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DF: alunos de periferia abrem caminhos na mais antiga escola de música

Repro­dução: © Val­ter Campanato/Agência Brasil

Escola de Música de Brasília completou 60 anos de história


Publicado em 14/04/2024 — 17:15 Por Luiz Claudio de Ferreira — Repórter da Agência Brasil — Brasília

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Se a vida do estu­dante Mateus Guimarães, de 22 anos, pudesse ser tran­scri­ta em uma par­ti­tu­ra, mae­stros visu­alizari­am uma músi­ca em rit­mo acel­er­a­do, mas em har­mo­nia com um dese­jo que não lhe sai da boca. Nem do coração. As notas musi­cais mis­tu­ram-se com os barul­hos do tra­bal­ho, que é o de limpador de esto­fa­dos, na região de Samam­ba­ia (DF), a 30 quilômet­ros (km) de Brasília.

Está inclu­so na roti­na o som dos pas­sos para pan­fle­tar e con­vencer novos clientes. É o que lhe garante um salário mín­i­mo, com dire­ito a uma fol­ga por sem­ana. Na história da melo­dia dessa cam­in­ha­da, o que mexe com ele de ver­dade é o som da vio­la de arco. Enquan­to espera o barul­ho do ônibus para casa, lem­bra-se das obras de Johann Sebas­t­ian Bach.

Mateus é aluno, des­de o ano pas­sa­do, da Esco­la de Músi­ca de Brasília, a maior unidade de ensi­no públi­ca do gênero no Brasil que, na últi­ma sem­ana, com­ple­tou 60 anos de história, com dire­ito a even­to em hom­e­nagem a alunos e anti­gos pro­fes­sores. A cada semes­tre, a esco­la recebe aprox­i­mada­mente 300 alunos e for­ma, ao menos, out­ros 300, nos mais vari­a­dos instru­men­tos.

No caso de Mateus, que tam­bém estu­da sis­temas de inter­net, ele se inter­es­sou por instru­men­tos musi­cais na igre­ja em que fre­quen­ta na per­ife­ria. “Lá apren­di com meu pro­fes­sor a flau­ta doce. Depois que entrei na esco­la de músi­ca, con­ven­ci out­ros ami­gos a tam­bém tentarem ingres­sar. O que eu apren­do eu divi­do com meus ami­gos. A músi­ca nun­ca deixa a gente soz­in­ho.”

Não deixa mes­mo. Jun­to com ele, na entra­da do even­to comem­o­ra­ti­vo dos 60 anos da esco­la, no Teatro Mae­stro Levi­no de Alcân­tara, estavam dois ami­gos de Samam­ba­ia e da insti­tu­ição. O estu­dante Mar­cos Viní­cius Xavier, de 18 anos, toca vio­lão. Jun­to ao repertório que ele trouxe da vida de rock e MPB, pas­sou a admi­rar as peças de Heitor Vil­la-Lobos. Com eles, a ami­ga Ian­dra San­tos, de 19, que toca flau­ta, atual­mente faz o cur­so téc­ni­co em far­má­cia. Os ami­gos lamen­tam que demor­am mais de uma hora para chegar de ônibus à esco­la, que fica em um pré­dio na Asa Sul, no Plano Pilo­to de Brasília.  “Mas me faz muito bem estar aqui”, diz a estu­dante.

Brasília 12/04/2024, 60 anos da Escola de Música de Brasília. Na foto: Mateus Guimarães, Marcos Vinícius Xavier e Iandra Carla Santos. Foto Valter Campanato/Agência Brasil
Repro­dução: Mateus Guimarães, Mar­cos Viní­cius Xavier e Ian­dra San­tos, são ami­gos e alunos da  Esco­la de Músi­ca de Brasília — Val­ter Campanato/Agência Brasil

Periféricos

O caso dos três ami­gos da Samam­ba­ia não é raro na Esco­la de Músi­ca de Brasília. Segun­do o dire­tor da esco­la, Davson de Souza, 80% dos alunos moram fora das áreas nobres e são de regiões admin­is­tra­ti­vas do Dis­tri­to Fed­er­al, e até de out­ras cidades do Entorno, em Goiás. “Pelo menos 78% dos nos­sos alunos são tam­bém de esco­las públi­cas. A maio­r­ia é de pes­soas que não têm uma facil­i­dade econômi­ca. Eles val­orizam a opor­tu­nidade que é estar fazen­do músi­ca”, afir­ma.

Brasília 12/04/2024, 60 anos da Escola de Música de Brasília. Na foto: diretor da escola de música de Brasília, Davson de Souza. Foto: Daysi Amarilio/Divulgação
Repro­dução: O dire­tor da Esco­la de Músi­ca de Brasília, Davson de Souza, no even­to em comem­o­ração aos 60 anos da insti­tu­ição — Daysi Amarilio/Divulgação

O dire­tor Davson de Souza, de 54 anos,  que é negro, expli­ca que seguiu os pas­sos do pai, o tam­bém flautista  Nival­do de Souza. Foi aluno da esco­la des­de os 12 anos de idade. “Uma das for­mas mais democráti­cas acabou sendo a músi­ca mes­mo, des­de sem­pre. E aí se estende não só aos negros, mas em todas as class­es soci­ais. Isso foi uma pre­ocu­pação des­de o iní­cio da cri­ação da esco­la, de quem criou a esco­la, que foi o mae­stro Livi­no de Alcân­tara”.  Ele diz que, no local, os fil­hos da per­ife­ria con­vivem com os fil­hos da classe média alta.

“A gente cos­tu­ma emprestar o instru­men­to para aque­les alunos que não têm condição nen­hu­ma de com­prar”, afir­ma o pro­fes­sor. Na faixa etária de 8 a 14 anos, a seleção de alunos é por sorteio. Há cat­e­go­rias de adul­tos em que é necessário algum con­hec­i­men­to prévio em músi­ca.

Racismo

No entan­to, o pro­fes­sor afir­ma que, emb­o­ra exista um espaço democráti­co, o cam­po da músi­ca não está livre do racis­mo. Davson de Souza lem­bra que, ain­da como aluno da esco­la de músi­ca, aos 17 anos, con­heceu um grupo de flautis­tas do Rio de Janeiro que esta­va em turnê para Brasília e pre­cisa­va de mais um flautista.

O então ado­les­cente con­seguiu a vaga, mas foi sur­preen­di­do. “Cheguei no horário que tin­ham mar­ca­do para mim. Entrei, sen­tei e fiquei esperan­do o restante do grupo chegar. Entrou uma pes­soa que era o ger­ente do teatro. Pas­sou por mim umas três vezes e per­gun­tou se eu tin­ha ido arru­mar o pal­co”. Mes­mo assim, o dire­tor da esco­la de músi­ca entende que se tra­ta de um cam­po em que as pes­soas estão menos sujeitas a esse tipo de vio­lên­cia.

A dep­uta­da dis­tri­tal Dayse Amarílio propôs o con­cer­to comem­o­ra­ti­vo para garan­tir vis­i­bil­i­dade às ativi­dades na esco­la. “Vi o quan­to a gente pre­cisa dar mais atenção à questão físi­ca do espaço, que tem inclu­sive prob­le­mas de aces­si­bil­i­dade.” Há uma esti­ma­ti­va de que a refor­ma do pré­dio cus­taria R$ 13 mil­hões, que devem ser alo­ca­dos pelo gov­er­no local.

Brasília 12/04/2024, 60 anos da Escola de Música de Brasília. Foto Valter Campanato/Agência Brasil
Repro­dução: Even­to em comem­o­ração aos 60 anos da Esco­la de Músi­ca de Brasília — Val­ter Campanato/Agência Brasil

Ela entende que é necessário mais atenção do poder públi­co a esse equipa­men­to da cul­tura, que pode ser, na opinião dela, uti­liza­do pelos serviços de saúde, por exem­p­lo. Para a par­la­men­tar, o tra­bal­ho da esco­la de músi­ca con­segue faz­er essa inclusão social e tam­bém ter­apêu­ti­ca. “Aju­da cri­anças e ado­les­centes que pode­ri­am estar em out­ros locais ou até nas dro­gas”. A dep­uta­da quer pro­por que as ativi­dades da esco­la de músi­ca sejam apre­sen­tadas nas per­ife­rias do DF para atrair novos alunos.

O pro­fes­sor Davson de Souza diz que a final­i­dade prin­ci­pal da esco­la é ser uma unidade de ensi­no profis­sion­al­izante, mas há, entre os efeitos, a rec­om­pen­sa de agir em prol da saúde men­tal.

Brasília 12/04/2024, 60 anos da Escola de Música de Brasília. Na foto: Bianca Di Macena. Foto Valter Campanato/Agência Brasil
Repro­dução: A músi­ca aju­dou a clar­inetista Bian­ca Di Mace­na a enfrentar a depressão — Val­ter Campanato/Agência Brasil

Que o diga a clar­inetista Bian­ca di Mace­na, de 25 anos, que foi diag­nos­ti­ca­da com depressão. Ela começou na músi­ca em um pro­je­to social de ban­da musi­cal em uma esco­la públi­ca do Guará (região a 15 km do cen­tro de Brasília) e desen­volveu-se na músi­ca na esco­la. No cam­in­ho, foi a músi­ca que a aju­dou con­tra a doença.

O mun­do cin­za se trans­for­ma­va em algo difer­ente quan­do abria o esto­jo e mon­ta­va o instru­men­to. Já for­ma­da, tocou ne últi­ma sem­ana na esco­la de músi­ca. “É difí­cil explicar. Mas eu con­si­go ago­ra sen­tir o cheiro dos sons.” As músi­cas de Pixin­guin­ha tornaram tudo col­ori­do e com cheiro de MPB, bossa nova e recomeço.

Edição: Juliana Andrade

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