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Desmatamento do Cerrado ameaça segurança hídrica de todo o Brasil

Repro­dução: © Marce­lo Camargo/Agência Brasil

Bioma é berço das nascentes de 8 bacias hidrográficas importantes


Pub­li­ca­do em 11/09/2023 — 07:12 Por Lucas Pordeus León – Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília
Atu­al­iza­do em 11/09/2023 — 07:12

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“Uns anos atrás, o rio aqui da gente só ia baixar bas­tante no final de agos­to para setem­bro. Hoje não. Parou a chu­va, com oito dias ele [nív­el do rio] já tá lá embaixo porque não tem mais quem sus­ten­ta as águas. Os bre­jos já dimin­uíram a vazão porque o Cer­ra­do foi des­mata­do nas cabe­ceiras, não tem mais Cer­ra­do.” A denún­cia em for­ma de lamen­to é do agricul­tor Adão Batista Gomes, de 61 anos, que viveu toda a vida na zona rur­al do municí­pio For­mosa do Rio Pre­to, no oeste baiano.  

O agricul­tor Jamil­ton San­tos de Mag­a­l­hães, de 40 anos, con­heci­do como Car­reir­in­ha, é líder comu­nitário em Cor­renti­na, tam­bém no oeste do esta­do, e con­ta que a morte de nascentes na região se tornou fre­quente a par­tir da déca­da de 1990.

“Começou o des­mata­men­to, dois ou três anos depois começa o seca­men­to das nascentes. Tem famílias que têm mais de 200 anos moran­do nesse ter­ritório. Não tin­ha morte fre­quente de nascente antes”.

Série Dia do Cerrado. Adão, agricultor de Formosa do Rio Preto-BA. Foto: Arquivo Pessoal
Repro­dução: Adão Batista é agricul­tor de For­mosa do Rio Pre­to (BA) — Arqui­vo pes­soal

A região onde Car­reir­in­ha e Adão moram é uma das que reg­is­tra os maiores níveis de des­mata­men­to do Cer­ra­do, provo­ca­do prin­ci­pal­mente pela expan­são da fron­teira agrí­co­la do Matopi­ba, área que englo­ba parte dos esta­dos do Maran­hão, de Tocan­tins, do Piauí e da Bahia – o ter­mo surge da junção da primeira síla­ba dess­es qua­tro esta­dos.

Con­sid­er­a­do o berço das águas do Brasil, o Cer­ra­do é a origem das nascentes de oito das 12 bacias hidro­grá­fi­cas mais impor­tantes do país. É tam­bém o segun­do maior reser­vatório sub­ter­râ­neo de água do mun­do, for­ma­do pelos aquífer­os Guarani e Uru­cuia.

Cerrado - Bacias hidrográficas
Repro­dução: Ilus­tração Car­oli­na Guy­ot — Ipam

Além dis­so, fornece cer­ca de 70% da água do Rio São Fran­cis­co e 47% da água do Rio Paraná, que abastece a hidrelétri­ca de Itaipu. Suas águas são impor­tantes ain­da para Bolívia, Paraguai, Argenti­na e Uruguai. Essas infor­mações são do estu­do pub­li­ca­do pela revista cien­tí­fi­ca Sus­tain­abil­i­ty que apon­tou os riscos que o des­mata­men­to do bio­ma pode causar para a segu­rança hídri­ca e energéti­ca do país.

»> Clique aqui para ler todo o con­teú­do do Espe­cial Cer­ra­do 2023

Menos água

Um dos pesquisadores do estu­do, o doutor em Ciên­cias Flo­restais Yuri Salmona, expli­cou à Agên­cia Brasil que as lon­gas raízes das árvores típi­cas do Cer­ra­do podem chegar a 15 met­ros de pro­fun­di­dade e fazem o bio­ma ser con­heci­do como “flo­res­ta inver­ti­da”. Essas raízes são respon­sáveis por levar a água das chu­vas até o fun­do do solo que, durante o perío­do seco, vai liberan­do nova­mente a água.

Raízes do Cerrado ilustração Ipam
Repro­dução: Ilus­tração Car­oli­na Guy­ot — Ipam

“Essa água vai se acu­mu­lan­do nesse sub­so­lo ou escor­ren­do entre os rios. Ela vai abaste­cer o Paraná, o Jequit­in­hon­ha, o Aragua­ia, o Tocan­tins, entre out­ros rios. A que­bra dessa dinâmi­ca pro­por­ciona­da pelo des­mata­men­to, que inter­fere na capaci­dade de infil­trar essa água, faz com que a água escor­ra super­fi­cial­mente, cau­san­do erosão, com exces­so de vazão nas chu­vas e escassez na seca”, expli­cou o dire­tor-exec­u­ti­vo do Insti­tu­to Cer­ra­dos.

Yuri aler­tou que a situ­ação se agra­va com o con­sumo de água para irri­gação do agronegó­cio durante o perío­do da seca. “Ele [agricul­tor] está invi­a­bi­lizan­do o futuro do próprio negó­cio dele, porque a gente pre­cisa do Cer­ra­do em pé para con­tin­uar pro­duzin­do a água”, desta­cou.

O estu­do anal­isou o com­por­ta­men­to de 81 bacias hidro­grá­fi­cas do Cer­ra­do, e cal­cu­lou que essas bacias perder­am, em média, 15,4% da vazão dos rios entre 1985 e 2022. Para 2050, a pre­visão da pesquisa é de que a redução na vazão das águas dessas bacias chegue a 34% do que já foi um dia, “mes­mo com diminuição do des­mata­men­to”.

Brasília (DF), 01.07.2023 - A grandiosidade do Cerrado com suas cores, formas e diversidade, capturadas em duas horas de caminhada pelo Jardim Botânico de Brasília. Foto: Juca Varella/Agência Brasil
Repro­dução: Árvores nati­vas do Cer­ra­do podem ter raízes com até 15 met­ros e pro­fun­di­dade — Juca Varella/Agência Brasil

Exportação de água

“A água segue sendo expor­ta­da para Chi­na, União Europeia e Esta­dos Unidos em for­ma de ‘água vir­tu­al’, ou seja: água con­sum­i­da na pro­dução dos grãos e carne”, cita a pesquisa referindo-se às com­modi­tie expor­tadas pelo Brasil.

Segun­do a Agên­cia Nacional de Águas (ANA), 49,8% da água con­sum­i­da no país em 2019 foi com a irri­gação da agri­cul­tura.

A coor­de­nado­ra do Map­Bio­mas Cer­ra­do Ane Alen­car desta­cou que as out­or­gas para o uso da água no Cer­ra­do não são trans­par­entes. “A gente não sabe quais os critérios, se existe um lim­ite para fornecer essas out­or­gas. Tem pou­ca transparên­cia sobre isso”, desta­cou.

“De fato, o que aca­ba acon­te­cen­do é que a água – que é um bem para ser usa­do por todos –, está sendo usa­da para a pro­dução agrí­co­la e aca­ba sendo expor­ta­da. A gente tá expor­tan­do um recur­so nat­ur­al super impor­tante e fazen­do o uso desse recur­so de qual­quer for­ma”.

Crises de água

Onde o uso da água é inten­so na irri­gação de larga escala, pop­u­lações locais têm denun­ci­a­do a redução das vazões dos rios, como no caso do municí­pio de Cor­renti­na (BA), onde mil­hares foram às ruas, em 2017, denun­ciar o uso exces­si­vo de água pelo agronegó­cio.

Em 2018, moradores chegaram a ten­tar impedir a insta­lação de dra­gas em rios real­iza­da por fazen­deiros.

Na avali­ação da coor­de­nado­ra do Pro­gra­ma Cer­ra­do e Caatin­ga do Insti­tu­to Sociedade, Pop­u­lação e Natureza (ISPN) Isabel Azeve­do, que tra­bal­ha apoian­do comu­nidades tradi­cionais do Matopi­ba, as out­or­gas para uso de água e as autor­iza­ções para supressão da veg­e­tação na região são forneci­das sem con­t­role ade­qua­do.

“Está muito irreg­u­lar esse sis­tema. O gov­er­no fed­er­al não está mon­i­toran­do nada, está tudo por con­ta dos esta­dos, é cada um por si e as sec­re­tarias ambi­en­tais são coop­tadas pelo agronegó­cio”, denun­ciou.

MMA

Brasília (DF) 23/08/2023 Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, fala na Comissão do Meio Ambiente do Senado durante audiência pública. Foto Lula Marques/ Agência Brasil
Repro­dução: Mari­na Sil­va citou um plano para preser­vação do Cer­ra­do, durante audiên­cia públi­ca na Comis­são do Meio Ambi­ente do Sena­do — Lula Marques/ Agên­cia Brasi

Em audiên­cia públi­ca no Sena­do no final de agos­to, a min­is­tra do Meio Ambi­ente Mari­na Sil­va infor­mou que a pas­ta está preparan­do um novo plano con­tra o des­mata­men­to do Cer­ra­do que deve ser colo­ca­do em con­sul­ta públi­co neste mês de setem­bro. Ao mes­mo tem­po, Mari­na desta­cou que o plano não terá suces­so sem par­tic­i­pação dos esta­dos.

“Con­sideran­do que mais de 70% dos des­mata­men­tos que estão acon­te­cen­do no Cer­ra­do têm a licença para des­matar, o que nós vamos pre­cis­ar é, dig­amos, revis­i­tar essas licenças para saber o nív­el de legal­i­dade delas”, afir­mou a min­is­tra.

Nos­sa reportagem procurou a Frente Par­la­men­tar Agropecuária (FPA) e a Con­fed­er­ação Nacional da Agri­cul­tura (CNA), enquan­to rep­re­sen­tantes do agronegó­cio, para comen­tar o des­mata­men­to do bio­ma, mas não obteve retorno até o fechamen­to des­ta reportagem.

Edição: Denise Griesinger

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