...
quarta-feira ,11 dezembro 2024
Home / Direitos Humanos / Desigualdade de acesso aos direitos humanos começa no nascimento

Desigualdade de acesso aos direitos humanos começa no nascimento

Repro­dução: © Rove­na Rosa/Agência Brasil

Especialistas avaliam que declaração da ONU é carta de princípios


Pub­li­ca­do em 10/12/2023 — 09:30 Por Ake­mi Nita­hara — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

ouvir:

A Declar­ação Uni­ver­sal dos Dire­itos Humanos com­ple­ta 75 anos neste domin­go (10) e desta­ca as cri­anças como deten­toras do dire­ito a “cuida­dos e assistên­cia espe­ci­ais”, como expres­so no próprio tex­to, em seu Arti­go 25. Porém, já ao nascer, elas são alvo de desigual­dades que influ­en­cia­rão em toda a tra­jetória de suas vidas.

A dire­to­ra do Cen­tro Inter­na­cional de Estu­dos e Pesquisa sobre a Infân­cia (Ciespi) da PUC-Rio, Irene Rizzi­ni, desta­ca que a declar­ação afir­ma que todas as pes­soas devem ter capaci­dade de gozar dos dire­itos pre­vis­tos no tex­to, como diz o Arti­go 2, “sem dis­tinção de qual­quer espé­cie, seja de raça, cor, sexo, lín­gua, religião, opinião políti­ca ou de out­ra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nasci­men­to, ou qual­quer out­ra condição”. Entre­tan­to, isso não ocorre nem mes­mo nas primeiras horas de vida.

“Ao nascer, a cri­ança pre­cisa ser muito bem cuida­da, porque ela nasce com muitos poten­ci­ais. Mas para atin­gir ess­es poten­ci­ais, pre­cisa com­er bem, pre­cisa de afe­to, de cuida­dos, ela pre­cisa se sen­tir pro­te­gi­da, se sen­tir segu­ra, né? O din­heiro é impor­tante para asse­gu­rar que ela ten­ha uma casa, que nes­sa casa ela ten­ha ali­men­tação para o cor­po desen­volver, para o cére­bro desen­volver”, diz Rizzi­ni.

De acor­do com Rizzi­ni, que tam­bém é pro­fes­so­ra do Depar­ta­men­to de Serviço Social da PUC, há uma impressão de que ape­nas os mais neces­si­ta­dos pre­cisam ter os dire­itos expres­sos, quan­do, segun­do a dire­to­ra, a respon­s­abil­i­dade é com­par­til­ha­da por toda a sociedade.

“Há uma dis­torção muito grande sobre isso no próprio entendi­men­to dos dire­itos. É como se só aque­les que são mais pobres e que têm seus dire­itos mais clara­mente vio­la­dos pre­cisas­sem dess­es dire­itos. Não é isso que a Declar­ação Uni­ver­sal diz. A nos­sa desigual­dade mostra a nos­sa ignorân­cia em relação à pos­si­bil­i­dade de com­par­til­har e viv­er em sociedade”, expli­ca.

Crianças

Quan­to à infân­cia, especi­fi­ca­mente, a pro­fes­so­ra relem­bra que a primeira Declar­ação dos Dire­itos da Cri­ança é de 1924, e que os estatu­tos das agên­cias espe­cial­izadas colo­cam que “a humanidade deve à cri­ança o mel­hor de seus esforços”. Enquan­to no Brasil, a leg­is­lação ain­da crim­i­nal­iza­va as cri­anças pobres, com o Códi­go de Menores de 1927.

“Três anos depois da Declar­ação Uni­ver­sal de Dire­itos da Cri­ança, o Brasil ain­da esta­va no minoris­mo, né? A cri­ança enquan­to menor aban­don­a­do e delin­quente. Nós pre­cisamos sair dos anos de ditadu­ra mil­i­tar, voltar toda a dis­cussão de uma nova Con­sti­tu­ição, com uma mil­itân­cia muito forte em relação à pop­u­lação infan­til e ado­les­cente. Prin­ci­pal­mente porque nós tín­hamos ain­da grandes orfanatos lota­dos de cri­anças que não eram órfãs, eram ape­nas pobres e vis­tas como menores. Essa vira­da só foi acon­te­cer, mar­cada­mente, com a aprovação do Estatu­to da Cri­ança e do Ado­les­cente”.

Rizzi­ni desta­ca que o Estatu­to da Cri­ança e do Ado­les­cente (ECA), de jul­ho de 1990, só foi aprova­do após a Declar­ação dos Dire­itos da Cri­ança, procla­ma­do pela ONU em 1989, e da Con­sti­tu­ição Fed­er­al de 1988, que pre­via a cri­ança e o ado­les­cente como sujeitos de dire­itos, em seu Arti­go 227, além de incluir a respon­s­abil­i­dade da família, da sociedade e do Esta­do pelo bem-estar deles.

“Esse é o grande salto do ECA e dos anos 80, de diz­er ‘não vamos cul­pa­bi­lizar a família’. Se essa família não está con­seguin­do prover tudo que aque­la cri­ança pre­cisa, ela tam­bém pre­cisa ser cuida­da, ela pre­cisa ter tra­bal­ho, ter uma mora­dia digna. Ela não pode ficar todos os dias pre­ocu­pa­da se a casa vai cair, se aman­hã não tem comi­da na mesa. Esse tipo de coisa é respon­s­abil­i­dade do Esta­do”.

Ela desta­ca o avanço leg­isla­ti­vo do Brasil com a aprovação, em 2016, do Mar­co Legal da Primeira Infân­cia, que deter­mi­na atenção espe­cial aos primeiros anos de vida.

“É uma coisa muito nova, em que o Brasil começa a diz­er que as cri­anças, quan­do são pequenin­in­has, se elas não tiver­am um bom começo de vida, se elas não se ali­menta­rem, não pud­erem ter aces­so à saúde, à edu­cação, vai ficar mais difí­cil para elas. Isso é políti­ca públi­ca pen­san­do tam­bém no futuro do país. Nós esta­mos falan­do em trans­fer­ên­cia de ren­dam, em redis­tribuição de ren­da que pre­cisa ser fei­ta nesse país”, expli­ca.

Porém, mes­mo com tan­tas declar­ações e leis deter­mi­nan­do o aces­so aos dire­itos mín­i­mos para cada pes­soa viv­er dig­na­mente, nem todos con­seguem aces­sar questões bási­cas como ali­men­tação e água potáv­el. Para a defen­so­ra públi­ca Andréa Sepúlve­da, os dire­itos no papel são impor­tantes para que se pos­sa exi­gir, até mes­mo na Justiça, que eles sejam cumpri­dos.

“Eu falo que os dire­itos são como super­poderes, porque eles são instru­men­tos. Se eles fos­sem total­mente imple­men­ta­dos, a gente teria a sociedade ide­al. Mas a gente vive em sociedade onde tudo se rela­ciona a poder, então quan­to mais poder um deter­mi­na­do grupo tem na sociedade, mais os dire­itos daque­las pes­soas são asse­gu­ra­dos. As pes­soas que estão viven­do na pobreza, que não têm o poder políti­co ou econômi­co, não con­seguem virar essa chave. Por isso é muito impor­tante que a gente ten­ha movi­men­tos soci­ais, que a gente ten­ha edu­cação para a políti­ca, para os dire­itos, para que as pes­soas saibam que elas podem lutar pelos seus dire­itos”, defende.

Conferência

Irene Rizzi­ni desta­ca a par­tic­i­pação dos jovens e cri­anças na elab­o­ração das políti­cas públi­cas. Em abril, será real­iza­da em Brasília a 12ª Con­fer­ên­cia Nacional dos Dire­itos da Cri­ança e do Ado­les­cente, orga­ni­za­da pelo Con­sel­ho Nacional dos Dire­itos da Cri­ança e do Ado­les­cente (Conan­da).

“Em todo o municí­pio tem um con­sel­ho, e tem uma con­fer­ên­cia livre, onde as cri­anças podem inclu­sive orga­ni­zar sua con­fer­ên­cia. Depois tem as con­fer­ên­cias munic­i­pais que vão dis­cu­tir o que as cri­anças acham que é impor­tante incluir. E aí são eleitos del­e­ga­dos, os rep­re­sen­tantes de cada esta­do que vão estar em Brasília. Vai estar lota­do, são cen­te­nas de cri­anças e ado­les­centes que par­tic­i­pam com adul­tos, é uma coisa muito lin­da, que dá mui­ta esper­ança pra gente, ape­sar dos imen­sos desafios desse país”, disse.

Podcast

Para mar­car os 75 anos da Declar­ação dos Dire­itos Humanos, a Radi­ogên­cia Nacional lançou neste domin­go o pod­cast Cri­anças Sabidas. Neste primeiro episó­dio da pro­dução, que vai traz­er o for­ma­to jor­nalís­ti­co volta­do para o públi­co infan­til, o tema é a declar­ação.

Com pro­dução e roteiro da jor­nal­ista da Agên­cia Brasil Ake­mi Nita­hara, que é auto­ra da série de livros infan­tis Nao­mi e Ani­ta, o pod­cast expli­ca de uma for­ma lúdi­ca e com lin­guagem acessív­el para as cri­anças o que são os dire­itos humanos e os arti­gos da declar­ação. A meni­na Maria Eduar­da, de 8 anos de idade, neta da jor­nal­ista da Empre­sa Brasil de Comu­ni­cação (EBC) Beat­riz Arcoverde, par­tic­i­pa da locução do pod­cast.

O tra­bal­ho vem con­sol­i­dar o for­ma­to de pod­cast no jor­nal­is­mo da EBC, ino­van­do com a lin­guagem des­ti­na­da ao públi­co infan­til. Cri­anças Sabidas está disponív­el na pági­na da Radioagên­cia Nacional, nos tocadores de áudio e com inter­pre­tação em Libras no Youtube.

Edição: Fer­nan­do Fra­ga

LOGO AG BRASIL

Você pode Gostar de:

Governo deve implantar seis unidades para atender mulher indígena

Casas serão construídas conforme cada bioma do país Daniel­la Almei­da — Repórter da Agên­cia Brasil …