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Dramas humanos se acumulam em tragédia da Braskem, em Maceió

Repro­dução: © Gésio Passos/Agência Brasil

Moradores e comerciantes repensam a vida após desocupação de bairros


Pub­li­ca­do em 02/12/2023 — 16:56 Por Gésio Pas­sos — Repórter da Rádio Nacional — Maceió

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Mutange, Bebedouro, Pin­heiro, Bom Par­to e Farol. Ess­es são os bair­ros “fan­tas­mas” no entorno da lagoa do Mundaú, em Maceió, que foram evac­ua­dos pelo risco de desaba­men­to recor­rente da explo­ração min­er­al de sal-gema pela empre­sa petro­quími­ca Braskem.

Des­de 2019, quase 60 mil pes­soas tiver­am que deixar suas casas pelo medo dos tremores de ter­ra que cri­aram rachaduras nos imóveis da região. Segun­do o Serviço Geológi­co do Brasil (CPRM), a explo­ração de 35 minas de sal-gema pela Braskem foi a respon­sáv­el por deixar mil­hares de pes­soas desabri­gadas e trans­for­mar bair­ros antes movi­men­ta­dos e pop­u­losos em lugares prati­ca­mente deser­tos.

Des­de últi­ma quar­ta-feira (29), os moradores da parte dos bair­ros que não foram evac­ua­dos estão em aler­ta. Uma decisão judi­cial lev­ou a reti­ra­da de 23 famílias que ain­da resis­ti­am ao despe­jo no bair­ro do Pin­heiro. Segun­da a Defe­sa Civ­il, a área da mina número 18 ameaça desabar a qual­quer momen­to, com poten­cial de cri­ar uma crat­era maior que o está­dio do Mara­canã.

Mas em algu­mas ruas dess­es bair­ros o trân­si­to ain­da é lib­er­a­do. Segu­ranças par­tic­u­lares, con­trata­dos pela Braskem, vigiam os mais de 15 mil imóveis, hoje total­mente aban­don­a­dos. Os locais pas­saram a ser pro­priedades da empre­sa após paga a ind­eniza­ção, que ain­da é con­tes­ta­da por parte dos moradores.

Bairro “desapareceu”

Nes­sas ruas, casas, lojas e até pré­dios inteiros tiver­am as por­tas e janelas sub­sti­tuí­das por tijo­lo e cimen­to, crian­do muros que impe­dem a entra­da de quem pos­sa bus­car algo de val­or que os moradores tivessem deix­a­do para trás. Em muitos casos, os imóveis foram cer­ca­dos com pla­cas de alumínio que cobrem as fachadas.

O mato cresce fora e den­tro das casas, que apre­sen­tam sinais de des­gaste e depredação. Os muros são mar­ca­dos por uma série de números pin­ta­dos em ver­mel­ho, que indicam os reg­istros de des­ocu­pação. Em algu­mas fachadas, há tam­bém pichações; um protesto con­tra a Braskem e o poder públi­co, ou mes­mo desabafos, lamen­tos pela dor de quem teve que seguir a vida longe do lugar que ama­va.

A Rua Pro­fes­sor José da Sil­veira Cameri­no, que cor­ta o bair­ro do Pin­heiro e está na região da área da mina 18, é um retra­to de des­ocu­pação e ao mes­mo tem­po de resistên­cia. De um lado da rua, sem avi­so de inter­dição, parte do comér­cio local ain­da resiste, como um pos­to de gasoli­na e uma praça com ambu­lantes. Do out­ro do lado, o cenário é o inver­so: tudo fecha­do. Nes­ta quin­ta-feira (30), até o Hos­pi­tal do Sanatório, que fica tam­bém nes­sa rua, trans­feriu pacientes para out­ras unidades de saúde às pres­sas, diante da pos­si­bil­i­dade de desaba­men­to da mina 18.

Maceió (AL) 02.12.2023, Bairros com risco de afundamento desocupados em Maceió. Minas da Braskem. Foto: Gésio Passos/Agência Brasil
Repro­dução: Mateus Cos­ta man­tém aber­ta a loja de autopeças, mas a ofic­i­na, do out­ro lado da rua, foi inter­di­ta­da. Foto: Gésio Passos/Agência Brasil

O com­er­ciante Mateus Cos­ta tem uma loja de autopeças de um lado da Rua Pro­fes­sor José da Sil­veira Cameri­no e uma ofic­i­na mecâni­ca do out­ro, uma na frente da out­ra. A ofic­i­na aman­heceu, nes­ta sex­ta-feira (1), iso­la­da, com avi­so de inter­dição pela Defe­sa Civ­il. Seu sen­ti­men­to é de desalen­to.

“Você imag­i­na estar situ­a­do num bair­ro e o bair­ro todo desa­pare­cer? Não existe mais o bair­ro, não tem mais nada. O comér­cio caiu 80%. A par­tir do momen­to que o seu fat­u­ra­men­to cai, você já não con­segue man­ter o mes­mo padrão que você tin­ha. Isso mexe com você de todo jeito. Psi­co­logi­ca­mente, eu estou arrasa­do. Falam que homem não cho­ra, mas tem que chorar um pouquin­ho”, desabafa.

Mateus foi despe­ja­do de sua casa logo em 2019, mas con­seguiu adquirir um imóv­el com a ind­eniza­ção da Braskem no mes­mo bair­ro, o que segun­do ele hoje é tare­fa bem difí­cil. O mer­ca­do imo­bil­iário da cidade ficou infla­ciona­do com o deslo­ca­men­to força­do de tan­ta gente.

Manuela Rodrigues, de 79 anos, nasci­da e cri­a­da no Pin­heiro, mora per­to das lojas de Mateus. Enquan­to os fun­dos do imóv­el servem como casa, a frente abri­ga uma peque­na mer­cearia, hoje bas­tante esvazi­a­da. Não há clientes para movi­men­tar o comér­cio.

“É triste para quem nasceu, viveu e ain­da está viven­do aqui. O que está se tor­nan­do é uma tris­teza. Eles estão dizen­do que aqui, essa parte nos­sa, não tem área de risco. Fica uma inter­ro­gação, será que não vai acon­te­cer nada aqui? Porque tem do out­ro lado da rua e no meu lado não tem? Aí eu fico pen­san­do nis­so”, ques­tiona.

Manuela diz que a úni­ca ale­gria que ain­da restou no lugar é a vista no bair­ro do Pin­heiro. “Nos­so pôr do sol ain­da é muito lin­do, você vê a lagoa [do Mundaú] e o pôr do sol”.

Cle­ber Bez­er­ra tam­bém morou no bair­ro a vida toda e teve que sair quan­do os tremores começaram. Con­seguiu com­prar uma casa em uma região mais dis­tante do Cen­tro da cidade, o bair­ro do Tab­uleiro dos Mar­tins, depois de mais de um ano viven­do do aluguel pago pela Braskem. Aposen­ta­do, com 62 anos, visi­ta os ami­gos com fre­quên­cia no Pin­heiro. Ele rela­ta ter difi­cul­dades para socializar no novo bair­ro.

“Para mim não foi bom não. Antes era 10 min­u­tos até o cen­tro [de Maceió]. Ago­ra, onde eu moro é a 40 min­u­tos. Tin­ha amizades, con­hec­i­men­to, aqui era tudo per­to. A gente foi obri­ga­do a sair, né? Você nasce no bair­ro, cresce no bair­ro, faz as amizades. Quan­do você vai para out­ro bair­ro, começa tudo de novo, começa do zero, não é mais a mes­ma coisa”, lamen­ta.

Maceió (AL) 02.12.2023, Bairros com risco de afundamento desocupados em Maceió. Minas da Braskem. Foto: Gésio Passos/Agência Brasil
Repro­dução: Entradas de casas e lojas des­ocu­padas foram conc­re­tadas para evi­tar invasões e saques. Foto: Gésio Passos/Agência Brasil

“Cena de guerra”

Em frente ao Hos­pi­tal do Sanatório, Mário dos San­tos tem sua bar­ra­ca de acara­jé há 30 anos. Ven­dia até 200 unidades do quitute por dia antes do “pesade­lo” da Braskem. Hoje, comem­o­ra quan­do con­segue vender 50.

“Não tem mais movi­men­to, fechou o hos­pi­tal. Fica difí­cil a vida da gente. Já me pedi­ram para sair daqui, a prefeitu­ra avi­sou que aqui ago­ra é da Braskem. É uma revol­ta, ago­ra pen­so até sair daqui, já que vai fechar tudo e não vai ter ninguém. Parece uma cena de guer­ra aqui. A galera toda está com medo, medo de afun­dar e mor­rer todo mun­do. No risco, a gente tem que ficar porque é o gan­ha-pão do dia a dia”.

A história se repete com o feirante Givanil­do Cos­ta. Ele teve que deixar sua casa no bair­ro do Bebedouro, viz­in­ho ao Pin­heiro. Ele diz que a situ­ação abalou seu irmão, que tin­ha uma mecâni­ca no Pin­heiro. Com fechamen­to da loja, veio a tris­teza e a depressão, o que piorou a situ­ação da dia­betes, que o lev­ou à per­da da visão.

“O meu irmão ficou em depressão porque ele tin­ha uma ofic­i­na que aqui no Bebedouro, ele tin­ha uma ren­da uns seis mil por mês, e [depois da mudança] chegou a gan­har nem um salário mín­i­mo por mês, tudo por causa da Braskem. Está com depressão, dia­betes, der­rame, cego, só vê o vul­to”.

Os dados da Defe­sa Civ­il apon­tam o afun­da­men­to da mina 18 em quase 2 met­ros de afun­da­men­to só nes­ta sem­ana.

A Braskem con­fir­ma que pode ocor­rer um grande desaba­men­to da área, mas a mina tam­bém pode se aco­modar. A Defe­sa Civ­il da prefeitu­ra de Maceió pede que a pop­u­lação não cir­cule pelas áreas de risco. A petro­quími­ca diz que já foi pago R$ 3,7 bil­hões em ind­eniza­ções e auxílios finan­ceiros para moradores e com­er­ciantes dess­es bair­ros. Mas a úni­ca certeza, até o momen­to, é que parte da região con­tin­uará fan­tas­ma no meio da cap­i­tal alagoana.

Edição: Marce­lo Brandão

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