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Desastre de Mariana completa 10 anos e moradores ainda buscam justiça

Após uma década, dor e visão dos escombros estão nítidas

Luiz Clau­dio Fer­reira — Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 05/11/2025 — 07:18
Brasília
Mariana (MG) - Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), atingido pelo rompimento de duas barragens de rejeitos da mineradora Samarco (Antonio Cruz/Agência Brasil)
Repro­dução: © Anto­nio Cruz/ Agên­cia Brasil

Aux­il­iar em um con­sultório odon­tológi­co, Môni­ca San­tos, então com 30 anos, morado­ra do dis­tri­to de Ben­to Rodrigues, em Mar­i­ana (MG), saiu de casa para o tra­bal­ho naque­le dia 5 de novem­bro per­to das 6h da man­hã. Era pre­ciso sair cedo para chegar na hora. Ela não imag­i­na­va que só veria sua casa de novo 24 horas depois cober­ta de lama e que dez anos depois ain­da lutaria por justiça.

Mes­mo pas­sa­do uma déca­da, a dor e a visão dos escom­bros ain­da estão níti­das em sua memória. “É como se estivesse tudo acon­te­cen­do ago­ra”, disse à Agên­cia Brasil a líder comu­nitária. Atual­mente, Môni­ca está desem­pre­ga­da.

Naque­le dia, a bar­ragem do Fundão, oper­a­da pela empre­sa Samar­co, se rompeu liberan­do cer­ca de 40 mil­hões de met­ros cúbi­cos de rejeitos de min­er­ação. O desas­tre matou 19 pes­soas e deixou mais de 600 desabri­gadas. Out­ras comu­nidades afe­tadas foram Para­catu de Baixo, Para­catu de Cima, Pedras, Águas Claras e Camp­inas.

Casa coberta por lama

No caso de Môni­ca, ela recor­da que rece­beu a lig­ação de uma pri­ma naque­la tarde, avisan­do o que havia ocor­ri­do. Deses­per­a­da, bus­cou a mãe no tra­bal­ho e ten­tou ir no cam­in­ho de casa. Pas­sou a tarde e a madru­ga­da na estra­da. O sol apon­ta­va no hor­i­zonte quan­do chegou a um local mais alto e con­seguiu enx­er­gar o que seria a própria casa. “Foi nesse momen­to que a ficha caiu. Eu não tin­ha mais nada”.

Mariana (MG) - Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), atingido pelo rompimento de duas barragens de rejeitos da mineradora Samarco (Antonio Cruz/Agência Brasil)
Repro­dução: Mar­i­ana (MG) — Dis­tri­to de Ben­to Rodrigues, em Mar­i­ana (MG), atingi­do pelo rompi­men­to de duas bar­ra­gens de rejeitos da min­er­ado­ra Samar­co (Anto­nio Cruz/Agência Brasil) — Anto­nio Cruz/ Agên­cia Brasil

Na casa, Môni­ca mora­va ape­nas com a mãe. Segun­do ela, a empre­sa sem­pre deixou muito claro que a comu­nidade pode­ria dormir tran­quil­a­mente, já que a bar­ragem era mon­i­tora­da 24 horas por dia. Môni­ca lamen­ta que, no desas­tre, ten­ha per­di­do cin­co ami­gos muito próx­i­mos.

Atual­mente, ela reside no reassen­ta­men­to da comu­nidade de Novo Ben­to Rodrigues, entregue pela Samar­co. Fica a cer­ca de 13 quilômet­ros da anti­ga comu­nidade. “Mas a nos­sa casa ain­da está cheia de prob­le­mas. A gente não pode falar que foi entregue 100%. Uma vez que ain­da tem casa sendo con­struí­da e ain­da tem morador desabri­ga­do que nem pro­je­to de casa tem”.

A líder comu­nitária diz que é pre­ciso lutar por justiça. “Enquan­to eu tiv­er força, vou lutar para faz­er com que as pes­soas sejam de fato ind­enizadas e resti­tuí­das”. Ela rela­ta que a casa entregue pela Samar­co não está ain­da no nome dos desabri­ga­dos.

A prin­ci­pal esper­ança da líder comu­nitária é ver os con­ter­râ­neos reassen­ta­dos em uma casa, que todas as víti­mas sejam ind­enizadas e que haja respon­s­abi­liza­ção dos envolvi­dos. “Se tivesse acon­te­ci­do a punição, não teria ocor­ri­do a tragé­dia de Bru­mad­in­ho (em janeiro de 2019 e que deixou 272 mor­tos).

Mariana (MG) - Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), atingido pelo rompimento de duas barragens de rejeitos da mineradora Samarco (Antonio Cruz/Agência Brasil)
Repro­dução: Dis­tri­to de Ben­to Rodrigues, em Mar­i­ana (MG), atingi­do pelo rompi­men­to de duas bar­ra­gens de rejeitos da min­er­ado­ra Samar­co — Foto Anto­nio Cruz/ Agên­cia Brasil

“Projetos antidemocráticos”

Para Már­cio Zon­ta, inte­grante da direção nacional do Movi­men­to pela Sobera­nia Pop­u­lar na Min­er­ação, o desas­tre é um reflexo de como as decisões min­erárias não estão lig­adas à pop­u­lação.

“São pro­je­tos anti­democráti­cos em que as empre­sas não lev­am em con­sid­er­ação as orga­ni­za­ções e pop­u­lações”, avaliou. Ele entende que não há, em ger­al, um nív­el de reparação mín­i­mo ao sofri­men­to das pes­soas e que não existe um pro­je­to nacional de min­er­ação para o Brasil.

O Brasil tem 916 bar­ra­gens, sendo que 74 delas teri­am maior risco de colap­so e 91 estão em situ­ação de aler­ta. O ativista entende que desas­tres como esse ain­da podem se repe­tir, par­tic­u­lar­mente em Minas Gerais (onde há 31 bar­ra­gens). “É onde a Vale ini­ciou o que ela chama de Sis­tema Sul de Min­er­ação.

Mariana (MG) - barragem pertencente à mineradora Samarco se rompeu no distrito de Bento Rodrigues, zona rural a 23 quilômetros de Mariana, em Minas Gerais (Corpo de Bombeiros/MG - Divulgação)
Repro­dução: Bar­ragem da min­er­ado­ra Samar­co se rompeu no dis­tri­to de Ben­to Rodrigues, zona rur­al a 23 quilômet­ros de Mar­i­ana, em Minas Gerais — Foto Cor­po de Bombeiros/MG — Divul­gação

O Sis­tema Norte está na Amazô­nia e o Sis­tema Sul é ini­ci­a­do em Itabi­ra”. Zon­ta pon­dera que os episó­dios de Mar­i­ana e Bru­mad­in­ho tam­bém rep­re­sen­tam o colap­so do sis­tema sul de min­er­ação da Vale.

Caminhos da Reportagem

Nes­ta sem­ana, o pro­gra­ma Cam­in­hos da Reportagem, da TV Brasil, inti­t­u­la­do “Lágri­mas de fer­ro” rev­el­ou, em 53 min­u­tos de duração, a luta por justiça dos moradores da região.

O  pro­mo­tor de justiça Guil­herme de Sá Meneguin, do Min­istério Públi­co de Minas Gerais, desta­cou, por exem­p­lo, que o rompi­men­to atingiu 3 mil­hões de pes­soas em Minas Gerais e no Espíri­to San­to.

“Afe­tou o meio ambi­ente, matou pes­soas, destru­iu econo­mias. Eu diria que, mais do que um crime ambi­en­tal, foi uma grave vio­lação dos dire­itos humanos, que foi se per­pet­uan­do ao lon­go do tem­po”, disse.

Tam­bém para o Cam­in­hos da Reportagem, o super­in­ten­dente exec­u­ti­vo da Agên­cia Nacional de Min­er­ação, Júlio César Rodrigues, con­sid­era que a reg­u­la­men­tação das bar­ra­gens de min­er­ação avançou mais do que a de pil­has. “A políti­ca nacional de segu­rança de bar­ra­gens já foi alter­a­da. A gente tem hoje uma políti­ca bas­tante robus­ta para bar­ra­gens. Isso não se repete ain­da em pil­has”, avaliou.

Indenizações

À Agên­cia Brasil, a empre­sa infor­mou que, des­de 2015, foram des­ti­na­dos R$ 68,4 bil­hões para as ações de reparação e com­pen­sação. Nesse val­or, estão R$ 32,1 bil­hões pagos em 735 mil acor­dos de ind­eniza­ção indi­vid­ual.

A empre­sa defende que ess­es recur­sos “têm trans­for­ma­do a real­i­dade econômi­ca da bacia, estim­u­lan­do o comér­cio, for­t­ale­cen­do cadeias pro­du­ti­vas e geran­do empre­gos”.

BENTO, OBRA, REASSENTAMENTO, RENOVA, RODRIGUES
Repro­dução: Obras de recu­per­ação no Dis­tri­to de Ben­to Rodrigues, em Mar­i­ana (MG) — Foto Divulgação/Fundação Ren­o­va

O agricul­tor Fran­cis­co de Paula Felipe tem esper­ança que tudo mel­hore na nova mora­dia. “Tem dois meses que eu con­segui mudar para a min­ha casa aqui no assen­ta­men­to novo. A gente rece­beu parte da ind­eniza­ção no começo. Parte está na Justiça ain­da para ser resolvi­da. Não foi fácil a gente viv­er ess­es dez anos”, disse.

Ele espera ter saúde para encar­ar a vida. “Acabar de ter­mi­nar de cri­ar min­has duas fil­has, ver elas estu­darem e con­seguir tomar o rumo da vida delas”, afir­ma.

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