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DPU pede anistia coletiva para camponeses por violações na ditadura

Repro­dução: © Memo­r­i­al (MLLC)/Divulgação

Requerimento foi protocolado no Ministério de Direitos Humanos


Publicado em 04/06/2024 — 06:45 Por Camila Boehm — Repórter da Agência Brasil — São Paulo

A Defen­so­ria Públi­ca da União (DPU), jun­to com a orga­ni­za­ção não gov­er­na­men­tal Memo­r­i­al das Lig­as e Lutas Cam­pone­sas (MLLC) da Paraí­ba, solic­i­tou ao gov­er­no fed­er­al a anis­tia cole­ti­va para as Lig­as Cam­pone­sas do esta­do. O obje­ti­vo é recon­hecer e reparar as graves vio­lações de dire­itos humanos sofridas pelos tra­bal­hadores rurais durante a ditadu­ra mil­i­tar no país.

Segun­do a DPU, as Lig­as Cam­pone­sas, for­madas por tra­bal­hadores rurais que lutavam por refor­ma agrária e mel­hores condições de vida, foram alvo de perseguições, tor­turas, desa­parec­i­men­tos força­dos e assas­si­natos. O doc­u­men­to cita casos como os de João Pedro Teix­eira, Pedro Fazen­deiro e Nego Fuba, demon­stran­do a bru­tal­i­dade da repressão do Esta­do e de milí­cias pri­vadas. De acor­do com o órgão, a repressão “não foi ape­nas uma série de ações iso­ladas, mas parte de uma políti­ca sis­temáti­ca de con­t­role social e elim­i­nação de opos­i­tores ao regime”.

Esta é a primeira vez que um pedi­do de anis­tia cole­ti­va da DPU é dire­ciona­do à questão da refor­ma agrária, con­forme apon­tou o defen­sor públi­co fed­er­al Bruno Arru­da, coor­de­nador exec­u­ti­vo do Obser­vatório Nacional de Memória, Ver­dade e Justiça de Tran­sição do órgão, em entre­vista à Agên­cia Brasil. “Esse pedi­do tem uma relevân­cia par­tic­u­lar porque ele recon­hece que o Esta­do atu­ou com vio­lên­cia con­tra essas pes­soas que estavam lutan­do por refor­ma agrária.”

“Tin­ha cole­tivos orga­ni­za­dos naque­le perío­do que estavam lutan­do por refor­ma agrária e dire­itos tra­bal­his­tas no cam­po. E eles eram dura­mente repreen­di­dos tan­to pela polí­cia quan­to por milí­cias par­tic­u­lares, com conivên­cia da polí­cia. Isso já acon­te­cia antes, e, quan­do veio o golpe mil­i­tar, piorou”, rela­tou o defen­sor. O pedi­do de anis­tia cole­ti­va se ref­ere a vio­lações cometi­das especi­fi­ca­mente no perío­do de 1958 a 1981.

Pro­to­co­la­do no Min­istério de Dire­itos Humanos e da Cidada­nia (MDHC) em 17 de maio, o requer­i­men­to será obje­to de análise pela Comis­são de Anis­tia a fim de sub­sidiar a decisão do min­istro. O pedi­do está embasa­do em relatório de provas, com base em doc­u­men­tos do Serviço Nacional de Infor­mações (SNI), fichas do Depar­ta­men­to de Ordem Políti­ca e Social (Dops) e relatos da Comis­são Nacional da Ver­dade, que detal­ham essa repressão vio­len­ta.

Pres­i­den­ta do Memo­r­i­al das Lig­as e Lutas Cam­pone­sas (MLLC), Alane Lima apon­ta que o que os cam­pone­ses mais esper­am do gov­er­no fed­er­al é que seja fei­ta a refor­ma agrária, além do recon­hec­i­men­to de par­tic­i­pação do Esta­do na perseguição da classe.

Brasília (DF) 04/06/2024 -Personagem Alane Lima - DPU pede anistia coletiva para camponeses por violações na ditaduraFoto: Alane Lima/Arquivo Pessoal
Repro­dução: Alane Lima. Foto: Alane Lima/Arquivo Pes­soal

“A reparação agrária é necessária. A gente dese­ja demais que essa anis­tia cole­ti­va ven­ha acom­pan­ha­da de uma demar­cação de ter­ra para aque­les e para aque­las que têm seus dire­itos bási­cos vio­la­dos, que é o dire­ito à ter­ra”, disse a cam­pone­sa.

Após quase 40 anos do fim da ditadu­ra mil­i­tar no país, Alane ressalta que as vio­lações de dire­itos de cam­pone­sas ain­da per­manecem. “A maior vio­lação de dire­itos humanos é cam­ponês sem ter­ra, é aque­le que pro­duz não ter um pedaço de ter­ra para pro­duzir e garan­tir a ali­men­tação base da sua família.” Ela lamen­ta a fal­ta de aces­so a dire­itos bási­cos. “A gente está local­iza­do numa comu­nidade tradi­cional em que há diver­sas famílias que ain­da vivem em casa de taipa e vivem em condições de mora­dia desumanas”, acres­cen­ta.

Entre as medi­das de reparação solic­i­tadas pela DPU, estão o recon­hec­i­men­to públi­co das vio­lações cometi­das, a imple­men­tação de políti­cas especí­fi­cas de refor­ma agrária, a demar­cação e desapro­pri­ação de ter­ras para fins de refor­ma agrária e a recu­per­ação de arquiv­os históri­cos que doc­u­men­tam as atro­ci­dades cometi­das con­tra os cam­pone­ses.

“Um dos elementos mais importantes da anistia coletiva é o pedido de desculpas, o Estado brasileiro reconhecer que perseguiu aquelas pessoas ilegitimamente, porque a luta delas era legítima. Na sequência, vem, por exemplo, que seja implementada uma política de reforma eficiente e pedir celeridade nos processos de anistia individual das pessoas do campo”, explicou o defensor público federal Bruno Arruda.

Brasília 03/06/2024 - Defensor público federal Bruno Arruda, coordenador executivo do Observatório Nacional de Memória, Verdade e Justiça de Transição da DPU
Repro­dução Defen­sor públi­co fed­er­al Bruno Arru­da. Defen­so­ria Pública/ASCOM
A con­cessão de uma anis­tia cole­ti­va seria uma for­ma de justiça e reparação para cen­te­nas de cam­pone­ses impacta­dos. Para Arru­da, o perío­do de perseguição aos tra­bal­hadores rurais rep­re­sen­tou um atra­so na luta pela refor­ma agrária. Segun­do ele, o requer­i­men­to ao gov­er­no fed­er­al é uma ten­ta­ti­va tam­bém de revert­er o atra­so cau­sa­do na época, que se reflete na condição atu­al dos cam­pone­ses.

“Esse perío­do de vio­lên­cia atra­sou toda a dis­cussão, todo o debate, toda a imple­men­tação de uma políti­ca efe­ti­va de refor­ma agrária no país. Então, o recon­hec­i­men­to de que a luta pela refor­ma agrária foi inter­romp­i­da nesse perío­do e foi suprim­i­da no perío­do da ditadu­ra pode levar a uma tendên­cia de acel­er­ação ao que se tem hoje”, disse.

A fal­ta de incen­ti­vo para per­manên­cia no cam­po é um dos obstácu­los para as famílias de cam­pone­ses ain­da hoje. “A par­tir do assen­ta­men­to, se não hou­ver uma políti­ca de incen­ti­vo para garan­tir que se per­maneça no cam­po, a tendên­cia é que essas famílias não con­sigam. E não con­seguem não é porque não querem, não con­seguem é porque a estru­tu­ra não per­mite que elas con­tin­uem no cam­po garan­ti­n­do uma qual­i­dade de vida para elas e para suas famílias”, disse Alane Lima. Alguns exem­p­los são políti­cas públi­cas de com­er­cial­iza­ção e crédi­to, além de políti­cas de saúde, edu­cação e mora­dia dire­cionadas aos cam­pone­ses.

“No memo­r­i­al, a gente iden­ti­fi­cou que ain­da há famílias que vivem em sis­tema de cam­bão. Para poder ter a mora­dia no municí­pio de Sapé, isso em uma deter­mi­na­da fazen­da, o pro­pri­etário dá uma mora­dia e, em tro­ca, [a família] tem que prestar dias de serviço de for­ma gra­tui­ta para o dono da ter­ra. Uma práti­ca que se ten­tou extin­guir nas décadas de 50 e 60, e ela é real, está [acon­te­cen­do] hoje em pleno sécu­lo 21, em pleno ano de 2024, num municí­pio que foi berço das lig­as cam­pone­sas”, rela­tou.

Edição: Juliana Andrade

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