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Educadora social é a mais votada no Rio para o Conselho Tutelar

Repro­dução: © Tânia Rêgo/Agência Brasil

Advogada Patrícia Félix obteve 5.997 votos


Pub­li­ca­do em 04/10/2023 — 09:37 Por Cristi­na Índio do Brasil — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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Pela segun­da vez con­sec­u­ti­va, a edu­cado­ra social e advo­ga­da Patrí­cia Félix foi a mais vota­da na eleição para o Con­sel­ho Tute­lar (CT), no Rio de Janeiro, que, neste ano, ocor­reu no domin­go pas­sa­do (1º). Em 2019 ela obteve 4.639 votos. Ago­ra, o número subiu para 5.997.

A atu­ação como edu­cado­ra social vem de mais de 30 anos, muito antes da primeira grad­u­ação. Era na comu­nidade onde mora­va, a Vila Vin­tém, em Padre Miguel, na zona oeste do Rio. A von­tade de garan­tir os dire­itos de cri­anças e ado­les­centes e reforçar a ver­dadeira função dos con­sel­heiros tute­lares levaram Patrí­cia a con­cor­rer em 2019 pelo CT Zona Sul, porque naque­le momen­to mora­va no bair­ro da Glória. Hoje, ela con­tin­ua na defe­sa por mais vis­i­bil­i­dade para os con­sel­hos, que, segun­do ela, ain­da não são com­preen­di­dos pela sociedade.

Patrí­cia quer tam­bém que não exista mais a inter­pre­tação pop­u­lar erra­da de “que o con­sel­ho tira fil­ho de mãe” nos casos de decisões sobre questões famil­iares.

Até a posse, são muitas eta­pas que o futuro con­sel­heiro pre­cisa super­ar. O primeiro pas­so é a inscrição, depois há um proces­so de análise de doc­u­men­tação e de com­pro­vação de idonei­dade moral. É pre­ciso ter mais de 21 anos e, no Rio, exper­iên­cia de, pelo menos, dois anos de atu­ação com cri­anças e ado­les­centes em orga­ni­za­ções públi­cas e soci­ais cre­den­ci­adas no Con­sel­ho Munic­i­pal dos Dire­itos da Cri­ança e do Ado­les­cente (CMDCA).

Tam­bém pre­cisa morar no ter­ritório rel­a­ti­vo ao Con­sel­ho Tute­lar em que vai con­cor­rer. Após a eleição, o can­dida­to tem que provar que está apto a ocu­par o car­go e pas­sar por uma pro­va de con­hec­i­men­to de caráter elim­i­natório.

Confira a entrevista

Agên­cia Brasil - O que rep­re­sen­ta ter sido a mais vota­da em duas eleições seguidas? Dá mais respon­s­abil­i­dade?

Patrí­cia Félix — A votação é uma escol­ha. Acho que é reforçar o com­pro­me­ti­men­to. A respon­s­abil­i­dade a gente já traz quan­do se colo­ca a can­di­datu­ra. Se lançar can­dida­to a con­sel­heiro tute­lar é uma respon­s­abil­i­dade ini­cial que a gente tem que ter esse com­pro­me­ti­men­to. Quan­do a gente tem uma votação, qual­quer que seja, o respeito ao voto e ao eleitor reafir­ma esse com­pro­mis­so com a causa e com a luta. A respon­s­abil­i­dade começa na can­di­datu­ra. Colo­car nesse lugar é muito impor­tante e com mui­ta difi­cul­dade. Muitas pes­soas não con­seguem faz­er a inscrição. [Elas} não têm a infor­mação dev­i­da.

Agên­cia Brasil - O que, na primeira eleição, fez você quer­er ser con­sel­heira tute­lar?

Patrí­cia Félix — Eu sou edu­cado­ra social des­de o iní­cio dos anos 90 e ten­ho 36 anos de práti­ca com cri­anças e ado­les­centes. Com ado­les­centes come­cei a faz­er uns tra­bal­hos, sou ativista em dire­itos humanos e advo­ga­da. Sem­pre atuei na pau­ta como edu­cado­ra social e ten­ho exper­iên­cia com­pro­va­da. Tra­bal­hei em casas de acol­hi­da insti­tu­cional e acom­pan­hei ado­les­centes por mais de três décadas. O que me fez ser con­sel­heira tute­lar foi a pre­ocu­pação. A questão mes­mo de reafir­mar a potên­cia, a respon­s­abil­i­dade e a importân­cia do con­sel­ho. Ele nasce pela sociedade civ­il, pelos nos­sos movi­men­tos. Eu faço parte desse movi­men­to, faço parte do debate ini­cial do ECA [Estatu­to da Cri­ança e do Ado­les­cente], faço parte dessa briga pela revo­gação do códi­go de menores. Em 1996, foi o primeiro con­sel­ho tute­lar do Rio de Janeiro e a gente vem par­tic­i­pan­do. Sem­pre par­ticipei de eleições. Eu perce­bi que, em 2015, tive­mos uma eleição muito com­pli­ca­da no Rio de Janeiro, adi­a­da por várias vezes, acon­te­ceu e depois foi anu­la­da. Os con­sel­heiros naque­le ano de 2015 foram tomar posse em abril de 2016. Muito atrás de out­ros con­sel­hos. Isso ger­ou um prob­le­ma porque teve uma desmo­bi­liza­ção social muito grande. Tive­mos con­sel­heiros eleitos com 50 votos. A par­tic­i­pação pop­u­lar foi muito peque­na por con­ta dessa desmo­bi­liza­ção. Em 2016, já começaram as eleições unifi­cadas em todo o Brasil e o TRE [Tri­bunal Region­al Eleitoral] começa com emprés­ti­mo das urnas e, em 2019, a gente tem uma eleição um pouco difer­ente daque­la de 2015, que foi o pleito em que par­ticipei. O que me lev­ou a par­tic­i­par em 2019 foi enten­der o que de fato esta­va acon­te­cen­do enquan­to can­di­da­ta.

Agên­cia Brasil — Quan­do você se can­dida­tou em 2019 quais eram as pau­tas e as suas pre­ocu­pações?

Patrí­cia Félix - A min­ha pre­ocu­pação era o sen­so comum encar­an­do o Con­sel­ho Tute­lar com uma visão erra­da. Vi uma sub­al­t­erniza­ção e uma desval­oriza­ção do próprio órgão. Isso me pre­ocupou muito, porque quan­do você tem um órgão que rep­re­sen­ta a sociedade civ­il no âmbito admin­is­tra­ti­vo de fis­cal­iza­ção, não puni­tivista, mas com com­petên­cia de aplicar medi­das pro­te­ti­vas que garan­tam o dire­ito daque­la cri­ança e ado­les­cente no nív­el admin­is­tra­ti­vo e quan­do eu vejo con­sel­heiro tute­lar sendo con­fun­di­do com ofi­cial de justiça, ten­do que ir nas casas para faz­er bus­ca e apreen­são, nas mater­nidades para bus­car cri­anças a man­do de juiz, nós não somos aux­il­iares de juízes e tam­pouco somos sub­or­di­na­dos a out­ro órgão. Nós tra­bal­hamos visan­do a cadeia da pro­teção. Temos autono­mia como out­ros órgãos tam­bém. Então, quan­do o Con­sel­ho Tute­lar pas­sa a visão de desval­oriza­ção isso para mim é muito pre­ocu­pante. E aí o sen­so comum da sociedade, quan­do começo a ver cri­anças que não podem ouvir falar de Con­sel­ho Tute­lar que tem pavor, famílias mais empo­bre­ci­das apa­vo­radas com a pre­sença do Con­sel­ho Tute­lar, e como ori­un­da de comu­nidade, sou uma mul­her fave­la­da, isso me pre­ocu­pa. Como a gente vai desmisti­ficar. Hoje, a gente ten­ta suavizar per­ante a sociedade essa visão e que as pes­soas encar­em o Con­sel­ho Tute­lar com a respon­s­abil­i­dade e seriedade que o órgão tem.

Agên­cia Brasil — Esse ano hou­ve uma mobi­liza­ção maior e cresceu a par­tic­i­pação pop­u­lar. Você acha que a sociedade já começou a ter con­sciên­cia da função pri­mor­dial do Con­sel­ho Tute­lar? Hoje a sociedade já entende mel­hor a função do Con­sel­ho Tute­lar?

Patrí­cia Félix — A par­tic­i­pação social de todos e todas é o que a gente vai mobi­lizar. Hoje, ain­da quan­do você vai nas ruas o que se percebe é total desin­for­mação. Mui­ta gente não sabe como votar, mes­mo com a gente levan­do as infor­mações e sain­do reporta­gens, muitas pes­soas não vão saber nas próx­i­mas eleições como vão votar no Con­sel­ho Tute­lar. A con­sciên­cia aumen­tou, mas é muito difí­cil se não tem um tra­bal­ho con­tín­uo de esclarec­i­men­to à pop­u­lação sobre qual é real­mente a com­petên­cia desse órgão. Por um lado, tem pes­soas que não querem que o Con­sel­ho Tute­lar atue, nem exista. Por out­ro lado, se tam­bém não ten­ho a infor­mação cor­re­ta desse órgão, como vou exercer essa democ­ra­cia dire­ta no voto fac­ul­ta­ti­vo? Acho que os con­sel­hos de dire­ito foram uma con­quista da democ­ra­cia, mas ain­da tem que ter a par­tic­i­pação. Tem uma ori­en­tação que está crescen­do, mas a gente ain­da tem que desmisti­ficar mui­ta coisa sobre o con­sel­ho para que a gente pos­sa real­mente efe­ti­var a garan­tia da cri­ança e ado­les­cente sem crim­i­nalizar ninguém. A gente vê uma sociedade que tem uma tendên­cia e ago­ra está muito aflo­ra­da, que dis­crim­i­na. Tem uma desigual­dade, a gente tem prob­le­ma de classe no Brasil, então, enquan­to a gente não tiv­er essa questão pedagóg­i­ca de falar com as pes­soas pre­ocu­padas com cri­anças e ado­les­centes, a gente vai ter um Con­sel­ho Tute­lar enfraque­ci­do.

Agên­cia Brasil — A ausên­cia de uma rep­re­sen­tação do órgão em alguns municí­pios do país tam­bém é uma pre­ocu­pação. Por que não tem é uma questão admin­is­tra­ti­va ou de mobi­liza­ção pop­u­lar?

Patrí­cia Félix — A ausên­cia de con­sel­hos tute­lares é um fato. No Rio de Janeiro somos 19, mas o recomen­da­do pelo Con­sel­ho Nacional da Cri­ança e do Ado­les­cente (Conan­da) é um con­sel­ho para cada 100 mil habi­tantes, então dev­eríamos ter o número, no mín­i­mo, de 64 con­sel­hos. Os Con­sel­hos Tute­lares são cri­a­dos pelos municí­pios. Então, a gente tem um déficit para essa recomen­dação do órgão maior no Rio de Janeiro. Tem municí­pio que [tem] menos, out­ros mais, mas no Rio de Janeiro, pela com­plex­i­dade da cidade, é com­pli­ca­do. Tem municí­pio com menos de 100 mil habi­tantes que tem con­sel­ho tute­lar, [mas] são poucos no Brasil, mas a gente tem e em out­ras grandes cidades há o déficit. Isso aca­ba colap­san­do com um número de denún­cias e de averiguações muito alto. Por isso, o Con­sel­ho Tute­lar tem que estar aten­to à sociedade e ao que a gente pode colab­o­rar, mas é mui­ta coisa e ain­da tem muitos desafios pela frente.

Agên­cia Brasil — Nesse novo manda­to quais são os temas que você quer botar para frente e provo­car dis­cussão?

Patrí­cia Félix — O con­sel­heiro tute­lar não é par­la­men­tar. O nos­so órgão é tax­a­ti­vo. O tema prin­ci­pal é aplicar e defend­er o ECA. O con­sel­heiro tute­lar não vai inven­tar a roda. A pro­pos­ta que a gente pode dar é den­tro de uma ausên­cia ou neg­ligên­cia, a gente pode dialog­ar e aplicar medi­das pro­te­ti­vas de req­ui­sição daque­le serviço, mas tudo pau­ta­do no ECA. O bê-á-bá nos­so é o Estatu­to da Cri­ança e do Ado­les­cente e as leg­is­lações que aux­il­iam. O tema prin­ci­pal é for­t­ale­cer o ECA e implan­tar de fato o Sip­ia que é o Sis­tema Unifi­ca­do de Infor­mações, que os con­sel­heiros e con­sel­heiras não têm incen­ti­vo para usar. Alguns não sabem a importân­cia ou não são moti­va­dos. O municí­pio tem que dar esse suporte. Através do Sip­ia, a gente vai con­seguir infor­mações para políti­cas públi­cas. Se eu estou aqui e tem uma cri­ança que sofre neg­ligên­cia e vem de out­ro esta­do e, se o municí­pio usa o Sip­ia, quan­do eu abro o cadas­tro da cri­ança ten­ho tudo dela. Facili­ta e con­tin­ua o acom­pan­hamen­to [feito] por out­ro cole­ga. É uma fer­ra­men­ta que a gente tem que implan­tar.

Agên­cia Brasil — Pas­sa pelo descon­hec­i­men­to como você falou?

Patrí­cia Félix — Nós, do Con­sel­ho Tute­lar Zona Sul, uti­lizamos 100%. Todo cole­gia­do, toda a equipe téc­ni­ca e toda a equipe admin­is­tra­ti­va, mas no municí­pio do Rio tem o Zona Sul e o de Vila Isabel usa par­cial­mente.

Agên­cia Brasil — E os out­ros não?

Patrí­cia Félix — Não, e todo mun­do teve treina­men­to. Aí não tem número, não tem estatís­ti­ca, não tem plane­ja­men­to, cada vez que faço um man­u­scrito e boto no arqui­vo não vou ter o aces­so e con­tar quan­tos atendi­men­tos. O Sip­ia dá essa estatís­ti­ca inclu­sive clas­si­f­i­can­do gênero, etnia, tipo de neg­ligên­cia, qual a medi­da mais apli­ca­da, qual o maior neg­li­gen­ci­ador. Dá uma transparên­cia que talvez não seja inter­es­sante, mas é necessária.

Agên­cia Brasil — Em 2019 foram 4.639 votos e dessa vez 5.997, ou seja, mais de 1.300 votos a mais. Isso com­pro­va o tra­bal­ho que você fez?

Patrí­cia Félix — Com­pro­va o tra­bal­ho que eu fiz e tam­bém o com­pro­me­ti­men­to de ir às ruas porque o meu com­pro­me­ti­men­to é faz­er um con­sel­ho tute­lar aber­to, não nos pro­ced­i­men­tos que são sig­ilosos, mas a gente tem que faz­er um con­sel­ho aber­to até para poder saber o que o con­sel­ho não faz. Porque atribui uma respon­s­abil­i­dade que não é dele. Por exem­p­lo, o sen­so comum fala que o Con­sel­ho Tute­lar tira fil­ho da mãe. Ninguém tira fil­ho da mãe. A per­da do poder famil­iar pas­sa por um proces­so legal, tem ação própria, tem juiza­do próprio para isso. O Con­sel­ho Tute­lar não é juris­di­cional. Então, o Con­sel­ho Tute­lar que dá ter­mo de guar­da está equiv­o­ca­do e merece ser inves­ti­ga­do. Quem ofer­ece emprego para pai e para mãe e prom­ete o que não está den­tro do ECA merece ser inves­ti­ga­do. Quem não uti­liza o ECA como fonte e usa pre­ceitos reli­giosos merece ser inves­ti­ga­do. Então, essa con­ver­sa e esse diál­o­go que eu faço com a pop­u­lação, não só para a eleição, inde­pen­dente de etnia e poder econômi­co, o dire­ito da cri­ança e do ado­les­cente tem que ser pro­te­gi­do. Essa é a min­ha máx­i­ma.

Edição: Kle­ber Sam­paio

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