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Dia do Evangélico: fiéis na periferia buscam acolhimento na fé

Repro­dução: © Rove­na Rosa/Agência Brasil

“Igreja para mim é família”, diz pastora


Pub­li­ca­do em 30/11/2023 — 08:40 Por Gilber­to Cos­ta — Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

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Pas­sa­dos 13 anos da insti­tu­ição do Dia Nacional do Evangéli­co – lem­bra­do nes­ta quin­ta-feira (30), con­forme a Lei 12.328, aprova­da pelo Con­gres­so Nacional e san­ciona­da pelo pres­i­dente Luiz Iná­cio Lula da Sil­va, em setem­bro de 2010 –, o diál­o­go com os fiéis protes­tantes ain­da põe à pro­va a capaci­dade do Poder Públi­co de se comu­nicar com essa pop­u­lação e de infor­má-la.

A avali­ação é do teól­o­go Mar­co Davi de Oliveira, pas­tor batista, e autor do livro A Religião mais Negra do Brasil (Edi­to­ra Ulti­ma­to, 2015).

“O poder públi­co pre­cisa ir pra base e con­ver­sar com os pobres. Neces­si­ta se aprox­i­mar dessas pes­soas, ouvi-las. Pre­cisa apren­der a lin­guagem”, pon­tua Mar­co Davi em entre­vista à Agên­cia Brasil, descar­tan­do estereóti­pos e clichês con­tra os crentes.

Coor­de­nado­ra da Frente de Evangéli­cos pelo Esta­do de Dire­ito, Valéria Zacarias cor­rob­o­ra a opinião do pas­tor. “Todo o grupo social tem os seus códi­gos, tem os seus sig­nos”, assi­nala ao defend­er “a importân­cia e a urgên­cia de faz­er uma comu­ni­cação seg­men­ta­da.”

Na opinião dela, a comu­ni­cação do poder públi­co pre­cisa ser mais dirigi­da, “como é fei­ta, por exem­p­lo, no car­naval”. “O gov­er­no faz cam­pan­ha dire­ciona­da para a comu­nidade LGBTQIA+ sobre a segu­rança sex­u­al, não há imped­i­men­to legal para se faz­er comu­ni­cação seg­men­ta­da.”

O sociól­o­go Paulo Gra­ci­no Júnior, pro­fes­sor da Uni­ver­si­dade de Brasília (UnB) e autor de A Deman­da por Deuses (Edi­to­ra Uerj/Faperj, 2015), avalia que “pas­toras e pas­tores são inter­locu­tores legí­ti­mos da per­ife­ria” e que é pre­ciso abrir diál­o­go com rep­re­sen­tantes dos fiéis e debater os prob­le­mas das comu­nidades nas igre­jas.

Brasília (DF) 29/11/2023 – Especial dia dos Evangélicos - Sociólogo Paulo GracianoFoto: Paulo Graciano/Arquivo pessoal
Repro­dução: Sociól­o­go Paulo Gra­ci­no Júnior diz que deman­das de evangéli­cos vão além de questões espir­i­tu­ais — Paulo Gracino/Arquivo pes­soal

“O evangéli­co é uma pes­soa empoder­a­da. Eu pos­so con­ver­sar com ele. Ele tem deman­das, não só deman­da por bens espir­i­tu­ais. Ele tem deman­da por sanea­men­to bási­co, segu­rança, esco­la. Essas coisas com o tem­po desar­mari­am a cli­vagem [divisão] que há entre esquer­da e movi­men­to evangéli­co”, opina o acadêmi­co, que é espe­cial­iza­do em políti­ca e religião.

Gra­ci­no Júnior defende que haja “mais pro­postas” para resolver prob­le­mas apon­ta­dos pelos evangéli­cos e “menos fisi­olo­gia”. Ele recomen­da que no diál­o­go se aban­donem pre­con­ceitos. “Tem esse prob­le­ma que é a ideia de que o evangéli­co é irra­cional. Que não vai poder con­ver­sar com ele, porque ele é alien­ado.”

Negras e periféricas

Ain­da não estão disponíveis os dados do Cen­so 2022 (IBGE) sobre a reli­giosi­dade dos brasileiros, o que per­mi­tiria uma visão mais atu­al­iza­da sobre quem são os fiéis. A últi­ma refer­ên­cia de estu­diosos é uma pesquisa do Insti­tu­to Datafol­ha, fei­ta em dezem­bro de 2020.

De acor­do com o lev­an­ta­men­to, de cada dez brasileiros, três são evangéli­cos. Con­forme os dados apu­ra­dos, os crentes são o segun­do blo­co reli­gioso mais numeroso do Brasil (31% da pop­u­lação), atrás ape­nas do per­centu­al de pes­soas que se declar­am católi­cas (50%); mas bem aci­ma das pes­soas sem religião (10%), espíri­tas (3%), de cre­dos afro-brasileiros (2%), demais crenças (3%) e ateus (1%).

O insti­tu­to quan­tifi­ca que a pre­sença dos evangéli­cos é bas­tante expres­si­va em todas as regiões do país: 39% no Norte, 33% no Cen­tro-Oeste, 32% no Sud­este, 30% no Sul e 27% no Norte.

No con­jun­to dos protes­tantes, as mul­heres são maio­r­ia (58%) – entre os neopen­te­costais a pre­sença fem­i­ni­na ain­da é maior (69%). Os crentes são pre­dom­i­nan­te­mente negros (43% par­dos e 16% pre­tos) e ten­dem a ser mais jovens que os católi­cos: 62% dos evangéli­cos têm menos de 45 anos, enquan­to a pro­porção nes­sa faixa etária é de 48% entre os católi­cos.

Estratégia de sobrevivência

“A maio­r­ia abso­lu­ta dos evan­gel­hos é mul­her negra e per­iféri­ca”, sub­lin­ha o sociól­o­go Paulo Gra­ci­no Júnior, ao lem­brar que elas são as pes­soas mais vul­neráveis na sociedade brasileira e pre­cisam da fé como um recur­so espir­i­tu­al de sobre­vivên­cia.

“Elas veem a religião evangéli­ca como estraté­gia de se man­ter em per­ife­rias que são extrema­mente vio­len­tas, extrema­mente machis­tas. A igre­ja é um lugar [em] que a mul­her pode nar­rar seu sofri­men­to. Nar­rar e ser ouvi­da.”

Brasília (DF) 29/11/2023 – Especial dia dos Evangélicos - Personagem Pastora Valdenice RodriguesFoto: Pastora Valdenice Rodrigues/Arquivo pessoal
Repro­dução: Pas­to­ra Valdenice Rodrigues con­ta que a igre­ja é como se fos­se sua família — Valdenice Rodrigues/Arquivo pes­soal

À fala do espe­cial­ista, a fiel Valdenice Rodrigues acres­cen­ta que, além de con­tar suas histórias e serem escu­tadas, as mul­heres procu­ram a igre­ja para enten­derem seus prob­le­mas, para se pro­te­ger, se sen­tirem mais seguras e para serem abençoadas. “A igre­ja para mim é uma família, sabe? É onde a gente con­hece out­ras pes­soas, onde a gente se aju­da quan­do pre­cisa.”

“Ali onde eu estou, as pes­soas procu­ram muito para rece­ber oração. Porque querem uma respos­ta de Deus. A maio­r­ia está com algum prob­le­ma, se não é casa­men­to ou finan­ceiro, é algo assim. Aí procu­ram a igre­ja e pedem oração para a pas­to­ra. Ali, elas oram e recebem a benção, depois voltam para con­tar a benção que rece­ber­am”, con­ta Valdenice.

Evangéli­ca des­de o nasci­men­to e tra­bal­hado­ra domés­ti­ca, ela mora no Are­al, região sub­ur­bana a aprox­i­mada­mente 11 quilômet­ros do cen­tro de Brasília. Aos domin­gos, quan­do a pas­to­ra pres­i­dente da sua igre­ja “dá opor­tu­nidade”, Valdenice é a “pas­to­ra Val” – como se iden­ti­fi­ca nas redes soci­ais – e pre­ga no Min­istério Todo Poderoso, da Assem­bleia de Deus. “O Are­al é uma comu­nidade car­ente, não é classe média, a maio­r­ia aqui é do povo. Aqui é humilde”, rela­ta.

Conservadorismo

Valdenice é con­tra o casa­men­to de pes­soas do mes­mo sexo. “Deus fez o homem e a mul­her pra con­sti­tuir família. Então, nesse pon­to de vista aí na Bíblia é erra­do. Eu respeito [casais homoafe­tivos], mas não con­cor­do.” Tam­bém é con­tra a descrim­i­nal­iza­ção do uso de dro­gas. “O mun­do hoje já está tão difí­cil e se lib­er­ar isso aí vai ficar mais difí­cil ain­da.”

Mas ela rel­a­tiviza alguns val­ores con­ser­vadores. “Claro que se a mul­her casar virgem tudo dire­it­in­ho, bonit­in­ho, isso é óti­mo. Mas hoje em dia, no mun­do que a gente vive, isso é difí­cil, nós sabe­mos dis­so, né?”

Para o pro­fes­sor Paulo Gra­ci­no Júnior, a adesão a val­ores con­ser­vadores, e even­tu­al opção eleitoral, não faz das mul­heres evangéli­cas brasileiras pes­soas fascis­tas. “Não dá pra gente diz­er que uma mul­her pre­ta, pobre e da per­ife­ria, é fascista. Ela não é fascista e nem mas­sa de manobra.”

Valéria Zacarias, coor­de­nado­ra da Frente de Evangéli­cos pelo Esta­do de Dire­ito, salien­ta que visões de mun­do como de Valdenice não são exclu­si­vas aos crentes. “É como nos tor­nassem respon­sáveis por todo o con­ser­vadoris­mo brasileiro. Respon­sáveis por todos os retro­ces­sos que essa nação enfrenta. Ten­tam nos trans­for­mar, como se a gente fos­se o out­ro da nação”, recla­ma.

Brasília (DF) 29/11/2023 – Especial dia dos Evangélicos - Personagem Pastor Maeco DaviFoto: Pastor Marco Davi/Arquivo pessoal
Repro­dução: Pas­tor Mar­co Davi diz que poder públi­co pre­cisa se aprox­i­mar dos evangéli­cos — Mar­co Davi/Arquivo pes­soal

Em raciocínio semel­hante, o pas­tor Mar­co Davi lem­bra que a intol­erân­cia con­tra out­ras religiões, como as afro-brasileiras, con­stan­te­mente atribuí­da aos crentes, é muito ante­ri­or à insta­lação das igre­jas evangéli­cas no Brasil. Para ele, aliás, esse tipo de intol­erân­cia “é muito mais anti­ga que qual­quer out­ra.”

Con­trário a qual­quer dis­crim­i­nação reli­giosa, o pas­tor con­segue perce­ber até semel­hanças entre man­i­fes­tações de par­tic­i­pantes de cul­tos e de fre­quen­ta­dores de ter­reiros.

“A questão da cor­por­ei­dade é muito impor­tante para a man­i­fes­tação da africanidade. Então, há uti­liza­ção do cor­po, essa uti­liza­ção do cor­po ela está no can­domblé, como tam­bém está na Igre­ja Pen­te­costal. O cor­po é o instru­men­to de ado­ração, o cor­po é um instru­men­to que exala a espir­i­tu­al­i­dade. Então, isso para mim é fan­tás­ti­co neste país. Tomara que ten­ha muitas pesquisas sobre isso, porque é boni­to demais”, opina Mar­co Davi.

Capilaridade e capital político

Duas impor­tantes car­ac­terís­ti­cas das igre­jas evangéli­cas são a diver­si­dade (de denom­i­nações e fil­i­ações) e a capi­lar­i­dade urbana. Em difer­entes cor­rentes, e tam­bém de for­ma inde­pen­dente, os crentes estão espal­ha­dos pelas cidades, espe­cial­mente nos locais menos val­oriza­dos.

“Os evangéli­cos têm essa estraté­gia de se dividir e de ocu­par espaços. Qual­quer peque­na loja do sub­úr­bio pode virar uma igre­ja. Então, eles têm uma con­du­ta ati­va no espaço públi­co”, descreve o pro­fes­sor Paulo Gra­ci­no Júnior, que com­para: “A Igre­ja Católi­ca não con­segue se mul­ti­plicar de for­ma con­sis­tente para dar con­ta da dinâmi­ca urbana ráp­i­da do Brasil.” O estu­dioso acres­cen­ta que out­ras religiões têm ritos de ini­ci­ação, o que não é exigi­do para fre­quen­tar igre­jas evangéli­cas.

Pre­sente em todas as regiões do país, e mul­ti­pli­can­do tem­p­los nas áreas mais pop­u­losas e car­entes das cidades, onde as igre­jas tradi­cionais não se insta­laram e o Esta­do não pro­tege e acol­he as pes­soas, as igre­jas evangéli­cas se tor­nam lugares de socia­bil­i­dade, laz­er e acol­hi­men­to.

Repro­dução: Cien­tista políti­co Leonar­do Bar­reto desta­ca atu­ação dos evangéli­cos na área assis­ten­cial — Leonar­do Barreto/Arquivo pes­soal

 

“Muitas dessas igre­jas, senão quase todas, elas têm pro­gra­mas assis­ten­ci­ais. Elas têm questões muito fortes de com­bate ao vício de bebi­da e de dro­ga e out­ros prob­le­mas que enfrentam nas per­ife­rias”, assi­nala o cien­tista políti­co Leonar­do Bar­reto, que já prestou con­sul­to­ria a par­tido políti­co na for­mação de quadros evangéli­cos para dis­putas eleitorais.

A exten­sa mal­ha de igre­jas e o imen­so con­tin­gente de fiéis no país ren­der­am cap­i­tal políti­co em suces­si­vas eleições às lid­er­anças evangéli­cas e seus rep­re­sen­tantes. Na Câmara dos Dep­uta­dos, por exem­p­lo, em 2010, a leg­is­latu­ra ini­ciou-se com uma ban­ca­da evangéli­ca for­ma­da por 70 dep­uta­dos. Em 2014, a ban­ca­da reduz­iu-se para 57 par­la­mentares na Casa. Em 2018, o número de dep­uta­dos evangéli­cos voltou a crescer e chegou a 85.

Nas últi­mas eleições, esse número caiu para 75, mas em com­pen­sação a ban­ca­da de evangéli­cos no Sena­do Fed­er­al chegou a 13 par­la­mentares, o maior número da história. A con­tagem é do Depar­ta­men­to Inter­sindi­cal de Asses­so­ria Par­la­men­tar (Diap).

Leonar­do Bar­reto assi­nala que há difer­entes tonal­i­dades nes­sa rep­re­sen­tação e que a ban­ca­da evangéli­ca atua além da defe­sa de val­ores caros aos fiéis que são seus eleitores. “Eles querem trans­bor­dar para out­ros seg­men­tos.”

Mais do que serem “atores de veto” con­tra even­tu­ais pau­tas tidas como pro­gres­sis­tas e iden­titárias, as lid­er­anças evangéli­cas dese­jam se envolver mais com a agen­da econômi­ca. “Eles têm dito que são con­ser­vadores nos cos­tumes e que são lib­erais na econo­mia”, descreve Bar­reto.

O cien­tista políti­co é categóri­co ao diz­er que, inde­pen­den­te­mente da dis­pu­ta políti­ca, a ban­ca­da evangéli­ca defende o regime democráti­co. “É da natureza deles, está no DNA deles. Afi­nal de con­tas, essa ascen­são ao poder acon­tece jus­ta­mente depois de o país voltar a ter um regime democráti­co.”

Em razão de leg­is­lação local, o Dia do Evangéli­co é feri­ado em Alagoas e no Dis­tri­to Fed­er­al. É o caso tam­bém em municí­pios do Entorno do DF, como For­mosa, Luz­iâ­nia e Val­paraí­so.

Edição: Juliana Andrade

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