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Desastre em Maceió motiva cineastas a produzir novos filmes

Repro­dução: © Luiza Leal / Divul­gação

Bairros evacuados foram usados como locação para contar histórias


Pub­li­ca­do em 16/12/2023 — 07:14 Por Luiz Clau­dio Fer­reira — Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

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A cena pare­cia saí­da de um pesade­lo. Chão afun­dan­do, imóveis com rachaduras e deses­pero espal­ha­do por moradores de cin­co bair­ros de Maceió. Não era ficção, trata­va-se de um mis­tério real. Mas não havia tem­po a perder naque­le 3 de março de 2018, quan­do Octávio Lemos resolveu tirar às pres­sas a família de uma casa do Pin­heiro, a primeira comu­nidade afe­ta­da. Ele pre­cisou con­vencer a avó de 92 anos de que era pre­ciso sair rápi­do de casa. Resolvi­do o prob­le­ma famil­iar ime­di­a­to, o jovem cineas­ta alagoano esta­va cer­to de que era urgente começar a fil­mar. O desas­tre só esta­va começan­do.

Como ele, pro­du­tores do audio­vi­su­al em Alagoas enten­der­am que, diante do desas­tre ness­es últi­mos cin­co anos, as câmeras lig­adas pode­ri­am ser ali­adas para denun­ciar o que ocor­ria.

Segun­do pesquisadores do Serviço Geológi­co do Brasil, a extração min­er­al de sal-gema, real­iza­da pela petro­quími­ca Braskem, seria respon­sáv­el pelos danos à região. Cientes da tragé­dia anun­ci­a­da, os cineas­tas ten­tam, des­de 2018, evi­tar o apaga­men­to da memória e sen­si­bi­lizar o país para histórias de mil­hares de pes­soas.

Longa

Octávio Lemos é um dos real­izadores do doc­u­men­tário “Histórias do Sub­so­lo”, que está em fase final na pro­dução. A ideia é que o lon­ga seja exibido em TV e tam­bém disponi­bi­liza­do em platafor­ma de stream­ing no ano que vem.

“Des­de 2018, esta­mos acom­pan­han­do alguns per­son­agens. É uma tragé­dia anun­ci­a­da há muitos anos e essa é a história que o nos­so filme con­ta”. O dire­tor expli­ca que o filme abor­da a imple­men­tação de explo­ração da petro­quími­ca Sal­ge­ma na déca­da de 1970, durante a ditadu­ra mil­i­tar.

Afundamento do solo em Maceió virou filme, produzido por cineastas vítimas do desastre da Braskem. Foto: Luiza Leal / Divulgação
Repro­dução: Doc­u­men­tários e obras de ficção trazem histórias inspi­radas pelo desas­tre provo­ca­do por minas de extração de sal-gema da Braskem. Foto: Luiza Leal / Divul­gação

Acervo

Até ago­ra, o dire­tor da obra cal­cu­la haver mais de 100 horas de ima­gens. “Esta­mos cer­tos de que hou­ve uma ten­ta­ti­va de apa­gar e silen­ciar as denún­cias”.

O que mais impactou o cineas­ta foi jus­ta­mente as histórias dos moradores. “Sobre­tu­do as pes­soas mais pobres que moravam lá nes­sa região, como na encos­ta do bair­ro do Mutange. O que eu ten­ho con­hec­i­men­to é que foram reg­istra­dos 15 casos de suicí­dio dire­ta­mente lig­a­dos a esse caso”. Além do filme pro­gra­ma­do para o ano que vem, o pro­je­to con­ta com um site que detal­ha o crime ambi­en­tal. Con­fi­ra dados da pesquisa no site Histórias do Sub­so­lo (https://historiasdosubsolo.org/).

A dor na casa

Em vez de um doc­u­men­tário, a cineas­ta Luíza Leal da Cun­ha optou por uma ficção inspi­ra­da nos fatos acon­te­ci­dos na viz­in­hança do bair­ro dela, o Pin­heiro.

O filme Rachadu­ra con­ta a história de uma mul­her que vive a per­da de uma com­pan­heira com quem era casa­da e morado­ra do Pin­heiro. “Essa mul­her tem uma lig­ação muito forte com essa casa. E, em uma noite, ela tem um pesade­lo com tremores”. No dia seguinte, ela vê uma crat­era gigan­tesca na frente de casa. O filme deve estar pron­to no ano que vem.

Des­de os primeiros tremores, Luíza real­iza pesquisas no Pin­heiro. “Perce­bi que o caso vem afe­tan­do a vida pes­soal e a saúde men­tal dessas pes­soas. E isso me inspirou a pen­sar uma história de ficção que pudesse tocar out­ras pes­soas”.

Fuga

O cineas­ta Hen­rique Cav­al­can­ti, de 33 anos, nasci­do e cri­a­do no bair­ro do Pin­heiro, resolveu tam­bém se inspi­rar no desas­tre para con­ce­ber uma ficção, o cur­ta “Rota de Fuga”. As locações foram na região ameaça­da.

“Quan­do a gente acabou de gravar algu­mas cenas, acon­te­ceu esse novo tremor que des­en­cadeou uma nova onda de con­se­quên­cias, que foi o aba­lo da Mina 18 (em 10 de dezem­bro). O filme foi 100% roda­do nos bair­ros afe­ta­dos pelo crime ambi­en­tal da Braskem”.

A prin­ci­pal locação fica­va no Pin­heiro, bair­ro sím­bo­lo da tragé­dia. O cur­ta con­ta a história da relação de um fil­ho com um pai, que sofre do Mal de Alzheimer, e que vê a vida impacta­da por um desas­tre ambi­en­tal.

“O filme mostra uma remoção força­da de casa e os prob­le­mas emo­cionais cau­sa­dos pela real­i­dade. A gente acabou de gravar e o cur­ta terá 22 min­u­tos”. A pre­visão de lança­men­to é até mea­d­os de 2024. O filme tem mis­tu­ra de ficção com real­i­dade, mas muito basea­do em histórias que a gente teve con­ta­to.

Desastre em Maceió inspira cineastas a produzir documentário e ficção. Foto: Andréa Guido / Divulgação
Repro­dução: A fotó­grafa Andréa Gui­do ain­da não pre­cisou sair de casa, mas reg­istrou a indig­nação das famílias removi­das. Foto: Andréa Gui­do / Divul­gação

Entre as pes­soas con­sul­tadas, a fotó­grafa Andréa Gui­do atu­ou como con­sul­to­ra do filme. “Tem rua que eu não con­si­go mais recon­hecer. O bair­ro está com­ple­ta­mente descon­fig­u­ra­do. Eu não con­si­go recon­hecer a rua que mor­ei. A Andréa nos aju­dou muito porque con­hece o lugar em detal­h­es”.

Detalhes doloridos

Inclu­sive, foi ini­cial­mente o tremor de 2018 que Andréa, rad­i­ca­da em Maceió, a se aven­tu­rar com a máquina em pun­ho. Mes­mo pas­sa­dos cin­co anos, ela se emo­ciona com as casas destruí­das ou mes­mo com os tapumes que descon­fig­u­raram o que antes era vida nor­mal.

Ela e a família são morado­ras do bair­ro do Pin­heiro e ain­da não tiver­am que sair do aparta­men­to em que vivem. Do out­ro lado da sua, os viz­in­hos tiver­am que sair. “Como morado­ra, eu me sen­ti na obri­gação de fotogra­far e reg­is­trar a indig­nação das pes­soas. O que me moti­va até hoje é faz­er com que essa história ten­ha um reg­istro”.

Às vezes, a fotó­grafa tem difi­cul­dades de dis­parar a máquina. Cada esquina fala dire­to ao coração dela. “A min­ha fil­ha tem 28 anos. Ela nasceu e cresceu aqui no Pin­heiro. Todos os pré­dios foram demoli­dos. Inclu­sive a igre­ja em que foi bati­za­da, o mer­cad­in­ho, o lugar que ven­dia o chur­ras­co ou que ven­dia a tapi­o­ca, para onde a gente ia depois da esco­la. Todos ess­es locais que fazem parte da nos­sa memória afe­ti­va”.

As fotos trans­for­maram-se em exposições, mas há tan­to mate­r­i­al que deve ren­der mais con­teú­do inédi­to. Ela ain­da pre­tende pub­licar um livro.

Foto de família

Out­ro tra­bal­ho sen­sív­el de inves­ti­gação fotográ­fi­ca começou em 2020 e foi um pro­je­to do artista visu­al Paulo Acci­oly. Ele criou o “A gente foi feliz por aqui”, que bus­ca­va reg­is­trar famílias que ain­da moravam no bair­ro, mas estavam prestes a sair.

“Eu fotografa­va e cola­va a foto da família nos muros das casas que seri­am der­rubadas. O pro­je­to era deixar as famílias ali pre­sentes, na casa deles, até o últi­mo momen­to pos­sív­el”.

Braskem

A Braskem, por inter­mé­dio de sua pági­na na inter­net, ale­ga que imple­men­tou “medi­das amplas e ade­quadas para mit­i­gar, com­pen­sar ou reparar impactos do afun­da­men­to do solo” nos cin­co bair­ros atingi­dos. “Ao lon­go dos últi­mos 4 anos, os moradores das áreas de des­ocu­pação mapeadas pela Defe­sa Civ­il foram realo­ca­dos de for­ma pre­ven­ti­va e ind­eniza­dos. Os últi­mos 23 imóveis ocu­pa­dos foram des­ocu­pa­dos pela Defe­sa Civ­il, por deter­mi­nação judi­cial”.

A empre­sa acres­cen­ta que tem acor­dos com autori­dades para a realo­cação pre­ven­ti­va e com­pen­sação finan­ceira das famílias; apoio psi­cológi­co; ações urbanís­ti­cas e ambi­en­tais. “Até o momen­to, R$ 14,4 bil­hões foram pro­vi­sion­a­dos e R$ 9,2 bil­hões já foram desem­bol­sa­dos com as ações ado­tadas em Alagoas, incluin­do ind­eniza­ções e medi­das socioam­bi­en­tais e econômi­cas”.

Edição: Marce­lo Brandão

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