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Delegacias no Rio descumprem parâmetros para reconhecimento

Repro­dução: © Divulgação/DPRJ

Desde março de 2023, 80% dos inquéritos se basearam somente em fotos


Pub­li­ca­do em 26/01/2024 — 06:42 Por Mar­i­ana Tokar­nia – Repórter da Agên­cia Brasil   — Rio de Janeiro

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Relatório inédi­to da Defen­so­ria Públi­ca do Esta­do do Rio de Janeiro (DPRJ) mostra que as del­e­ga­cias de polí­cia estão des­cumprindo a Res­olução 484 do Con­sel­ho Nacional de Justiça (CNJ), que esta­b­elece parâmet­ros para o recon­hec­i­men­to de pes­soas a fim de evi­tar a prisão de inocentes. Os dados divul­ga­dos mostram que dos 109 inquéri­tos poli­ci­ais anal­isa­dos des­de março de 2023, mais de 80% uti­lizaram o recon­hec­i­men­to com base uni­ca­mente em fotos. 

Aprova­da pelo CNJ em 2022, a res­olução esta­b­elece as cin­co eta­pas que devem ser cumpri­das para o recon­hec­i­men­to de pes­soas. Primeiro, deve ser real­iza­da entre­vista prévia com a víti­ma ou teste­munha para a descrição da pes­soa inves­ti­ga­da ou proces­sa­da. Depois, deve-se explicar como se dará o pro­ced­i­men­to.

A ter­ceira eta­pa é o alin­hamen­to de pes­soas ou fotografias padronizadas, a serem apre­sen­tadas à víti­ma ou teste­munha para o recon­hec­i­men­to. A res­olução diz que deve ser pri­or­iza­do nes­sa eta­pa o alin­hamen­to pres­en­cial de pes­soas, sendo as fotografias usadas ape­nas nos casos em que isso não pos­sa ser feito. A quar­ta eta­pa é o reg­istro da respos­ta da víti­ma ou teste­munha e, por fim, o reg­istro do grau de con­venci­men­to de que de fato hou­ve o recon­hec­i­men­to.

O relatório da DPRJ con­sta­tou, no entan­to, que na maior parte dos inquéri­tos poli­ci­ais as fotos foram a úni­ca base para o recon­hec­i­men­to, usa­do em 80,7% dos casos anal­isa­dos.

Segun­do a coor­de­nado­ra de Defe­sa Crim­i­nal da insti­tu­ição, Lucia Hele­na de Oliveira, a res­olução pre­cisa ser cumpri­da para que haja garan­tia mín­i­ma de que não se cometa injustiças, por exem­p­lo, pren­den­do pes­soas inocentes. “A gente pre­cisa que a res­olução seja cumpri­da, que sejam obser­vadas as garan­tias mín­i­mas para o recon­hec­i­men­to. Muitas vezes essas fotografias, por exem­p­lo, extraí­das de álbum de sus­peitos, de redes soci­ais, con­tin­u­am sendo uti­lizadas, a gente pre­cisa inibir essa práti­ca exata­mente para impedir que as injustiças ocor­ram”.

De acor­do com o relatório, o recon­hec­i­men­to por foto foi feito tan­to por meio de um mosaico, por menção a uma foto indi­vid­ual ou atu­al­iza­da do por­tal de segu­rança, quan­to por con­sul­ta a um álbum de fotografias ou por meio de reg­istro de fotos reti­radas de redes soci­ais. “Ness­es casos, por vezes a víti­ma diz que encon­trou a foto na rede social ou rece­beu em um grupo de what­sApp e depois out­ra é mostra­da na del­e­ga­cia. É bem fre­quente que haja menção da testemunha/vítima sobre o fato de terem sido mostradas fotos de pes­soas inves­ti­gadas por prati­carem crimes de for­ma semel­hante na região”, diz o tex­to.

“Quan­do se faz um recon­hec­i­men­to, deve haver uma entre­vista prévia. Nes­sa entre­vista prévia, você solici­ta que a víti­ma ou teste­munha descre­va a pes­soa que está sendo inves­ti­ga­da ou proces­sa­da, você pede que se faça uma autode­clar­ação da cor, da raça”, expli­ca Lúcia, “Não se recomen­da a uti­liza­ção de fotos, de fotos reti­radas de redes soci­ais, não se recomen­da que seja apre­sen­ta­da uma úni­ca foto à víti­ma, que é o que a gente chama de show-up. Então, todo esse con­jun­to ten­ta inibir a injustiça e o erro no recon­hec­i­men­to”, acres­cen­ta.

Poder Judiciário

A coor­de­nado­ra diz ain­da que res­olução é volta­da para o Poder Judi­ciário, porém cabe à Justiça “val­o­rar, jul­gar aque­les recon­hec­i­men­tos que foram feitos em del­e­ga­cias, em juí­zo, val­o­rar a pro­va que foi col­hi­da durante um proces­so crim­i­nal, ou na fase de inquéri­to poli­cial. E o que a gente iden­ti­fi­cou? O que nós iden­ti­fi­camos nos proces­sos anal­isa­dos é que o recon­hec­i­men­to de pes­soas não obe­dece às eta­pas da Res­olução 484, ele ain­da pre­cisa, e muito, ser ajus­ta­do. A gente ain­da não está fazen­do um recon­hec­i­men­to de for­ma que seja isen­to de provo­car erro, ain­da temos muito que cam­in­har”.

Lúcia ressalta que o recon­hec­i­men­to não pode ser a úni­ca pro­va para se dec­re­tar uma prisão, para se con­denar uma pes­soa. De acor­do com ela, o recon­hec­i­men­to pode ser uti­liza­do, mas é pre­ciso ter out­ros ele­men­tos que pos­sam iden­ti­ficar a auto­ria do crime.

“Infe­liz­mente, a gente tem uma real­i­dade de pes­soas que foram pre­sas, que ficaram pre­sas por um tem­po con­sid­eráv­el, aliás um dia já é um tem­po con­sid­eráv­el se é equiv­o­ca­da a prisão. E então a gente tem real­mente notí­cias de pes­soas que ficaram pre­sas equiv­o­cada­mente e, por mais que se pos­sa pen­sar numa pos­si­bil­i­dade de reparação, não se repara o tem­po de prisão de uma pes­soa inocente”, afir­ma.

A res­olução esta­b­elece ain­da que todo o pro­ced­i­men­to de recon­hec­i­men­to deve ser grava­do e disponi­bi­liza­do às partes, haven­do solic­i­tação. Tam­bém é necessária a inves­ti­gação prévia para cole­ta de indí­cios de par­tic­i­pação da pes­soa inves­ti­ga­da no deli­to antes de sub­metê-la a pro­ced­i­men­to de recon­hec­i­men­to e, ain­da, a cole­ta de autode­clar­ação racial dos recon­hece­dores e dos inves­ti­ga­dos ou proces­sa­dos, a fim de per­mi­tir à autori­dade poli­cial e ao juiz a ade­qua­da val­o­ração da pro­va, con­sideran­do o efeito racial cruza­do.

Em 2023, o Rio de Janeiro san­cio­nou lei que impede que o recon­hec­i­men­to fotográ­fi­co seja usa­do como úni­ca pro­va em pedi­dos de prisão de inves­ti­ga­dos. A lei, que tem a res­olução do CNJ como base, foi aprova­da pela Assem­bleia Leg­isla­ti­va do Rio de Janeiro (Alerj) em setem­bro e san­ciona­da em out­ubro.

Polícia Civil

Em nota, a Sec­re­taria de Esta­do de Polí­cia Civ­il (Sepol) infor­mou que não teve aces­so ao relatório cita­do, nem aos 109 inquéri­tos men­ciona­dos e escol­hi­dos para tal pesquisa. A insti­tu­ição afir­ma ain­da que não ori­en­ta a uti­liza­ção, de for­ma exclu­si­va, do recon­hec­i­men­to indi­re­to por fotografia como úni­ca pro­va em inquéri­tos poli­ci­ais ou para pedi­dos de prisão de sus­peitos.

“O recon­hec­i­men­to por fotografias, méto­do aceito por lei, é um instru­men­to impor­tante para o iní­cio de uma inves­ti­gação, mas deve ser cor­rob­o­ra­do por out­ras provas téc­ni­cas e teste­munhais, con­forme pre­vê a Por­taria Sepol que reg­u­la­men­ta a questão, esta­b­ele­cen­do pro­to­co­los para uti­liza­ção e norte­an­do o tra­bal­ho das unidades poli­ci­ais”, diz a nota.

A Polí­cia Civ­il acres­cen­ta que, de março de 2023 até 24 de janeiro de 2024, instau­rou 136.165 inquéri­tos. Destes, 77.433 foram con­cluí­dos e encam­in­hados ao Poder Judi­ciário.

*Matéria alter­a­da às 10h36 para acrésci­mo de infor­mações, com posi­ciona­men­to da Polí­cia Civ­il.

Edição: Graça Adju­to

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