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Dia do Leitor: falta de acessibilidade é desafio para formar leitores

Rota da Leitura
© Divulgação/Cultura RJ

Brasil perdeu 4,6 milhões de leitores entre 2015 e 2019

Pub­li­ca­do em 07/01/2021 — 06:05 Por Lety­cia Bond — Repórter da Agên­cia Brasil — São Paulo

O Brasil con­ta com 100,1 mil­hões de leitores, em um uni­ver­so de mais de 200 mil­hões de habi­tantes, e esse grupo vem dimin­uin­do com o pas­sar do tem­po. De acor­do com a últi­ma edição da pesquisa Retratos da Leitu­ra no Brasil, fei­ta com dados de 2019, reg­istrou-se uma difer­ença de 4,6 mil­hões de pes­soas em relação a 2015.

Os resul­ta­dos da pesquisa, elab­o­ra­da pelo Insti­tu­to Pró Livro e o Itaú Cul­tur­al, lem­bram alguns dos entrav­es para se man­ter o hábito de leitu­ra no país, que voltam à tona em datas como a comem­o­ra­da hoje (7), Dia do Leitor. A cel­e­bração é uma hom­e­nagem à fun­dação do jor­nal cearense O Povo, que foi cri­a­do em 7 de janeiro de 1928, pelo poeta e jor­nal­ista Demócrito Rocha.

Além do val­or dos livros, que os tor­nam arti­go de luxo para os mais pobres, e da cor­re­ria do dia a dia, que aca­ba difi­cul­tan­do o hábito da leitu­ra, ain­da fal­tam recur­sos de aces­si­bil­i­dade. Tal lacu­na tam­bém é perce­bi­da em um dos for­matos mais queri­dos dos brasileiros: os gibis ou as histórias em quadrin­hos. Jun­tos, eles rep­re­sen­tam uma parcela sig­ni­fica­ti­va de mate­r­i­al de leitu­ra com que o brasileiro tem con­ta­to todos os dias ou pelo menos uma vez por sem­ana, con­forme rev­ela a pesquisa Retratos da leitu­ra no Brasil.

A pesquisa mais recente do Insti­tu­to Pró-Livro e Itaú Cul­tur­al tam­bém mostrou que 2% dos entre­vis­ta­dos clas­si­fi­ca­dos como não leitores de livros infor­maram que a razão pela qual não ler­am nos últi­mos três meses foi porque têm prob­le­mas de saúde/visão. Entre os entre­vis­ta­dos qual­i­fi­ca­dos como leitores, a per­gun­ta não foi apli­ca­da.

Pesquisa

Os obstácu­los de se traduzir histórias em quadrin­hos para pes­soas com defi­ciên­cia visu­al foi o enfoque dado pelo pesquisador Vic­tor Capari­ca à sua tese de doutora­do, desen­volvi­da na Uni­ver­si­dade Estad­ual Paulista Júlio de Mesqui­ta Fil­ho (Une­sp). O tra­bal­ho venceu o Prêmio Une­sp de Teses na cat­e­go­ria Sociedades Plu­rais.

Capari­ca perdeu, primeiro, a visão de um olho ape­nas, tor­nan­do-se o que se chama de monoc­u­lar, até que, uma déca­da depois, acabou fican­do sem enx­er­gar de modo abso­lu­to. Ele inte­gra a parcela de 3,6% da pop­u­lação brasileira que tem defi­ciên­cia visu­al. Con­forme men­ciona o Insti­tu­to Brasileiro de Geografia e Estatís­ti­ca (IBGE), na Pesquisa Nacional de Saúde, 16% das pes­soas com esse tipo de defi­ciên­cia apre­sen­tam um grau muito severo, que os impede de realizar ativi­dades habit­u­ais, como ir à esco­la, tra­bal­har e brin­car.

Segun­do Capari­ca, a audiode­scrição não é algo semel­hante à tradução, mas con­siste, “cat­e­gori­ca­mente”, em traduzir. Isso sig­nifi­ca que impli­ca o mes­mo grau de per­calços e ques­tion­a­men­tos de out­ros tipos de tradução, como a literária. O proces­so que se con­figu­ra é “a trans­posição de um enun­ci­a­do de uma per­spec­ti­va visu­al (que uma pes­soa com defi­ciên­cia  visu­al não pode avaliar) para uma per­spec­ti­va não-visu­al”.

“Não há nen­hu­ma difer­ença qual­i­ta­ti­va ou quan­ti­ta­ti­va observáv­el entre a tradução de uma pes­soa que traduz um poe­ma de um idioma para out­ro e uma audiode­scrição, são os mes­mos desafios, a mes­ma ativi­dade, são as mes­mas com­petên­cias que se espera do profis­sion­al”, diz.

“Inclu­sive, na área de letras, é rel­a­ti­va­mente con­heci­do o ter­mo da tradução inter­semióti­ca e eu uso bas­tante essa expressão na pesquisa, que é jus­ta­mente quan­do você está traduzin­do um enun­ci­a­do de uma for­ma de con­strução de sen­ti­do, que a gente chama de semi­ose, de uma semi­ose pra out­ra. Então, é de uma for­ma de con­stru­ir sig­nifi­ca­dos pra out­ra for­ma de con­stru­ir sig­nifi­ca­do.”

Em seu tra­bal­ho acadêmi­co, Capari­ca pon­tua que aproveitar a sim­ples sucessão de quadros não seria o sufi­ciente para uma nar­ração, reflexão que fez a par­tir de sua dupla exper­iên­cia, como leitor de histórias em quadrin­hos visu­al e como con­sum­i­dor do pro­du­to audiode­scrito. E foi nesse sen­ti­do que dese­jou con­tribuir.

O pesquisador argu­men­ta, ain­da, que “a audiode­scrição exige a coop­er­ação entre um audiode­scritor que enx­er­ga e um con­sul­tor que não enx­er­ga”. Por isso, para desen­volver sua tese, a com­pan­heira de Capari­ca, Letí­cia Maz­zonci­ni Fer­reira, for­mou-se como audiode­scrito­ra para colab­o­rar com o pro­je­to.

“Quem con­some a audiode­scrição não pode pro­duzi-la, quem pre­cisa, seu públi­co-alvo. E quem a pro­duz não é seu públi­co-alvo. Isso cria uma lacu­na, um abis­mo comu­ni­ca­cional que pre­cisa ser suplan­ta­do. É necessário que se con­strua uma ponte por cima desse pre­cipí­cio que sep­a­ra o públi­co da pro­dução”, diz.

“Eu ain­da con­si­go cumprir, como profis­sion­al, uma série de papéis da audiode­scrição, por uma coin­cidên­cia de ele­men­tos da min­ha for­mação pes­soal e profis­sion­al, acabei acu­mu­lan­do algu­mas com­petên­cias múlti­plas na área de audiode­scrição. Além de ser con­sul­tor e pro­du­tor de con­teú­do audiode­scrito, sou tam­bém locu­tor profis­sion­al e tam­bém faço a parte de edição e mix­agem de áudio. Então, três quar­tos do tra­bal­ho com a pro­dução de audiode­scrição eu, como públi­co-alvo, con­si­go estar lá e faz­er, mas esse um quar­to que fal­ta é o papel mais impor­tante de todos, que é o de audiode­scritor, que faz efe­ti­va­mente a tradução”, emen­da.

Audiodescrição pelo mundo

Capari­ca desta­ca, em sua tese, três local­i­dades que con­sid­era avançadas, em ter­mos de audiode­scrição: os  Esta­dos  Unidos, o  Reino  Unido e a Espan­ha. No ter­ritório estadunidense, por exem­p­lo, o rádio foi fun­da­men­tal para a difusão desse tipo de téc­ni­ca, que começou pelo teatro, com peças sendo trans­mi­ti­das por diver­sas estações.

“Cos­tu­mo diz­er que a audiode­scrição começou com o rádio. Aí, você vai diz­er: radionov­ela. A radionov­ela não é o caso, porque já foi con­ce­bi­da para ser áudio, mas as locuções esporti­vas no rádio, não. O primeiro caso de audiode­scrição profis­sion­al que você vai encon­trar são os locu­tores fute­bolís­ti­cos, que fazi­am audiode­scrição em tem­po real do que esta­va acon­te­cen­do no está­dio. Sem dúvi­da, o rádio teve, em muitos lugares, uma relação muito próx­i­ma com a audiode­scrição e é ain­da subu­ti­liza­do nesse sen­ti­do. Se con­sid­er­ar a estru­tu­ra de pes­soas que tem um rad­in­ho FM em casa e, mes­mo quem não tem, quan­to cus­ta um hoje? Tem uma facil­i­dade de estru­tu­ra e de se trans­mi­tir esse con­teú­do de for­ma acessív­el e com tan­ta facil­i­dade por essa mídia, acho que é muito subu­ti­liza­da pelo que pode­ria ser, hoje, no sécu­lo 21”, pon­tua Capari­ca.

Enquan­to nos Esta­dos Unidos há uma lei fed­er­al que for­t­alece a con­sol­i­dação do recur­so, no Brasil, avalia ele, “a práti­ca é incip­i­ente”.

O que fal­ta, afir­ma, é a robustez e a esta­bil­i­dade de políti­cas públi­cas. Capari­ca afir­ma que a audiode­scrição no país ain­da pre­cisa ser apri­mora­da, emb­o­ra não este­ja “estag­na­da” e que a capac­i­tação profis­sion­al deve, nec­es­sari­a­mente, con­tem­plar deman­das especí­fi­cas do idioma.

“Não existe, nun­ca exis­tiu no Brasil uma políti­ca nacional para pes­soa com defi­ciên­cia. Políti­ca nacional não é pro­je­to de gov­er­no, porque isso, esse par­tido faz e o próx­i­mo des­faz. Políti­ca nacional é como se teve, por exem­p­lo, a de alfa­bet­i­za­ção no Brasil. Foi um pro­je­to que foi abraça­do e nen­hum gov­er­no que veio depois achou que fazia sen­ti­do des­faz­er. ”

Por isso, toda ini­cia­ti­va é sem­pre indi­vid­ual, pon­tu­al, é sem­pre quem con­segue faz­er algu­ma coisa e, den­tro dessas pos­si­bil­i­dades, dessa lim­i­tação, o que o Brasil con­seguiu faz­er foi pro­duzir audiode­scrição no começo desse sécu­lo só, colo­can­do a gente com cer­to atra­so na coisa. A gente demor­ou muito para reg­u­la­men­tar a profis­são de audiode­scritor. Um cur­so de audiode­scritor ain­da não tem nen­hu­ma reg­u­la­men­tação, então é feito de maneira muito infor­mal. Os mel­hores, inevi­tavel­mente, vão replicar o mod­e­lo de cur­sos do exte­ri­or já con­sagra­dos”, final­iza.

Retrato da leitura e o gosto por quadrinhos

Para obter os dados apre­sen­ta­dos no lev­an­ta­men­to do Insti­tu­to Pró Livro e do Itaú Cul­tur­al, equipes per­cor­reram 208 municí­pios, entre out­ubro de 2019 a janeiro de 2020. Ao todo, 8.076 pes­soas foram con­sul­tadas, sendo divi­di­das entre leitores, que são aque­les que ler­am um livro inte­gral ou par­cial­mente nos últi­mos três meses, e não leitores, clas­si­fi­cação que des­igna aque­les que declararam não ter lido nen­hum livro nos últi­mos 3 meses, mes­mo que ten­ha lido nos últi­mos 12 meses.

A sim­pa­tia pela Tur­ma da Môni­ca fica evi­dente nas respostas. Os gibis foram uma das 37 obras mais citadas. Além dis­so, Mau­rí­cio de Sousa, cri­ador dos per­son­agens do gibi, tam­bém figu­ra entre os autores mais lem­bra­dos e ado­ra­dos.

Tam­bém se obser­va que, entre estu­dantes, a pro­porção de gibis e histórias em quadrin­hos é maior (16%) do que a reg­istra­da entre não estu­dantes (8%). A média nacional é de 8%.

Pode-se imag­i­nar tam­bém que, ao estar na uni­ver­si­dade, os jovens acabem aban­do­nan­do os gibis e quadrin­hos, mas acon­tece exata­mente o opos­to. Ao todo, 14% dos entre­vis­ta­dos com esse nív­el de esco­lar­i­dade declararam que os leem, con­tra 13% das cri­anças que cur­sam o fun­da­men­tal I (1º a 4º série ou 1º ao 5º ano), 12% dos que estão no ensi­no fun­da­men­tal II (5º a 8º série ou 6º ao 9º ano) e 8% dos alunos do ensi­no médio.

Em relação à faixa etária, obser­va-se que os gru­pos que mais fol­heiam gibis e histórias em quadrin­hos são pes­soas com 5 a 10 anos de idade (22%) e de 11 a 13 anos (21%). As que man­i­fes­tam menos inter­esse são idosos com 60 anos ou mais (1%), com 50 a 59 (7%) e 30 a 39 (8%).

Edição: Aline Leal

Agên­cia Brasil / EBC


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