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Dia do Saci: professores e artistas resgatam guardião da floresta

Repro­dução: © Joéd­son Alves/Agência Brasil

Para pesquisadores, pouca visibilidade mostra cultura racista


Pub­li­ca­do em 31/10/2023 — 09:02 Por Luiz Cláu­dio Fer­reira — Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

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Men­sagem em inglês con­vi­dan­do para a fes­ta de Hal­loween nas esco­las não é uma cena de filme estrangeiro, mas de pos­síveis cenários de esco­las brasileiras em 2023. Nes­ta terça (31), Dia do Saci, é pos­sív­el que esse sím­bo­lo da cul­tura brasileira pos­sa, mais uma vez, sofr­er apaga­men­tos e que as cri­anças descon­heçam o que o per­son­agem lendário sig­nifi­ca além da imagem do meni­no pre­to com um gor­ro ver­mel­ho na cabeça. Saci, con­forme expli­cam os pesquisadores, é uma len­da que ensi­na cri­anças e adul­tos, e a negação desse mito espel­ha o racis­mo nacional de cada dia.

Segun­do pesquisadores ouvi­dos pela Agên­cia Brasil, con­tes­tar a destru­ição das nos­sas lendas é uma mis­são para a sociedade, uma ‘trav­es­sura’ ou uma ‘traquinagem’ necessárias para faz­er viv­er o meni­no cheio de ener­gia. “Um país que se hon­ra tem a cul­tura e a edu­cação interli­gadas. A gente sabe que o nos­so país tem difi­cul­dade de respeitar as cri­anças. Então, esse meni­no vem com uma roupagem de moleque, só que não é (ape­nas) um moleque”, diz a pesquisado­ra Nei­de Rafael.

Ela é uma das pro­fes­so­ras pio­neiras no Brasil no ensi­no da história e da cul­tura afro-brasileira pelo menos duas décadas antes de essa con­du­ta virar a Lei 10.639 (de 2003), que com­ple­tou 20 anos e deter­mi­na a inclusão dess­es assun­tos em sala de aula em prol de uma edu­cação antir­racista.

Guardião

Brasília (DF), 31/10/2023 - Mensagens em inglês convidando para a festa de Halloween nas escolas. Não, não se trata de uma cena de filme estrangeiro, mas de cenários possíveis de escolas brasileiras em 2023. Nesta terça (31), Dia do Saci, é possível que esse símbolo da cultura brasileira possa, mais uma vez, sofrer apagamentos e que as crianças desconheçam o que o personagem lendário significa além da imagem do menino preto com um gorro vermelho na cabeça. Saci, conforme explicam os pesquisadores, é uma lenda que ensina crianças e adultos, e a negação desse mito espelha o racismo nacional de cada dia. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Repro­dução: Brasília — Pesquisadores falam sobre Dia do Saci, comem­o­ra­do nes­ta nes­ta terça-feira, 31 de out­ubro — Foto Joéd­son Alves/Agência Brasil

Nei­de expli­ca que a len­da não está revesti­da de mal­dade. “O Saci tem uma atribuição. É o guardião da flo­ra e da fau­na. Ele pre­cisa ser apre­sen­ta­do aos estu­dantes como aque­le que preser­va a vida”, diz a pro­fes­so­ra. O Saci, então, rep­re­sen­ta a nos­sa ances­tral­i­dade, iden­ti­dade e val­ores.

“É aque­le que trans­gride e ques­tiona. Ele bus­ca a liber­dade para todos os oprim­i­dos”. A imagem do Saci com uma per­na tam­bém pode­ria ser uti­liza­da para inclusão, no enten­der da pro­fes­so­ra. “Opõe-se a qual­quer Hal­loween da vida, que não tem nada a ver com a gente”.

Duas pernas

Tam­bém pesquisador do tema, o pro­fes­sor de arte Edmar Gal­iza con­tex­tu­al­iza que o Saci Per­erê nasceu na mitolo­gia dos indí­ge­nas Guarani, na metade do sécu­lo 18. “Era uma figu­ra que tin­ha duas per­nas. Ele vivia nas matas para pro­tegê-las dos caçadores, saque­adores e destru­idores da flo­res­ta. O Saci é uma das fig­uras mais recon­heci­das e impor­tantes do fol­clore brasileiro”, afir­ma.

Mes­mo assim, e com a evolução da leg­is­lação, o país não foi capaz de alter­ar o racis­mo impreg­na­do. Para o pro­fes­sor, que faz doutora­do pela Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Rio Grande do Sul (UFRGS), no estu­do da con­strução da edu­cação antir­racista e decolo­nial, é “muito difí­cil” a esco­la estar fora do lugar social em que vive­mos. “A esco­la pode traz­er mudanças, mas não soz­in­ha. O racis­mo está em todas as nos­sas insti­tu­ições, por isso falam­os em “racis­mo estru­tur­al”, pois per­me­ia nos­sas insti­tu­ições cotid­i­ana­mente”. Essa lóg­i­ca aju­da a enten­der que a mar­gin­al­iza­ção da nos­sa cul­tura afro, indí­ge­na e híbri­da atua em prol da val­oriza­ção da cul­tura europeia e estadunidense. “As nos­sas refer­ên­cias vão sendo cada vez mais impor­tadas”.

Sincretismo

O pesquisador Edmar Gal­iza sug­ere, inclu­sive, que uma pos­si­bil­i­dade de o tema ser tra­bal­ha­do em sala de aula é lem­brar a origem da len­da e como a figu­ra do Saci foi se trans­fo­man­do. “Traz­er o tema para a sala de aula, para aumen­tar o uni­ver­so cul­tur­al e artís­ti­co dos e das estu­dantes, mostran­do a nos­sa cul­tura, nos­so fol­clore, nos­sas histórias e lendas”, exem­pli­fi­ca.

Brasília (DF), 31/10/2023 - ATENÇÃO FOTOGRAFIA MANIPULADA COM USO PHOTOSHOP PARA DAR MAIS REALIDADE AO PERSONAGEM DO FOLCLORE BRASILEIRO - Mensagens em inglês convidando para a festa de Halloween nas escolas. Não, não se trata de uma cena de filme estrangeiro, mas de cenários possíveis de escolas brasileiras em 2023. Nesta terça (31), Dia do Saci, é possível que esse símbolo da cultura brasileira possa, mais uma vez, sofrer apagamentos e que as crianças desconheçam o que o personagem lendário significa além da imagem do menino preto com um gorro vermelho na cabeça. Saci, conforme explicam os pesquisadores, é uma lenda que ensina crianças e adultos, e a negação desse mito espelha o racismo nacional de cada dia. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Repro­dução: Brasília — Dia do Saci é comem­o­ra­do em 31 de out­ubro — Foto Joéd­son Alves/Agência Brasil

Para a pro­fes­so­ra Nei­de Rafael, é necessário recor­dar que a len­da está lig­a­da à liber­dade e à democ­ra­cia do ser, que guar­da ele­men­tos do sin­cretismo cul­tur­al brasileiro. “O cachim­bo e a fumaça vêm com os indí­ge­nas. E o mito negro e africano são da maior importân­cia. Ele é ener­gia, um encan­ta­do, um orixá den­tro das religiões de matriz africana”.

Os pesquisadores enten­dem que a con­strução fei­ta pelo escritor Mon­teiro Loba­to sobre o Saci dis­torceu a len­da. “Essa figu­ra do meni­no negro de uma per­na só pas­sa prin­ci­pal­mente pela recri­ação do per­son­agem (no Sítio do Pica­pau Amare­lo)”, diz o pro­fes­sor Edmar Gal­iza.

O saci de Mon­teiro Loba­to colo­caria, na avali­ação de Nei­de, a len­da de “maneira pejo­ra­ti­va”. “O Saci é guardião, é ener­gia, liber­dade men­tal que todo ser humano tem , prin­ci­pal­mente, uma cri­ança pre­cisa ter”, diz. Para ela, é necessário val­orizar as raízes que fazem com que as cri­anças brin­quem de amare­lin­ha ou tra­va-lín­guas.

O Saci no palco

O Saci inspirou a com­pan­hia de teatro Andaime, do Dis­tri­to Fed­er­al, a recu­per­ar o espíri­to da len­da. Em um espetácu­lo elab­o­ra­do quan­do estavam em Por­tu­gal, “O Saci é uma Peça”, os artis­tas cri­aram uma história em que a len­da brasileira inva­dia o pal­co da Chapeuz­in­ho Ver­mel­ho.

A atriz Tatiana Bit­tar expli­ca que o tra­bal­ho é ence­na­do em esco­las e tam­bém em espaços aber­tos, como par­ques. “É uma peça cheia de brasil­i­dades. Nós temos em comum ser­mos ali­men­ta­dos pela mitolo­gia brasileira”.

Na peça do grupo, o Saci desmon­ta a história da Chapeuz­in­ho. A mon­tagem já com­ple­tou dez anos des­de que foi cri­a­da. Além da peça, a com­pan­hia criou um dis­co para con­tar a mes­ma história, mas adap­ta­da à lin­guagem radiofôni­ca.

Brasília (DF), 31/10/2023 - Mensagens em inglês convidando para a festa de Halloween nas escolas. Não, não se trata de uma cena de filme estrangeiro, mas de cenários possíveis de escolas brasileiras em 2023. Nesta terça (31), Dia do Saci, é possível que esse símbolo da cultura brasileira possa, mais uma vez, sofrer apagamentos e que as crianças desconheçam o que o personagem lendário significa além da imagem do menino preto com um gorro vermelho na cabeça. Saci, conforme explicam os pesquisadores, é uma lenda que ensina crianças e adultos, e a negação desse mito espelha o racismo nacional de cada dia. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Repro­dução: Brasília — Dia do Saci é comem­o­ra­do nes­ta  terça-feira, 31 de out­ubro. Pesquisadores falam sobre o per­son­agem — Foto Joéd­son Alves/Agência Brasil

O Saci dança tam­bém no emba­lo da híbri­da Ban­da BaianaSys­tem, de Feira de San­tana (BA). “Esse é out­ro aspec­to impor­tante em relação ao Saci: as recri­ações da figu­ra e do sig­nifi­ca­do dele”, diz o pro­fes­sor Edmar Gal­iza. Uma mis­tu­ra de reg­gae com gui­tar­ra e rit­mos afro-brasileiros em uma releitu­ra de nos­sa len­da em alto e bom som: ““O Saci Per­erê vai dançar numa per­na só/ Quem tá só, fica jun­to, quem tá jun­to, fica só”.

Edição: Graça Adju­to

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