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Dino propõe que Lei da Anistia não vale para ocultação de cadáver

Ministro citou filme “Ainda Estou Aqui” na argumentação

Pedro Rafael Vilela — Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 15/12/2024 — 16:30
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Sessão plenária do STF. 29/02/2024 - Ministro Flávio Dino na sessão plenária do STF. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Repro­dução: © Rosinei Coutinho/SCO/STF

O min­istro do Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al (STF), Flávio Dino, recon­heceu o caráter con­sti­tu­cional e a reper­cussão ger­al sobre a pos­si­bil­i­dade, ou não, do recon­hec­i­men­to da anis­tia ao crime de ocul­tação de cadáver, con­sid­er­a­do um crime per­ma­nente, pois con­tin­ua se con­suman­do no pre­sente, quan­do não dev­i­da­mente esclare­ci­do.

A Lei da Anis­tia, de 1979, con­cedeu anis­tia, uma espé­cie de extinção de puni­bil­i­dade, a crimes políti­cos e out­ros rela­ciona­dos, entre 2 de setem­bro de 1961 e 15 de agos­to de 1979, perío­do que abrange boa parte ditadu­ra mil­i­tar brasileira (1964–1985). A decisão foi divul­ga­da neste domin­go (15).

Quan­do um caso é con­heci­do e jul­ga­do pelo STF com reper­cussão ger­al, a decisão pas­sa a ser apli­ca­da por todos os tri­bunais de instân­cias infe­ri­ores em casos semel­hantes.

O proces­so em questão tra­ta de uma denún­cia apre­sen­ta­da pelo Min­istério Públi­co Fed­er­al (MPF) ain­da em 2015, con­tra os ex-mil­itares do Exérci­to Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o Major Curió, e o tenente-coro­nel Lício Augus­to Ribeiro Maciel. Ambos estiver­am à frente de oper­ações con­tra mil­i­tantes de esquer­da que orga­ni­zaram uma guer­ril­ha de resistên­cia con­tra a ditadu­ra, na região do Aragua­ia, a Guer­ril­ha do Aragua­ia, na primeira metade da déca­da de 1970, nos chama­dos ‘anos de chum­bo’, perío­do de maior repressão políti­ca e autori­taris­mo estatal no país, coman­da­do pelas Forças Armadas. A denún­cia do MPF não foi acol­hi­da em primeira instân­cia nem no Tri­bunal Region­al Fed­er­al da 1ª Região (TRF1). Por isso, o órgão inter­pôs um Recur­so Extra­ordinário com Agra­vo (ARE), ago­ra admi­ti­do pelo STF.

“O debate do pre­sente recur­so se limi­ta a definir o alcance da Lei de Anis­tia relação ao crime per­ma­nente de ocul­tação de cadáver. Desta­co, de plano, não se tratar de pro­pos­ta de revisão da decisão da ADPF 153, mas sim de faz­er um dis­tin­guish­ing [dis­tinção] em face de uma situ­ação pecu­liar. No crime per­ma­nente, a ação se pro­trai [pro­lon­ga] no tem­po. A apli­cação da Lei de Anis­tia extingue a puni­bil­i­dade de todos os atos prat­i­ca­dos até a sua entra­da em vig­or. Ocorre que, como a ação se pro­lon­ga no tem­po, exis­tem atos pos­te­ri­ores à Lei da Anis­tia”, diz Dino em um tre­cho da decisão.

Segun­do ele, o tipo penal atribuí­do aos mil­itares neste con­tex­to per­siste no tem­po.

“O crime de ocul­tação de cadáver não ocorre ape­nas quan­do a con­du­ta é real­iza­da no mun­do físi­co. A manutenção da omis­são do local onde se encon­tra o cadáver, além de impedir os famil­iares de exercerem seu dire­ito ao luto, con­figu­ra a práti­ca crime, bem como situ­ação de fla­grante”, acres­cen­tou.

Em 2010, a Corte Inter­amer­i­cana de Dire­itos Humanos con­de­nou o Brasil pelo desa­parec­i­men­to força­do de 70 pes­soas lig­adas à guer­ril­ha. O tri­bunal inter­na­cional deter­mi­nou que o Brasil inves­ti­gasse, proces­sasse e punisse os agentes estatais envolvi­dos, e que local­izasse os restos mor­tais dos desa­pare­ci­dos.

O relatório da Comis­são Nacional da Ver­dade (CNV), de 2014, rev­el­ou que o Major Curió coor­de­nou um cen­tro clan­des­ti­no de tor­tu­ra con­heci­do como Casa Azul, em Marabá, no sul do Pará e atu­ou no Tocan­tins, tam­bém de for­ma clan­des­ti­na, na inves­ti­gação e cap­tura de mil­i­tantes con­trários à ditadu­ra durante a guer­ril­ha. Sebastião Curió mor­reu em 2022 e chegou a ser rece­bido pelo então pres­i­dente Jair Bol­sonaro no gabi­nete pres­i­den­cial, em 2020.

“Ainda estou aqui”

Na fun­da­men­tação da decisão, Flávio Dino chega a men­cionar o filme Ain­da estou aqui, dirigi­do por Wal­ter Salles e estre­la­do por Fer­nan­da Tor­res, que tra­ta da história de desa­parec­i­men­to do ex-dep­uta­do Rubens Pai­va durante a ditadu­ra, cujo cor­po jamais foi encon­tra­do.

“No momen­to pre­sente, o filme “Ain­da Estou Aqui” — deriva­do do livro de Marce­lo Rubens Pai­va e estre­la­do por Fer­nan­da Tor­res (Eunice) — tem comovi­do mil­hões de brasileiros e estrangeiros. A história do desa­parec­i­men­to de Rubens Pai­va, cujo cor­po jamais foi encon­tra­do e sepul­ta­do, sub­lin­ha a dor impre­scritív­el de mil­hares de pais, mães, irmãos, fil­hos, sobrin­hos, netos, que nun­ca tiver­am aten­di­dos seus dire­itos quan­to aos famil­iares desa­pare­ci­dos. Nun­ca pud­er­am velá-los e sepultá-los, ape­sar de bus­cas obsti­nadas como a de Zuzu Angel à procu­ra do seu fil­ho”, diz o voto do min­istro.

De acor­do com o STF, a decisão de Dino recon­hece a existên­cia de reper­cussão ger­al da matéria, com o obje­ti­vo de for­mar jurisprudên­cia na Corte se a Lei de Anis­tia se apli­ca a crimes que con­tin­u­am a se con­sumar até o pre­sente, como a ocul­tação de cadáver. A reper­cussão ger­al será ago­ra avali­a­da pelos demais min­istros em sessão vir­tu­al do Plenário.

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