­cu­la­da à Seap, a Fun­dação San­ta Cabri­ni teve des­ti­nação orça­men­tária, em 2023, de R$ 55,5 mil­hões, com ver­ba investi­da em pro­gra­mas de qual­i­fi­cação e incen­tivos ao tra­bal­ho, resul­tan­do na for­mação de mais de 1.197 egres­sos e pela rein­te­gração no mer­ca­do de tra­bal­ho de 1.262 profis­sion­ais em cumpri­men­to de pena.

O gov­er­no de São Paulo infor­mou, em nota, que a atu­al gestão man­teve e até ampliou os recur­sos des­ti­na­dos a egres­sos, como foi o caso da ver­ba des­ti­na­da ao tra­bal­ho com pes­soas egres­sas, que aumen­tou de R$ 13,8 mil­hões em 2023 para R$ 15,04 mil­hões na Lei Orça­men­tária de 2024. O gov­er­no desta­cou que o orça­men­to da Sec­re­taria de Admin­is­tração Pen­i­ten­ciária (SAP) é pro­por­cional à pop­u­lação pri­sion­al paulista, hoje esti­ma­da em 197.387 pes­soas.

“Esse tra­bal­ho é feito por meio prin­ci­pal­mente de 59 cen­trais de Atenção ao Egres­so e Família (Caef) espal­hadas pelo esta­do, que real­izam ações voltadas para ori­en­tação e encam­in­hamen­to para pro­gra­mas de capac­i­tação profis­sion­al e ger­ação de tra­bal­ho e ren­da, aquisição ou reg­u­la­men­tação de doc­u­men­tos, apoio psi­cos­so­cial, auxílio jurídi­co e ori­en­tação na retoma­da do proces­so de escolarização/educação”, diz o gov­er­no paulista em nota.

Edição: Fer­nan­do Fra­ga

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