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Dia do Forró: Dominguinhos misturou ritmos e polêmicas, conta biógrafo

Obra do professor Gustavo Alonso, da UFPE, deve ser lançada em 2025

Luiz Clau­dio Fer­reira* – Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 13/12/2024 — 07:59
Brasília
Brasília (DF), 12/12/2024 - Dominguinhos. Foto: Dominguinhos/Arquivo Pessoal
Repro­dução: © Dominguinhos/Arquivo Pes­soal

Vem amor, vem can­tar
Pois meus olhos
Ficam queren­do chorar
Deixe a mágoa pra depois
O amor é mais impor­tante a dois

Os ver­sos da músi­ca San­fona Sen­ti­da, na voz e acom­pan­hados pelo dedil­har de Domin­guin­hos (1941–2013), inspi­raram o pro­fes­sor de história Gus­ta­vo Alon­so, da Uni­ver­si­dade Fed­er­al de Per­nam­bu­co (UFPE), para o títu­lo da biografia do artista nasci­do em Garan­huns (PE). A letra é de auto­ria de Anastá­cia, uma das prin­ci­pais par­ceiras profis­sion­ais, e tam­bém uma das com­pan­heiras de vida do músi­co.

Brasília (DF), 12/12/2024 - Biógrafo Gustavo Alonso, que fala sobre Dominguinhos. Foto: Gustavo Alonso/Arquivo Pessoal
Repro­dução: Bió­grafo de Domin­guin­hos, Gus­ta­vo Alon­so con­ver­sou com a Agên­cia Brasil — Gus­ta­vo Alonso/Arquivo Pes­soal

O livro, que deve ser lança­do no ano que vem pela edi­to­ra Todavia (com pre­visão de 380 pági­nas), traz detal­h­es sobre a inven­tivi­dade, a mis­tu­ra de rit­mos e até polêmi­cas da vida do artista que ficou con­heci­do como uma refer­ên­cia da san­fona e do for­ró, e um herdeiro musi­cal do “rei do baião”, o tam­bém per­nam­bu­cano Luiz Gon­za­ga (1912–1989). A data de nasci­men­to de Gon­za­gão, 13 de fevereiro, pas­sou a ser recon­heci­da como o Dia Nacional do For­ró

“[Essa imagem] de ele ser o herdeiro de Gon­za­gão era uma questão ten­sa para Domin­guin­hos pelo menos até a morte do Rei do Baião. Às vezes, ele abraça­va essa ideia. Às vezes, não”, disse o bió­grafo, que tam­bém é músi­co, em entre­vista à Agên­cia Brasil.

“Era um gênio. Muito humano, com fraque­zas, carên­cias, difi­cul­dades e capaci­dades. Um artista intu­iti­vo.”

Pandeiro em Garanhuns

A infân­cia humilde em Garan­huns, na déca­da de 1940, com os pais cam­pone­ses, pas­sou a ter um out­ro tom quan­do foi tocar com dois irmãos no cen­tro da cidade, o mais vel­ho, Moraes, e o mais novo, Val­domiro. “No total, a família teve 16 fil­hos e seis mor­reram. Em 1949, eles estavam tocan­do em frente ao Hotel Tavares Cor­rêa para ter din­heiro para o almoço. A ren­da da plan­tação não dava para todo mun­do”, expli­ca o pesquisador.

Brasília (DF), 12/12/2024 - Dominguinhos e Anastácia. Foto: Dominguinhos/Arquivo Pessoal
Repro­dução: Domin­guin­hos e Anastá­cia, par­ceira de vida e de com­posições — Dominguinhos/Arquivo Pes­soal

Foi quan­do o astro Luiz Gon­za­ga chamou o trio para tocar com ele. E deu aos meni­nos um tele­fone e um endereço no Rio de Janeiro. “Gon­za­ga fazia e fez isso com mui­ta gente. Na época, o Domin­guin­hos não toca­va san­fona, mas pan­deiro”.

Em 1954, a família foi para o Rio. Todos em cam­in­hão pau-de-arara. Domin­guin­hos ain­da era chama­do de Neném do Acordeon.

Depois de tra­bal­har até como tin­tureiro com seus 13 anos de idade, Domin­guin­hos procurou Gon­za­gão no Rio de Janeiro, gan­hou con­fi­ança e pas­sou a ser um faz-tudo do expe­ri­ente músi­co. “Com o tem­po, Domin­guin­hos pas­sou a bus­car um cam­in­ho próprio dele, fler­tan­do com o pes­soal da MPB, por exem­p­lo”. Ia além: mis­tu­ra­va for­ró com jazz e fazia um rit­mo de for­ma mais descon­struí­da, sobre­tu­do na obra instru­men­tal.

“Asa Branca”

Nas décadas de 1960 e 1970, o artista frus­trou quem imag­i­na­va que ele pode­ria ser uma voz con­tra a ditadu­ra, tal como Gon­za­gão, que não enfren­tou o regime de exceção em suas obras. A morte de Gon­za­gão e depois de Gon­za­guin­ha, em 1991, foi, para o pesquisador, fun­da­men­tal para ele aceitar, infor­mal­mente, o rótu­lo de herdeiro do Rei do Baião. Inclu­sive, nos anos 1990, ele rece­beu apoio estatal para um pro­je­to chama­do “Asa Bran­ca”, em que ele lev­a­va for­ró pelo país para cul­tu­ar a memória do músi­co que o desco­briu.

Brasília (DF), 12/12/2024 - Dominguinhos. Foto: Dominguinhos/Arquivo Pessoal
Repro­dução: José Domin­gos de Moraes, o Domin­guin­hos — Dominguinhos/Arquivo Pes­soal

Domin­guin­hos, difer­ente­mente do Gon­za­ga, nun­ca parou de gravar músi­ca instru­men­tal. “Nes­sas músi­cas, eu diria que estão as mais vir­tu­osís­ti­cas obras dele”, avalia o pesquisador. Depois, o artista pas­sou a assumir a imagem com um chapéu de vaque­iro e nun­ca deixou de usar. “Era mais comum ele apare­cer com roupas mod­er­nas, camisas flori­das, cabe­los grandes em um flerte com os trop­i­cal­is­tas”.

Amor e mágoa

O bió­grafo expli­ca que foi Anastá­cia (que era mais con­heci­da do que o par­ceiro) quem o ensi­nou a can­tar. Era uma relação profis­sion­al e amorosa em que as letras tam­bém mer­gul­havam em empol­gação ou melan­co­l­ia.

“Anastá­cia é uma com­pos­i­to­ra que ele con­hece em 1967 e tem um caso amoroso com ela. Eles viram amantes e ficam jun­tos até 1978”.

O tér­mi­no abrup­to deixou mágoa na artista, que foi entre­vis­ta­da pelo pesquisador. Hoje ela tem 83 anos de idade, vive em São Paulo (SP) e, segun­do o pesquisador, rev­ela detal­h­es da vida com Domin­guin­hos.

Brasília (DF), 12/12/2024 - Dominguinhos e Anastácia. Foto: Dominguinhos/Arquivo Pessoal
Repro­dução: Domin­guin­hos e Anastá­cia — Dominguinhos/Arquivo Pes­soal

Ela guardou tris­teza pro­fun­da, destru­iu fotografias com o anti­go par­ceiro, mas recon­hece que foi o amor da vida dela. As traições recor­rentes do artista, além de a desan­i­marem, foram inspi­rações para com­posições. Ficaram 30 anos sem se comu­ni­carem e só se encon­traram quan­do Domin­guin­hos desco­briu o câncer que iria matá-lo.

A história de amor clan­des­ti­na começou em uma turnê com Luiz Gon­za­ga. Depois, pas­saram a viv­er e se encon­trar em São Paulo. “Foi lá, inclu­sive, que com­puser­am Eu Só Quero um Xodó, que é um grande clás­si­co”.

“Antes, era Anastá­cia quem o lev­a­va para con­hecer as pes­soas. Ela era uma com­pos­i­to­ra. Ele com­pun­ha temas instru­men­tais”. A artista expli­ca­va como escol­her e desen­volver um tema, e voltar para o refrão. “Ela deu a régua e o com­pas­so para ele no mun­do da canção”, diz o bió­grafo. A parce­ria gan­ha os sons de baiões, xotes, for­rós e tam­bém boleros.

Sonoridades

A união musi­cal ren­deu dis­cos como Domin­go, Meni­no Domin­guin­hos (1976). Out­ros álbuns que o pesquisador desta­ca são Apôs, tá Cer­to (1979), Queru­bim (1981) e Sim­pli­ci­dade (1982).

“São os meus preferi­dos. A discografia dele é lon­ga. Depois tem a parce­ria com o Nuno Cordel tam­bém, em mea­d­os dos anos 1980, quan­do ele não tem mais a Anastá­cia. Ele se sep­a­ra dela em 1978 e tam­bém da esposa no Rio de Janeiro porque ele se apaixona por out­ra artista, Guadalupe, com quem ele ficou casa­do por cer­ca de dez anos”.

Domin­guin­hos, sem Anastá­cia, pas­sou a procu­rar com­pos­i­tores como Alceu Valença, Chico Buar­que, Dja­van e Gilber­to Gil. “Ele teve grandes par­ceiros”. Mas o artista apre­ci­a­va aque­les que respon­di­am rap­i­da­mente. Por isso, sen­tia fal­ta da anti­ga com­pan­heira.

Brasília (DF), 12/12/2024 - Milton Nascimento e Dominguinhos. Foto: Dominguinhos/Arquivo Pessoal
Repro­dução: Mil­ton Nasci­men­to e Domin­guin­hos — Dominguinhos/Arquivo Pes­soal

Protagonismo

Domin­guin­hos, na avali­ação do bió­grafo, trouxe uma feição nova para o gênero do Luiz Gon­za­ga. A san­fona que ele usou mais tem­po na vida foi um mod­e­lo Giuli­et­ti, íta­lo-amer­i­cana, que ele com­prou usa­da na Inglater­ra.

“Ele se encan­tou com aque­la sonori­dade”. E isso fez parte das trans­for­mações musi­cais dos anos 1970. “Ele é um agente fun­da­men­tal desse momen­to”.

O for­ró mis­tu­ra­do a out­ras influên­cias entoaram uma nova história para a músi­ca nordes­ti­na. O pesquisador afir­ma que não hou­ve um batismo ofi­cial de Rei do For­ró, mas con­sid­era que Domin­guin­hos aju­dou a moldar o rit­mo que é ouvi­do no sécu­lo 21.

“Hoje em dia, todo san­foneiro quer ter o instru­men­to igual do Domin­guin­hos”. E tam­bém a inven­tivi­dade de uma san­fona que não parou, que can­ta­va o amor, cel­e­bra­do com xodós, que “ale­gre meu viv­er” e pela bus­ca de estar “de vol­ta para um aconchego”.

*Com colab­o­ração de Cibele Tenório, da Rádio Nacional

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