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Disputa sobre Marco Temporal colocou Congresso e STF em lados opostos

Repro­dução: © Antônio Cruz/Agência Brasil

Organizações indígenas dizem que seus direitos foram violados


Pub­li­ca­do em 26/12/2023 — 07:59 Por Mar­i­ana Tokar­nia – Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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Em um ano de seca na Amazô­nia, tem­per­at­uras extremas, fome e desnu­trição de pop­u­lações indí­ge­nas, o Brasil dis­cute a redução das demar­cações das ter­ras indí­ge­nas. A tese do mar­co tem­po­ral foi declar­a­da incon­sti­tu­cional pelo Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al (STF), ain­da assim, dep­uta­dos e senadores a aprovaram no Con­gres­so Nacional.  

“Todo dia é dia de luta, é todo dia, não tem um dia que a gente está tran­qui­lo, que a gente está bem. Todo dia a gente tem vio­lações de dire­itos. É tra­bal­hoso sim, é cansati­vo, sim, mas a gente con­tin­ua na resistên­cia. Nós já fomos resistentes por mais de 500 anos, vamos con­tin­uar na resistên­cia”, diz a advo­ga­da indí­ge­na e asses­so­ra jurídi­ca da Coor­de­nação das Orga­ni­za­ções Indí­ge­nas da Amazô­nia Brasileira (Coiab) Cris­tiane Baré. Ela foi uma das juris­tas a faz­er a sus­ten­tação oral con­tra o mar­co tem­po­ral no Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al, em 2021.

Pela tese do Mar­co Tem­po­ral, os indí­ge­nas só terão dire­ito ao ter­ritório em que estavam na pro­mul­gação da Con­sti­tu­ição, em out­ubro de 1988. “Não faz sen­ti­do, porque nós somos os habi­tantes desse país, somos os primeiros habi­tantes orig­inários dessa ter­ra. Quan­do hou­ve a invasão do Brasil, nós está­va­mos aqui. Traz­er um mar­co é quer­er se des­faz­er de tudo que acon­te­ceu, com vio­lações de dire­itos que ocor­reram des­de a invasão, as reti­radas forçadas dos povos indí­ge­nas, o proces­so de vio­lên­cias que foram sofridas”, afir­ma a advo­ga­da.

Em 21 de setem­bro deste ano, o Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al invali­dou a tese, que enten­deu ir con­tra o que pre­vê a Con­sti­tu­ição brasileira. Mas a Câmara e o Sena­do aprovaram um pro­je­to de lei 8 dias após para incluir a tese do mar­co tem­po­ral em lei fed­er­al. Em out­ubro, o pres­i­dente Luiz Iná­cio Lula da Sil­va vetou par­cial­mente o pro­je­to aprova­do no Leg­isla­ti­vo, argu­men­tan­do que a tese já havia sido con­sid­er­a­da incon­sti­tu­cional. O Con­gres­so, no entan­to, der­rubou os vetos do pres­i­dente.

Após a der­ruba­da de vetos, tan­to orga­ni­za­ções indí­ge­nas, como a Artic­u­lação dos Povos Indí­ge­nas do Brasil (Apib) quan­to o próprio gov­er­no, começaram a elab­o­rar recur­sos para serem anal­isa­dos pelo STF.

Para gru­pos favoráveis ao mar­co tem­po­ral, como a Con­fed­er­ação da Agri­cul­tura e Pecuária do Brasil (CNA), sem o mar­co tem­po­ral cria-se uma inse­gu­rança jurídi­ca com a pos­si­bil­i­dade de “expro­pri­ar mil­hares de famílias no cam­po, que há sécu­los ocu­pam suas ter­ras, pas­san­do por várias ger­ações, que estão na roti­na diária para garan­tir o ali­men­to que chega à mesa da pop­u­lação brasileira e mundi­al”, argu­men­ta a enti­dade em nota após a decisão do STF.

Próximos passos

Segun­do o pro­fes­sor adjun­to de Dire­ito Con­sti­tu­cional da Uni­ver­si­dade do Esta­do do Rio de Janeiro Wal­lace Cor­bo, ago­ra o Brasil tem uma lei que con­traria o que diz a Con­sti­tu­ição, e que ten­ta atin­gir fatos que são ante­ri­ores à lei, ou seja, hoje os povos indí­ge­nas têm dire­ito às suas ter­ras inde­pen­den­te­mente do momen­to em que ocu­param.

“A gente tem, ao mes­mo tem­po, uma lei que diz o con­trário do que diz a Con­sti­tu­ição em matéria de ter­ras indí­ge­nas e a gente tem uma lei que ten­ta retroa­gir para ten­tar atin­gir atos jurídi­cos que já são per­feitos. Quais são ess­es atos? O dire­ito adquiri­do dos povos indí­ge­nas às suas ter­ras”, expli­ca.

Diante dessa situ­ação, de acor­do com Cor­bo, haverá a neces­si­dade de que, mais uma vez, haja uma declar­ação de incon­sti­tu­cional­i­dade dessa lei que pode vir do STF ou pode vir de qual­quer juiz que ven­ha a averiguar um proces­so demar­catório.

“Tan­to nos proces­sos demar­catórios que ten­ham sido judi­cial­iza­dos, nas ações que já estão em cur­so, qual­quer juiz e qual­quer tri­bunal pode declarar que essa lei é incon­sti­tu­cional para defend­er os dire­itos dos povos indí­ge­nas naque­les proces­sos”, avalia.

O pro­fes­sor diz que a lei já nasce incon­sti­tu­cional, no entan­to, legal­mente, o STF pode chegar a uma posição difer­ente. “Sem­pre pode haver agentes políti­cos, econômi­cos, soci­ais, que podem bus­car pres­sion­ar o tri­bunal a chegar a uma con­clusão con­trária. Ago­ra, não é esper­a­do que o STF chegue a uma posição difer­ente da que ele chegou há poucos meses. Então, é esper­a­do que não haja per­calços, que haja uma reafir­mação do STF do que ele já decid­iu recen­te­mente”.

Indenização

O STF definiu tam­bém a ind­eniza­ção para pro­pri­etários que rece­ber­am dos gov­er­nos fed­er­al e estad­ual títu­los de ter­ras que dev­e­ri­am ser con­sid­er­adas como áreas indí­ge­nas. O tri­bunal autor­i­zou a ind­eniza­ção prévia paga em din­heiro ou em títu­los de dívi­da agrária. No entan­to, o proces­so dev­erá ocor­rer em proces­so sep­a­ra­do, não condi­cio­nan­do a saí­da dos pos­seiros de ter­ras indí­ge­nas ao paga­men­to da ind­eniza­ção.

A ind­eniza­ção é tam­bém pre­ocu­pação das orga­ni­za­ções indí­ge­nas, segun­do a advo­ga­da Cris­tiane Baré. “Nos­sa pre­ocu­pação é quem invade ter­ritório indí­ge­na de boa-fé? Até onde vai essa boa-fé? Como se com­pro­va essa boa-fé? E essa questão par­al­isa o proces­so demar­catório. Mas até então, a princí­pio, serão proces­sos sep­a­ra­dos, mas isso ain­da é pre­ocu­pante porque os dire­itos orig­inários não têm preço, ninguém pode vender esse dire­ito. Essa é uma pre­ocu­pação muito grande do movi­men­to. E a gente sabe, na práti­ca, como isso vai ocor­rer”, expli­ca a advo­ga­da.

Já o pro­fes­sor Wal­lace Cor­bo ressalta que a Con­sti­tu­ição diz que não caberia ind­eniza­ção, mas o STF enten­deu que cabe, e a decisão deve ser cumpri­da. “Pre­su­min­do que exis­tam ocu­pantes de boa fé, o que o STF disse é que essa ind­eniza­ção não é uma ind­eniza­ção que condi­ciona a demar­cação, ou seja, o ocu­pante de boa fé vai ter que bus­car, ele mes­mo, em um proces­so admin­is­tra­ti­vo ou proces­so judi­cial o recon­hec­i­men­to da sua ocu­pação de boa fé e o paga­men­to da sua ind­eniza­ção”, expli­ca.

“É uma ind­eniza­ção que não tra­va o proces­so demar­catório, e cada uma dessas pes­soas que alegue que estaria de boa fé vai ter que bus­car no seu próprio proces­so”, diz.

De acor­do com o pro­fes­sor, o Poder Exec­u­ti­vo pode edi­tar uma por­taria ou um decre­to que crie parâmet­ros sobre essa boa fé, mas esse é um con­ceito que pre­sume que uma pes­soa não pode ter con­hec­i­men­to de que está ocu­pan­do a ter­ra de ter­ceiros.

Segun­do a Fun­dação Nacional do Povos Indí­ge­nas (Funai), as 736 ter­ras indí­ge­nas reg­istradas rep­re­sen­tam 13% do ter­ritório brasileiro, o que total­iza aprox­i­mada­mente 117 mil­hões de hectares. De acor­do com o últi­mo cen­so do Insti­tu­to Brasileiro de Geografia e Estatís­ti­ca (IBGE), o Brasil tem quase 900 mil indí­ge­nas, dis­tribuí­dos em 305 etnias.

Edição: Fer­nan­do Fra­ga

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