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Desigualdades e estigmas prolongam pandemia de Aids

Repro­dução: © Arquivo/Marcelo Camargo/Agência Brasil

Relatório do Unaids marca Dia Mundial de Luta contra a doença


Pub­li­ca­do em 01/12/2022 — 06:11 Por Vini­cius Lis­boa — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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Atin­gir o com­pro­mis­so glob­al de encer­rar a pan­demia de aids até 2030 pas­sa pelo com­bate às desigual­dades e estig­mas que acom­pan­ham essa emergên­cia de saúde públi­ca des­de o seu surg­i­men­to, há 41 anos, desta­ca o relatório Desigual­dades Perigosas, divul­ga­do esta sem­ana pelo Pro­gra­ma das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) para mar­car o Dia Mundi­al de Luta Con­tra a Aids, cel­e­bra­do hoje (1°). Espe­cial­is­tas e ativis­tas reforçam que, mes­mo com o avanço dos medica­men­tos disponíveis, a dis­crim­i­nação con­tra gru­pos vul­neráves e pes­soas que vivem com HIV reduz o aces­so à saúde, impede o diag­nós­ti­co pre­coce e causa mortes por aids que pode­ri­am ser evi­tadas com trata­men­to.

Em men­sagem divul­ga­da para mar­car a data de com­bate à doença, o secretário-ger­al das Nações Unidas, António Guter­res, aler­tou que o mun­do ain­da está dis­tante de elim­i­nar a Aids até 2030 e afir­mou que as desigual­dades per­pet­u­am a pan­demia da doença.

“São necessárias mel­hores leg­is­lações e a implan­tação de políti­cas e práti­cas voltadas para elim­i­nar o estig­ma e a dis­crim­i­nação que afe­tam as pes­soas que vivem com HIV, sobre­tu­do aque­las em situ­ação de vul­ner­a­bil­i­dade. Todas as pes­soas têm o dire­ito de ser respeitadas e incluí­das”, disse.

Segun­do o Unaids, 38,4 mil­hões de pes­soas vivi­am com HIV em todo o mun­do em 2021. Esse número é maior que a pop­u­lação do Canadá ou que a soma de todos os habi­tantes dos esta­dos do Rio de Janeiro e Minas Gerais. No Brasil, o número de pes­soas viven­do com HIV pas­sa­va de 900 mil no ano pas­sa­do, de acor­do com o Min­istério da Saúde, e, desse total, cer­ca de 77% tratavam a infecção com anti­retro­vi­rais. A efe­tivi­dade do trata­men­to disponív­el gra­tuita­mente no país é reit­er­a­da pelo per­centu­al de 94% de pes­soas com car­ga viral inde­tec­táv­el entre as que fazem uso dos medica­men­tos con­tra o HIV. Quan­do o paciente em trata­men­to atinge esse nív­el de car­ga viral, ele deixa de trans­mi­tir o HIV em relações sex­u­ais.

Des­de o iní­cio da pan­demia de Aids, em 1980, até dezem­bro de 2020, o Brasil já teve mais de 1 mil­hão de casos da doença, que causaram 360 mil mortes. A taxa de detecção vem cain­do no Brasil des­de o ano de 2012, quan­do hou­ve 22 casos para cada 100 mil habi­tantes. Em 2020, essa pro­porção havia chega­do a 14,1 por 100 mil, o que tam­bém pode estar rela­ciona­do à sub­no­ti­fi­cação cau­sa­da pela pan­demia de covid-19.

HIV ou Aids?

O vírus da imun­od­efi­ciên­cia humana (HIV) é um agente infec­cioso que pode entrar no cor­po humano por meio do sexo vagi­nal, oral e anal sem camis­in­ha; por meio do uso de seringas e out­ros obje­tos cor­tantes ou per­furantes con­t­a­m­i­na­dos; pela trans­fusão de sangue con­t­a­m­i­na­do; e da mãe infec­ta­da para seu fil­ho durante a gravidez, o par­to e a ama­men­tação, se não for real­iza­do o trata­men­to pre­ven­ti­vo. Quan­do se insta­la no cor­po humano, esse vírus tem um tem­po pro­lon­ga­do de incubação, que pode durar vários anos, e sua ativi­dade ata­ca o sis­tema imunológi­co, respon­sáv­el por defend­er o organ­is­mo. Se essa infecção não for detec­ta­da e con­tro­la­da a tem­po com o uso de antir­retro­vi­rais, o HIV pode enfraque­cer as defe­sas do cor­po humano a pon­to de causar a Sín­drome da Imun­od­efi­ciên­cia Humana (aids). Por­tan­to, a sigla HIV se ref­ere ao vírus, e a sigla Aids, à doença cau­sa­da pelo agrava­men­to da infecção pelo HIV.

O uso de preser­v­a­tivos mas­culi­nos e fem­i­ni­nos e gel lubri­f­i­cante estão entre as prin­ci­pais ações pre­ven­ti­vas con­tra o HIV. Tam­bém já estão disponíveis a Pro­fi­lax­ia Pré-Exposição (PrEP), que con­siste no uso de antir­retro­vi­rais para pre­venir a infecção caso a pes­soa ven­ha a ser expos­ta ao vírus, e a Pro­fi­lax­ia Pós-Exposição (PEP), que pode impedir a infecção caso seja admin­istra­da até 72 horas após a exposição. Mes­mo no caso de haver uso dessas pro­fi­lax­i­as, a camis­in­ha con­tin­ua impor­tante, pois previne tam­bém out­ras infecções sex­ual­mente trans­mis­síveis, como a sífil­is e as hepatites virais.

Ao menos 30 dias após uma pos­sív­el exposição ao HIV, é fun­da­men­tal faz­er um teste para a detecção do vírus, exame que pode ser real­iza­do em unidades da rede públi­ca e nos cen­tros de Testagem e Acon­sel­hamen­to (CTA). O diag­nós­ti­co pre­coce da infecção e o iní­cio rápi­do do trata­men­to pro­tegem o sis­tema imunológi­co da pes­soa infec­ta­da, já que esse será o alvo do HIV quan­do a car­ga viral aumen­tar.

Dire­tor médi­co asso­ci­a­do de HIV da GSK/ViiV Health­care, Rodri­go Zil­li expli­ca que os anti­retro­vi­rais usa­dos hoje para o trata­men­to das pes­soas que vivem com HIV são menos tóx­i­cos para o cor­po humano, causam menos efeitos colat­erais e são admin­istra­dos em quan­ti­dade bem menor de com­prim­i­dos. A far­ma­cêu­ti­ca é a fornece­do­ra do Dolute­gravir e out­ros medica­men­tos usa­dos no Sis­tema Úni­co de Saúde (SUS) para com­bat­er o vírus. Des­de 1996, o Brasil dis­tribui gra­tuita­mente os antir­retro­vi­rais a todas as pes­soas que vivem com HIV e neces­si­tam de trata­men­to, con­tan­do atual­mente com 22 medica­men­tos em 38 apre­sen­tações far­ma­cêu­ti­cas difer­entes.

“O trata­men­to hoje é muito menos tóx­i­co. Nem se usa mais a palavra coque­tel, porque não é um con­jun­to enorme de remé­dios como se tin­ha antiga­mente. E, se a pes­soa desco­bre o HIV a tem­po de não ter desen­volvi­do a imun­od­efi­ciên­cia, ela tem chance muito grande de ter uma vida total­mente nor­mal toman­do remé­dios diari­a­mente”, afir­ma o infec­tol­o­gista. Ele reforça que a pes­soa com HIV pode ter expec­ta­ti­va de vida até maior do que pes­soas que não foram infec­tadas pelo vírus. “Essa pes­soa que está em trata­men­to está acom­pan­han­do todas as doenças prati­ca­mente. Então, ela faz check-ups per­iódi­cos, faz exam­es per­iódi­cos, tem acon­sel­hamen­to para man­ter um esti­lo de vida saudáv­el, e aca­ba poden­do ter uma vida mais saudáv­el do que alguém que não tem HIV e não faz acom­pan­hamen­to médi­co”.

Mes­mo com ess­es avanços no trata­men­to con­tra o HIV e a disponi­bil­i­dade gra­tui­ta dos medica­men­tos, o aces­so à saúde ain­da é mar­ca­do por desigual­dades, pon­dera Zil­li. “Por mais que se ten­ha um pro­gra­ma 100% públi­co, o aces­so à infor­mação e aos serviços não é total­mente igual­itário”, lem­bra o infec­tol­o­gista.

Questões sociais

O coor­de­nador do Grupo Pela Vid­da-RJ, Már­cio Vil­lard, avalia que o com­bate ter­apêu­ti­co à Aids avançou mais do que a super­ação dos pre­con­ceitos que afe­tam as pes­soas que vivem com HIV. Mes­mo com medica­men­tos menos tóx­i­cos e uma expec­ta­ti­va de vida maior, questões soci­ais afas­tam pes­soas com HIV de uma vida ple­na.

“Quan­do a gente fala em qual­i­dade de vida, não pode enten­der somente a questão ter­apêu­ti­ca e bio­médi­ca. É pre­ciso tam­bém enten­der as questões soci­ais que envolvem a pes­soa com HIV, porque enfrenta­mos ain­da muitos prob­le­mas rela­ciona­dos a estig­mas, pre­con­ceitos e exclusão social que inter­fer­em na qual­i­dade de vida”, afir­ma. “O que acon­tece é que o HIV sem­pre traz con­si­go uma con­de­nação. De algu­ma for­ma, a sociedade vai te con­denar, seja pelo seu esti­lo de vida, seja pela sua ori­en­tação sex­u­al, seja por você per­tencer a um deter­mi­na­do grupo da sociedade. Prati­ca­mente ninguém escapa, até uma cri­ança que nasce com HIV vai ser estigma­ti­za­da por isso. Infe­liz­mente, esse cenário não mudou”.

O ativista expli­ca que a estigma­ti­za­ção das pes­soas com HIV tem raízes lig­adas à LGBT­fo­bia, já que os primeiros sur­tos de HIV se der­am na pop­u­lação homos­sex­u­al, bis­sex­u­al e tran­sex­u­al nos Esta­dos Unidos, e a impren­sa da déca­da de 80 reforçou a asso­ci­ação entre a pop­u­lação LGBTI e o HIV, chaman­do a aids até mes­mo de câncer gay.

“Isso começou nos Esta­dos Unidos, se espal­hou pelo mun­do e acabou viran­do um selo. Aqui no Brasil, até o ano pas­sa­do, homos­sex­u­ais não podi­am doar sangue, inde­pen­den­te­mente de ter ou não o vírus”.

O Pela Vid­da-RJ foi fun­da­do em 1989 pelo sociól­o­go e ativista Hebert Daniel e atua des­de então na luta por dire­itos das pes­soas que vivem com HIV. Às 11h de hoje, o grupo vai pro­mover ato públi­co na Praça Mauá, no cen­tro do Rio de Janeiro, com o tema Viv­er com o HIV é pos­sív­el. Com o pre­con­ceito, não. Entre as prin­ci­pais deman­das atu­ais da pop­u­lação que vive com HIV, Vil­lard con­ta que estão a assistên­cia jurídi­ca para garan­tir dire­itos prev­i­den­ciários e tra­bal­his­tas. Os prob­le­mas incluem proces­sos sele­tivos que elim­i­nam can­didatos que tes­tam pos­i­ti­vo para HIV, enquan­to essa testagem é veda­da por lei em qual­quer exame admis­sion­al, per­iódi­co ou demis­sion­al. Fora ess­es dire­itos, as pes­soas com HIV tam­bém procu­ram a orga­ni­za­ção não gov­er­na­men­tal para rece­ber acol­hi­men­to afe­ti­vo.

“A maior difi­cul­dade ain­da é a questão do estig­ma. Quan­do a pes­soa tem esse diag­nós­ti­co, ela tem difi­cul­dade de lidar com ele. E, ao se colo­car para a família, no tra­bal­ho e para os ami­gos, vai enfrentar dis­crim­i­nação. São raros os casos em que a pes­soa con­segue viv­er tran­quil­a­mente, inde­pen­den­te­mente de sua sorolo­gia”.

Angústia e cura

A difi­cul­dade de encon­trar infor­mação e acol­hi­men­to depois do diag­nós­ti­co foi o que moveu o influ­en­ci­ador João Ger­al­do Net­to a com­par­til­har sua exper­iên­cia na inter­net des­de 2008.

“Ini­cial­mente, eu fala­va de uma maneira mais ocul­ta, não fala­va especi­fi­ca­mente que eu vivia com o vírus. Mas aí eu sen­ti a neces­si­dade de falar sobre isso mais aber­ta­mente. Eu desco­bri que, falan­do, eu me cura­va de cer­ta for­ma. Sen­tia algo muito pos­i­ti­vo quan­do fala­va sobre os dra­mas, os medos que eu tin­ha de faz­er trata­men­to, de mor­rer, de adoe­cer. E eu vi que aqui­lo era muito bem rece­bido. Isso foi me dan­do força”, con­ta.

O jor­nal­ista acres­cen­ta que a maio­r­ia das pes­soas que entram em con­ta­to nas redes soci­ais está angus­ti­a­da, seja porque acred­i­ta que se expôs ao risco de infecção ou porque já rece­beu o diag­nós­ti­co e está ten­tan­do lidar com ele. João Ger­al­do acred­i­ta que o peso social do HIV afas­ta as pes­soas do teste e do diag­nós­ti­co pre­coce, porque muitas não se percebem parte de um supos­to grupo social que pode­ria ser infec­ta­do e out­ras pref­er­em não saber o resul­ta­do do teste por medo.

“A questão do pre­con­ceito é algo tão forte que atra­pal­ha de faz­er o teste, de procu­rar aju­da e trata­men­to e impede que a pes­soa tome o medica­men­to todo dia. Então, o grande prob­le­ma do HIV hoje não é mais um prob­le­ma clíni­co, é um prob­le­ma social”, diz. “As pes­soas que chegam ao meu canal mais angus­ti­adas são aque­las que pas­saram por situ­ação que con­sid­er­am moral­mente erra­da e acred­i­tam que é uma punição para elas. E a pior punição que elas con­seguem imag­i­nar é uma doença como a Aids. Então, isso é muito doloroso, sabe? Porque você vê que está con­ver­san­do com uma pes­soa que acha que a pior coisa que pode acon­te­cer na vida é o que você tem”.

Em suas posta­gens nas redes soci­ais, o influ­en­ci­ador comen­ta sobre HIV e temas do dia a dia e de sua vida pes­soal, como fotos de via­gens, reuniões com ami­gos e declar­ações de amor ao namora­do. Em um de seus per­fis, chama­do Superinde­tec­táv­el, ele deixa a seguinte men­sagem: “Res­pi­ra fun­do! Pela frente ain­da tem muito mun­do. Ago­ra pode não estar, mas tudo pode ficar bem”.

Edição: Graça Adju­to

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