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ECA, 34 anos: proteção digital de crianças é principal desafio

Repro­dução: © Antônio Cruz/Agência Brasil

Especialistas alertam para fiscalização no uso desta nova tecnologia


Publicado em 13/07/2024 — 15:33 Por Rafael Cardoso — Repórter da Agência Brasil — Rio de Janeiro

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Cri­a­do para garan­tir dire­itos e a pro­teção de pes­soas com menos de 18 anos, o Estatu­to da Cri­ança e do Ado­les­cente (ECA) com­ple­ta 34 anos hoje (13). O mar­co leg­isla­ti­vo, de 13 de jul­ho de 1990, per­mi­tiu avanços impor­tantes nas áreas de edu­cação e de saúde infan­til, além da cri­ação de órgãos como os Con­sel­hos Tute­lares e as Varas da Infân­cia e Juven­tude.

Hoje, surgem novos desafios que na déca­da de 1990 eram inex­pres­sivos ou inex­is­tentes. A pro­teção das cri­anças e ado­les­centes no ambi­ente dig­i­tal é um deles. Espe­cial­is­tas e autori­dades no tema aler­tam para a neces­si­dade de ampli­ar as for­mas de edu­cação, con­sci­en­ti­za­ção e fis­cal­iza­ção no uso das novas tec­nolo­gias.

“Sem o letra­men­to dig­i­tal, sem o super­vi­sion­a­men­to, à mer­cê de dinâmi­cas mer­cadológ­i­cas e em sub­sti­tu­ição a condições saudáveis de desen­volvi­men­to, o uso inad­e­qua­do da inter­net pode se tornar um meio de adoec­i­men­to físi­co e men­tal sig­ni­fica­ti­vo. É por recon­hecer esse cenário múlti­p­lo que falar de infân­cias e juven­tudes hoje pas­sa nec­es­sari­a­mente por um debate sobre o uso con­sciente de telas e dis­pos­i­tivos, e a vio­lên­cia no ambi­ente dig­i­tal, que reor­ga­ni­za respon­s­abil­i­dades entre gov­er­no, sociedade, empre­sas e famílias”, disse a pres­i­den­ta do Con­sel­ho dos Dire­itos da Cri­ança e do Ado­les­cente (Conan­da), Mari­na de Pol Poni­was, em sem­i­nário real­iza­do pelo Min­istério dos Dire­itos Humanos e da Cidada­nia (MDHC) em Brasília, na últi­ma quin­ta-feira.

Rena­ta Escud­ero, advo­ga­da, mestre em dire­itos humanos e coor­de­nado­ra do escritório da Human Rights Watch no Brasil, desta­ca os peri­gos sobre o uso inad­e­qua­do de dados dig­i­tais de cri­anças e ado­les­centes. Um deles é o de ali­men­tar fer­ra­men­tas de inteligên­cia arti­fi­cial (IA) que podem, entre out­ros prob­le­mas, ger­ar ima­gens e vídeos sex­u­ais fal­sos.

“A gente dev­e­ria olhar mel­hor para a pro­teção de dados. Essas tec­nolo­gias [como as de IA] avançam em uma veloci­dade que a leg­is­lação muitas vezes não con­segue alcançar. É o que a gente está viven­do ago­ra. Elas têm por base a vio­lação dos dados, ao não respeitar a pri­vaci­dade de cri­anças e ado­les­centes. Dev­eríamos proibir a pro­dução de répli­cas dig­i­tais não con­sen­suais ou manip­u­lação de ima­gens de cri­anças. Quan­to mais explíc­i­tos e pro­te­tivos for­mos em relação aos dados dos ado­les­centes na leg­is­lação, mais seguras nos­sas cri­anças vão estar online”, disse Rena­ta Escud­ero durante o even­to.

O advo­ga­do Mar­cos Ehrhardt Júnior, vice-pres­i­dente da Comis­são Nacional de Família e Tec­nolo­gia do Insti­tu­to Brasileiro de Dire­ito de Família (IBDFAM), con­cor­da que existe um descom­pas­so entre as reg­u­lações e o uso das platafor­mas dig­i­tais.

“A veloci­dade dos avanços tec­nológi­cos e a dis­sem­i­nação do ambi­ente dig­i­tal é um desafio em todo o mun­do, em espe­cial para o Poder Leg­isla­ti­vo. No momen­to, o Poder Judi­ciário vem-se val­en­do de princí­pios gerais e da inter­pre­tação dos oper­adores jurídi­cos para enfrentar a cres­cente deman­da de inter­venção para pro­teção de dire­itos fun­da­men­tais no ambi­ente dig­i­tal”, disse o advo­ga­do ao site do IBDFAM. “Enten­der o fun­ciona­men­to das platafor­mas, tomar ciên­cia dos prin­ci­pais aspec­tos dos seus ter­mos de uso e bus­car infor­mação sobre o mar­co reg­u­latório de pro­teção de dados pes­soais, inau­gu­ra­do com o adven­to da Lei Ger­al de Pro­teção de Dados, seria um óti­mo começo”.

Resolução do Conanda

No iní­cio de abril desse ano, o Conan­da pub­li­cou um con­jun­to de nor­mas sobre dire­itos das cri­anças e ado­les­centes em ambi­ente dig­i­tal, a Res­olução 245/2024. Ela tra­ta do com­bate à exclusão dig­i­tal, mas tam­bém traz deter­mi­nações sobre pro­teção.

O tex­to dela afir­mam que todos os menores de 18 anos devem ter dire­ito de aces­so a “tec­nolo­gias da infor­mação e comu­ni­cação, como redes, con­teú­dos, serviços e aplica­tivos dig­i­tais disponíveis no ambi­ente vir­tu­al; dis­pos­i­tivos e ambi­entes conec­ta­dos; real­i­dade vir­tu­al e aumen­ta­da; inteligên­cia arti­fi­cial (IA); robóti­ca; sis­temas autom­a­ti­za­dos, bio­me­tria, sis­temas algo­rít­mi­cos e análise de dados.”

A res­olução tam­bém diz que o Poder Públi­co e a sociedade têm o dev­er zelar pela liber­dade de expressão e pelos dire­itos de bus­car, rece­ber e difundir infor­mação “segu­ra, con­fiáv­el e ínte­gra”. É garan­ti­da “a pro­teção con­tra toda for­ma de neg­ligên­cia, dis­crim­i­nação, vio­lên­cia, cru­el­dade, opressão e explo­ração, inclu­sive con­tra a explo­ração com­er­cial.”

O tex­to con­sid­era que “vio­lações de dire­itos rela­cionadas aos riscos de con­teú­do, con­tra­to, con­ta­to e con­du­ta incluem, den­tre out­ros, con­teú­dos vio­len­tos e sex­u­ais, cyber agressão ou cyber­bul­ly­ing, dis­cur­so de ódio, assé­dio, adicção, jogos de azar, explo­ração e abu­so — inclu­sive sex­u­al e com­er­cial, inci­tação ao suicí­dio, à auto­mu­ti­lação, pub­li­ci­dade ile­gal ou a ativi­dades que estim­ulem e/ou expon­ham a risco sua vida ou inte­gri­dade físi­ca.”

Empre­sas que atu­am no ambi­ente dig­i­tal são com­pel­i­das a encam­in­har denún­cias de vio­lação dos dire­itos à Ouvi­do­ria Nacional dos Dire­itos Humanos, por meio do Disque 100, e tam­bém às autori­dades do Sis­tema de Garan­tia de Dire­itos, como con­sel­hos tute­lares e autori­dades poli­ci­ais. O não encam­in­hamen­to está sujeito às penal­i­dades pre­vis­tas no ECA.

Notícias falsas

Os ambi­entes dig­i­tais tam­bém têm sido propí­cios para a veic­u­lação de notí­cias fal­sas em relação ao ECA. Em entre­vista ao pro­gra­ma Viva Maria, apre­sen­ta­do pela jor­nal­ista Mara Régia, da EBC a secretária exec­u­ti­va da Coal­izão pela Socioe­d­u­cação, Thaisi Bauer, falou sobre um dos prin­ci­pais tópi­cos explo­rados por gru­pos de desin­for­mação da extrema-dire­i­ta: jovens infratores e a redução da maior­i­dade penal.

“Exis­tem proposições aí dis­cutin­do a pos­si­bil­i­dade de real­iza­ção de plebisc­i­to para reduzir a maior­i­dade penal. Saiu na mídia, na sem­ana pas­sa­da, que uma par­la­men­tar vai pau­tar isso antes das eleições. São pau­tas pan­fletárias. A gente chamou uma reunião grande com movi­men­tos soci­ais e enti­dades, que tratam da defe­sa da cri­ança e do ado­les­cente, para ten­tar impedir que retro­ces­sos das garan­tias pre­sentes no ECA avancem”, diz Thaisi Bauer.

Diversidade de infâncias

O Con­sel­ho Nacional de Justiça (CNJ) anun­ciou o lança­men­to de um novo pro­je­to em comem­o­ração aos 34 aos do ECA. O “Diver­si­dades das Primeiras Infân­cias”, que desta­ca as difer­enças entre as infân­cias das cri­anças indí­ge­nas, negras, defi­cientes, de ter­reiro e em situ­ação de rua. O obje­ti­vo é jus­ta­mente reforçar a garan­tia de dire­itos fun­da­men­tais de todas as cri­anças, inde­pen­den­te­mente de classe social, raça, etnia, religião ou gênero.

O juiz aux­il­iar da Presidên­cia do CNJ, Edi­nal­do César San­tos Junior, disse que é fun­da­men­tal que os Poderes Exec­u­ti­vo, Leg­isla­ti­vo e Judi­ciário, jun­ta­mente com a sociedade civ­il, ela­borem políti­cas públi­cas especí­fi­cas que con­sid­erem a diver­si­dade das infân­cias. Ele citou, nesse sen­ti­do, o Mar­co Legal da Primeira Infân­cia (Lei nº 13.257/2016).

“A lei recon­hece a neces­si­dade de con­sid­er­ar as difer­enças entre as cri­anças em seus con­tex­tos soci­ais e cul­tur­ais, com­bat­en­do as desigual­dades no aces­so aos bens e serviços essen­ci­ais para o seu desen­volvi­men­to inte­gral”, disse Edi­nal­do ao site da CNJ.

No segun­do semes­tre de 2024, a CNJ pro­moverá as “Sem­anas das Diver­si­dades nas Primeiras Infân­cias” nas cin­co regiões do Brasil, com foco especí­fi­co para uma deter­mi­na­da infân­cia.

“Para cada sem­ana, serão iden­ti­fi­ca­dos os esta­dos brasileiros que pos­suem o maior número de cri­anças, com até seis anos, da diver­si­dade a ser tra­bal­ha­da, bem como os prin­ci­pais atores, locais e nacionais, que desen­volvem ativi­dades focadas nes­sa pop­u­lação”, disse a juíza aux­il­iar da Presidên­cia do CNJ, Rebe­ca Men­donça Lima.

Edição: Valéria Aguiar

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