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Dia dos Pais: tecnologias podem aproximar ou afastar os filhos

Repro­dução: © Val­ter Campanato/Agência Brasil

Paternidade ativa inclui estar alerta na presença e na ausência.


Publicado em 11/08/2024 — 08:09 Por Luiz Claudio Ferreira — Repórter da Agência Brasil — Brasília

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“Quan­do eu chegar da fac­ul­dade, eu ligo”. Nen­hu­ma men­sagem que chega ao tele­fone é triv­ial para o pipo­queiro Gil Lopes, de 58 anos, pai de seis fil­hos. “Tudo o que vem deles é impor­tante”. O potiguar, rad­i­ca­do em Brasília, man­tém no ouvi­do o fone em que ouve as men­sagens de áudio e as novi­dades sim­ples do dia a dia, uma for­ma de lidar com as saudades, des­de que os rapazes e as moças começaram a sair de casa para mudar de cidade e casar. Ele recebe mais men­sagens do que lig­ações, mas não se inco­mo­da. “A vida deles é cor­ri­da”, lamen­ta.

Brasília, (DF) , 08/08/2024 - Personagem - Gil Lopes (Pipoqueiro). Foto Valter Campanato/Agência Brasil.
Repro­dução: Brasília, (DF) , 08/08/2024 — Enquan­to vende pipoca, Gil Lopes usa os fones para ouvir men­sagens dos fil­hos — Val­ter Campanato/Agência Brasil

Diante do car­rin­ho da pipoca, ele diz que a tec­nolo­gia do celu­lar é o que garante a tran­quil­i­dade para tra­bal­har. Ele só tira o fone de ouvi­do para aten­der os clientes. O pipo­queiro, que mora na região admin­is­tra­ti­va de São Sebastião (DF), recor­da que já foi mais pre­ocu­pa­do com o que a tec­nolo­gia pode­ria causar. De fato, a tec­nolo­gia mexe tam­bém com a pater­nidade ati­va.

De acor­do com pesquisadores ouvi­dos pela Agên­cia Brasil, as evoluções tec­nológ­i­cas do celu­lar e inter­net alter­aram, de vari­adas for­mas, as relações famil­iares, incluin­do de pai e fil­hos. Um dess­es cam­in­hos é pos­i­ti­vo, já que a tec­nolo­gia aju­dou a prop­i­ciar prox­im­i­dades, con­forme avalia o neu­rol­o­gista pediátri­co Eduar­do Jorge Custó­dio da Sil­va, mem­bro do Grupo de Tra­bal­ho Saúde Dig­i­tal da Sociedade Brasileira de Pedi­a­tria (SBP).

“O pai pode estar via­jan­do e é pos­sív­el vê-lo por um vídeo. A tec­nolo­gia pode ser fun­da­men­tal. A gente tem um site chama­do Esse Mun­do Dig­i­tal, que é para con­sci­en­ti­zar sobre o uso da inter­net de for­ma éti­ca, saudáv­el, segu­ra e educa­ti­va”, afir­ma.

Tempo de presença

Segun­do a pesquisado­ra San­dra Rúbia da Sil­va, pro­fes­so­ra da pós-grad­u­ação em comu­ni­cação na Uni­ver­si­dade Fed­er­al de San­ta Maria (UFSM), os pais pre­cisam encon­trar tem­po para par­tic­i­par das ativi­dades com os fil­hos, seja online ou fora das telas.

“Na min­ha pesquisa, a gente con­seguiu obser­var que os pais veem que o uso do celu­lar está atre­la­do à pre­ocu­pação com a segu­rança dos fil­hos”. Mas, os fil­hos veem, segun­do a pesquisado­ra, a uti­liza­ção da tec­nolo­gia como uma opor­tu­nidade de uti­liza­ção das redes soci­ais, que colo­caram as relações famil­iares em “um novo pata­mar, de diver­sas for­mas, tan­to tro­ca de saberes, quan­to espe­cial­mente essas tro­cas de afe­to”, afir­ma a pro­fes­so­ra. Ela  inves­ti­ga, com uma abor­dagem antropológ­i­ca, as práti­cas rela­cionadas ao con­sumo de tele­fones celu­lares em per­ife­rias urbanas.

“Veja quan­tas men­sagens de Dia dos Pais vão estar nas redes soci­ais ago­ra neste domin­go”. Inclu­sive, que acar­retam o fenô­meno de que pais que não são hom­e­nagea­d­os com posta­gens podem sair magoa­d­os. “Imag­inemos, por exem­p­lo, um pai e um fil­ho que se afas­taram. A tec­nolo­gia pode facil­i­tar, por exem­p­lo, uma aprox­i­mação. Pode, enfim, res­gatar ou afas­tar.

“A tec­nolo­gia, em si, não faz nada. Afas­tar ou se aprox­i­mar tem a ver com os com­por­ta­men­tos humanos”.

Excesso de telas

Para a pro­fes­so­ra San­dra Rúbia da Sil­va, da UFSM, é necessário que os pais este­jam aten­tos para que, quan­do pre­sentes fisi­ca­mente, não este­jam “ausentes” e ape­nas lig­a­dos às redes soci­ais. Da mes­ma for­ma, os fil­hos devem ser chama­dos ao mun­do longe das telas, segun­do expli­ca o neu­rol­o­gista pediátri­co Eduar­do Jorge Custó­dio da Sil­va, da SBP.

Ele exem­pli­fi­ca que se tornou comum a cena de pais e cri­anças (e até bebês) com dis­pos­i­tivos móveis na mes­ma mesa. E nen­hu­ma palavra entre eles.

“Essa é uma imagem assus­ta­do­ra. A inter­net e as telas podem ser capazes de aprox­i­mar os dis­tantes. E, em com­pen­sação, afas­tar quem está próx­i­mo”.

O neu­rol­o­gista faz parte do grupo que elaborou um doc­u­men­to cien­tí­fi­co da enti­dade inti­t­u­la­do “Menos Telas e Mais Saúde”, no perío­do da pan­demia, e que deve ter uma nova ver­são no ano que vem.

“É muito impor­tante que a cri­ança, no seu desen­volvi­men­to, uti­lize o toque: veja, ouça, sin­ta o gos­to, prove o cheiro, abrace, caia no chão e viva como cri­ança”.

Contato e riscos

O médi­co expli­ca que o con­ta­to físi­co e o diál­o­go são fun­da­men­tais. “His­tori­ca­mente, os pais sem­pre foram um pouco mais afas­ta­dos na relação com os fil­hos. Mas isso mudou. Estar com a cri­ança é muito impor­tante. E a tela não pode ser a úni­ca for­ma de medi­ação de nen­hum con­ta­to”.

Essa ausên­cia pode ger­ar riscos emo­cionais na con­strução da per­son­al­i­dade.

“É impor­tante sair com as cri­anças e deixar o celu­lar para trás. Colo­car o tele­fone den­tro de uma caixa por pelo menos por uma hora. É pre­ciso cri­ar momen­tos de ‘detox’”.

Isso inclui, segun­do o neu­rol­o­gista da SBP, por exem­p­lo, con­tar para o fil­ho como foi o dia e abraçar sem­pre que pos­sív­el.

O neu­rol­o­gista aler­ta para a neces­si­dade das famílias estarem aten­tas à pos­si­bil­i­dade de dependên­cia dig­i­tal dos fil­hos. “Isso já é uma doença. A autori­dade pater­na e mater­na é impor­tante des­de o iní­cio do proces­so. A gente tem que ter autori­dade e as cri­anças e os ado­les­centes querem autori­dade”, apon­ta. E essa autori­dade deve ser exer­ci­da, segun­do os espe­cial­is­tas ouvi­dos, com o diál­o­go. “A dependên­cia dig­i­tal car­ac­ter­i­za-se por pre­juí­zos na vida social, esco­lar ou emo­cional. É pre­ciso  um apoio psi­cológi­co, mas tam­bém famil­iar”.

Aproximação

A psicólo­ga e pro­fes­so­ra Leila Cury Tar­di­vo, da Uni­ver­si­dade de São Paulo (USP), tam­bém reit­era que os pais devem uti­lizar a tec­nolo­gia para se aprox­i­mar. Como coor­de­nado­ra de  um pro­je­to de atendi­men­to social em São Paulo, o Apoiar, a pesquisado­ra, des­de a pan­demia, con­sta­tou a neces­si­dade das cri­anças e ado­les­centes se sen­tirem mais acol­hi­dos. “Os pais não são obri­ga­dos a resolver tudo. Mas a aprox­i­mação e o diál­o­go aju­dam muito”. Na pater­nidade ati­va, por exem­p­lo, ela defende que sejam respeitadas as dores, dúvi­das e inse­gu­ranças próprias das faixas etárias.

A pro­fes­so­ra desta­ca que a sociedade vive um con­tex­to de difer­entes con­sti­tu­ições famil­iares, e a par­tic­i­pação da pater­nidade ati­va é o esper­a­do para encar­ar os desafios.

“O pai pode ser muito impor­tante na vida do fil­ho. Não tem mais um lugar definido, mas pre­cisa com­par­til­har respon­s­abil­i­dades”.

É isso o que diz acred­i­tar tam­bém o agricul­tor e servi­dor públi­co aposen­ta­do Améri­co Oliveira, de 63 anos, tam­bém pai de seis fil­hos. Morador de área rur­al na região admin­is­tra­ti­va do Gama (DF), esper­a­va o ônibus para ir para casa e fica­va aten­to ao celu­lar para esper­ar qual­quer “oi” dos fil­hos.

Brasília, (DF) , 08/08/2024 - Personagem - Americo Oliveira ( Aposentado). Foto Valter Campanato/Agência Brasil.
Repro­dução: Brasília, (DF) , 08/08/2024 — Ameri­co Oliveira ten­ta faz­er com que fil­ho brinque com pés na ter­ra — Val­ter Campanato/Agência Brasil

Os mais vel­hos par­ti­ram para áreas urbanas e hoje tem em casa a esposa e o caçu­la de 11 anos. Ele ten­ta faz­er com que o meni­no brinque de pés no chão na ter­ra e de bola. “Lógi­co que ele pede o celu­lar para jogu­in­hos. Mas fico feliz que ele usa tam­bém para me man­dar men­sagens. É uma luta diária, mas gos­to de sen­tar ao lado dele para con­ver­sar sobre o que ele viu na tela”, sor­ri o pai.

Edição: Aline Leal

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