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Eleição municipal: propostas dos candidatos incluem segurança pública?

Repro­dução: © Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

Para pesquisadores, planos deixam de ser amplamente debatidos


Publicado em 09/09/2024 — 07:59 Por Léo Rodrigues ‑Repórter da Agência Brasil — Rio de Janeiro

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Apon­ta­da fre­quente­mente como um dos prin­ci­pais temas de pre­ocu­pação da pop­u­lação brasileira em pesquisas de opinião, a segu­rança públi­ca foi se tor­nan­do, ao lon­go da últi­ma déca­da, uma pau­ta cada vez mais cen­tral nos pleitos eleitorais. As dis­putas para as prefeituras e as câmaras de vereadores que acon­te­cerão neste ano não devem ser difer­entes: a tendên­cia é que os índices de crim­i­nal­i­dade este­jam na pon­ta da lín­gua dos can­didatos, assim como as soluções para reduzi-los. Mas con­sideran­do que a Polí­cia Civ­il e a Polí­cia Mil­i­tar estão vin­cu­ladas ao esta­do e que a Polí­cia Fed­er­al responde ao gov­er­no do país, as pro­postas que têm sido apre­sen­tadas em âmbito munic­i­pal fazem sen­ti­do?

De acor­do com pesquisadores ouvi­dos pela Agên­cia Brasil, as cam­pan­has munic­i­pais cos­tu­mam artic­u­lar temas de maior ape­lo social e nem sem­pre as medi­das sug­eri­das estão de acor­do com as com­petên­cias das prefeituras. Con­se­quente­mente, as ver­dadeiras atribuições munic­i­pais, muitas vezes frag­ilizadas, deix­am de ser ampla­mente debati­das.

“O ape­lo políti­co, ali­a­do ao descon­hec­i­men­to da pop­u­lação sobre as atribuições insti­tu­cionais dos municí­pios, cria um ter­reno fér­til para a propa­gação de infor­mações ilusórias durante as cam­pan­has eleitorais. Isso resul­ta em promes­sas focadas no aumen­to de poli­ci­a­men­to, repressão ao crime orga­ni­za­do e com­bate à vio­lên­cia urbana, fre­quente­mente à cus­ta de dis­cussões mais amplas das causas soci­ais da crim­i­nal­i­dade sobre as quais os municí­pios pode­ri­am atu­ar com mais força”, diz o sociól­o­go José Lenho Sil­va Dió­genes, pesquisador da Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Ceará (UFC).

Em abril, pesquisa fei­ta em municí­pios cearens­es pelo Insti­tu­to Opnus indi­cou a segu­rança públi­ca como o ter­ceiro tema que dev­e­ria ser pri­or­i­dade para os futur­os prefeitos e prefeitas, atrás ape­nas da saúde públi­ca e da ger­ação de emprego e ren­da. Na cidade de São Paulo, um lev­an­ta­men­to real­iza­do em jun­ho pela Genial Pesquisas e pelo Insti­tu­to Quaest mostrou que a vio­lên­cia é o prob­le­ma mais cita­do pelos moradores. A segu­rança públi­ca tem apare­ci­do, em difer­entes partes do país, como um assun­to que muitas vezes des­per­ta mais pre­ocu­pação na pop­u­lação do que out­ros como edu­cação e trans­porte.

Para difer­entes pesquisadores, não há dúvi­das de que o tema estará nova­mente no cen­tro da pau­ta nas próx­i­mas dis­putas eleitorais. E emb­o­ra críti­cos da abor­dagem que tem sido dada pelas cam­pan­has em ger­al, eles são unân­imes em apon­tar que a segu­rança públi­ca merece sim ser dis­cu­ti­da nos pleitos que vão eleger prefeitos e vereadores. Con­sid­er­am que os municí­pios podem ado­tar diver­sas medi­das vin­cu­ladas ao tema e pro­mover uma abor­dagem integra­da e mul­ti­s­se­to­r­i­al, que inclui ações de pre­venção no âmbito da edu­cação, da saúde e do plane­ja­men­to urbano.

“Segu­rança públi­ca não é um prob­le­ma só de polí­cia. Pelo con­trário, você tem uma série de políti­cas pre­ven­ti­vas que podem e devem ser real­izadas pelo municí­pio e que, exata­mente por isso, é pre­ciso enten­der um pouco mel­hor como que deter­mi­nadas vul­ner­a­bil­i­dades deságuam em vio­lên­cia”, diz Lud­mi­la Ribeiro, pesquisado­ra do Cen­tro de Estu­dos de Crim­i­nal­i­dade e Segu­rança Públi­ca (Crisp) da Uni­ver­si­dade Fed­er­al de Minas Gerais (UFMG).

“Se você pen­sar a questão da vio­lên­cia con­tra mul­her e cer­tos casos de fur­tos e rou­bos, como os de celu­lar em áreas de grande con­cen­tração de pes­soas, são crimes que estão muito rela­ciona­dos com políti­cas de pre­venção que o municí­pio pode e deve ado­tar”, acres­cen­ta.

Bus­can­do pro­por cam­in­hos para a segu­rança públi­ca munic­i­pal, o Insti­tu­to de Estu­dos Com­para­dos em Admin­is­tração de Con­fli­tos (Ineac), da Uni­ver­si­dade Fed­er­al Flu­mi­nense (UFF), elaborou uma car­til­ha. A fal­ta de políti­cas pre­ven­ti­vas, voltadas para admin­is­trar con­fli­tos, é apon­ta­da no doc­u­men­to como prin­ci­pal pon­to que pre­cisa ser trans­for­ma­do.

Cartilha

A car­til­ha inclui algu­mas sug­estões. São pro­postas medi­das envol­ven­do, por exem­p­lo, a capac­i­tação per­ma­nente das guardas munic­i­pais e de seus gestores em artic­u­lação com insti­tu­ições de ensi­no. Tam­bém é sug­eri­da a cri­ação de um Cen­tro Munic­i­pal de Dire­itos Humanos que apoie e acol­ha víti­mas de vio­lação de dire­itos, além do for­t­alec­i­men­to de con­sel­hos comu­nitários de Segu­rança Públi­ca, fomen­tan­do o diál­o­go com a pop­u­lação sobre as medi­das des­ti­nadas à admin­is­tração de con­fli­tos.

Segun­do o antropól­o­go Lenin Pires, dire­tor do Ineac, os últi­mos pleitos eleitorais têm sido mar­ca­dos por forte dis­sem­i­nação do dis­cur­so repres­si­vo que, em sua visão, se apoia em cer­to descon­hec­i­men­to da pop­u­lação sobre como se orga­ni­za o sis­tema de segu­rança públi­ca em sua com­plex­i­dade. “É um dis­cur­so que tra­bal­ha sem­pre com aqui­lo que parece ser mais fácil que é a noção de vin­gança, a noção de cor­reção pela força. É um dis­cur­so fácil e barul­hen­to, que tende a col­her div­i­den­dos eleitorais, prin­ci­pal­mente em situ­ações de grande clam­or social”, avalia Lenin.

Para ele, a manutenção da ordem social é um desafio extrema­mente com­plexo, que envolve vari­adas dimen­sões da vida social: tem relação com o proces­so de edu­cação, com pro­je­tos soci­ais, com a inserção no mer­ca­do tra­bal­ho, entre out­ras questões.

Guardas municipais

O Arti­go 144 da Con­sti­tu­ição Fed­er­al autor­i­zou os municí­pios a “con­sti­tuir guardas munic­i­pais des­ti­nadas à pro­teção de seus bens, serviços e insta­lações”. Esse dis­pos­i­ti­vo foi pos­te­ri­or­mente reg­u­la­men­ta­do pela Lei Fed­er­al 13.022 / 2014, que esta­b­ele­ceu amp­lo con­jun­to de com­petên­cias: zelar pelo patrimônio públi­co, inibir infrações penais e admin­is­tra­ti­vas con­tra bens e serviços munic­i­pais, pro­te­ger a pop­u­lação que faz uso de insta­lações munic­i­pais, colab­o­rar com out­ras estru­turas de segu­rança públi­ca em ações volta­da para a paz social, paci­ficar os con­fli­tos e asse­gu­rar os dire­itos humanos fun­da­men­tais, exercer com­petên­cias para via­bi­lizar o trân­si­to, con­tribuir com a fis­cal­iza­ção do orde­na­men­to urbano, encam­in­har à del­e­ga­cia envolvi­dos em fla­grante deli­to, desen­volver ações pre­ven­ti­vas na segu­rança esco­lar, entre out­ras.

De acor­do com Lenin Pires, as guardas munic­i­pais havi­am sido pen­sadas orig­i­nal­mente como guardas pat­ri­mo­ni­ais. “Com o tem­po, essa cat­e­go­ria patrimônio cada vez mais tem sido inter­pre­ta­da não só como patrimônio físi­co e mate­r­i­al, mas tam­bém moral”, afir­ma.

São Paulo - Base da Guarda Civil Metropolitana - GCM na praça do Patriarca, região central.
Repro­dução: São Paulo — Base da Guar­da Civ­il Met­ro­pol­i­tana. — Foto: Rove­na Rosa/Agência Brasil/Arquivo

Para­le­la­mente a essa mudança inter­pre­ta­ti­va, instau­rou-se inten­sa dis­pu­ta de nar­ra­ti­va. Lenin avalia que o cresci­men­to da extrema-dire­i­ta ao lon­go dos últi­mos anos país foi acom­pan­hado do for­t­alec­i­men­to de uma práti­ca dis­cur­si­va que resume a segu­rança públi­ca a medi­das de recrude­sci­men­to da repressão e das leis. Jun­to a esse proces­so, surgem pro­postas envol­ven­do a flex­i­bi­liza­ção da posse e do porte de armas, a ampli­ação de penas, a redução da idade penal, o fim das “said­in­has” dos pre­sos.

Lenin con­sid­era que as pro­postas geral­mente apre­sen­tadas nos pleitos munic­i­pais con­tribuem para que as estru­turas de segu­rança públi­ca, como as guardas munic­i­pais, se tornem per­pe­trado­ras dessa per­spec­ti­va repres­si­va. Ele defende a neces­si­dade de uma guina­da no debate, abrindo mais espaço para medi­das de segu­rança públi­ca voltadas para for­t­ale­cer o Esta­do Democráti­co de Dire­ito.

“As promes­sas de uma guar­da mil­i­ta­riza­da refletem o mod­e­lo da nos­sa Polí­cia Mil­i­tar e, infe­liz­mente, tam­bém da nos­sa Polí­cia Civ­il.  A Polí­cia Civ­il, que é volta­da para atu­ar em apoio às instân­cias judi­ciárias, vem adotan­do práti­cas cada vez mais mil­i­ta­rizadas. No Rio de Janeiro, uma das prin­ci­pais chaci­nas em fave­las envolveu a Polí­cia Civ­il. E há uma dis­pu­ta de nar­ra­ti­va, onde alguns setores querem atrair a Guar­da Munic­i­pal para atu­ar nes­sa frente, mas essa atu­ação está em out­ro nív­el”, diz Lenin. Ele citou o episó­dio que ficou con­heci­do como Chaci­na do Jacarez­in­ho, em que 28 pes­soas foram mor­tas na cap­i­tal flu­mi­nense durante oper­ação da Polí­cia Civ­il real­iza­da em 2021.

Segun­do o pesquisador, a Guar­da Munic­i­pal deve lidar com con­fli­tos de prox­im­i­dade, com o orde­na­men­to públi­co e com a pro­teção de patrimônio. “Ela pode ser uma força volta­da para faz­er aqui­lo que a polí­cia não faz, que é edu­car as pes­soas a lidar com as nor­mas de con­vivên­cia da sociedade. As polí­cias no mun­do inteiro são respon­sáveis pelo law enforce­ment, que é a ideia de você reafir­mar a lei, as nor­mas, como regras de con­du­ta éti­ca da sociedade. A Guar­da Munic­i­pal pode ser uma força mon­ta­da para esse proces­so educa­ti­vo, jus­ta­mente fazen­do um con­trapon­to. E assim mostrar que é pos­sív­el faz­er uma out­ra coisa. E a par­tir dess­es exem­p­los ger­ar um impacto da esfera públi­ca”.

Uso de armas de fogo

De acor­do com Lud­mi­la Ribeiro, não há dúvi­da de que nas três últi­mas eleições a temáti­ca da segu­rança públi­ca esteve no cen­tro da pau­ta. “O que mais me chama a atenção, de for­ma neg­a­ti­va, são os dis­cur­sos que apos­tam na repro­dução do mod­e­lo de Polí­cia Mil­i­tar nas guardas munic­i­pais. Os can­didatos propõem guardas arma­dos com fuzis que, na maio­r­ia das vezes, não têm nem capaci­dade téc­ni­ca e nem a menor neces­si­dade de uso de arma de fogo. Esse uso pela Guar­da Munic­i­pal tem uma série de impli­cações, envol­ven­do não ape­nas os casos de letal­i­dade, mas tam­bém os desvios. Tem guar­da munic­i­pal que pode acabar usan­do essa arma para faz­er segu­rança pri­va­da fora do horário de tra­bal­ho”, exem­pli­fi­ca.

Em sua visão, a Guar­da Munic­i­pal deve atu­ar numa lóg­i­ca de pro­teção e não de enfrenta­men­to, o que aca­ba se desvir­tuan­do a par­tir da ideia de atu­ação arma­da. “Por menor que seja o municí­pio, esse tem sido um debate cen­tral. Tem prefeitu­ra com dez guardas. Mas a Guar­da Munic­i­pal sem­pre aparece no dis­cur­so como um cap­i­tal políti­co que aumen­ta as chances de gan­har as eleições”.

Rio de Janeiro (RJ) 09/09/2024 – Eleições 2024: segurança pública no âmbito municipal. Câmeras de monitoramento de espaços públicos. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: Rio de Janeiro (RJ) 09/09/2024 – Câmeras de mon­i­tora­men­to de espaços públi­cos. Foto: Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

Lud­mi­la obser­va que a ideia de armar os guardas é acom­pan­ha­da tam­bém pela defe­sa de inve­stir em ampla var­iedade de equipa­men­tos e tec­nolo­gia. Nem sem­pre, no entan­to, esse cam­in­ho vai traz­er bons resul­ta­dos. Ela cita o exem­p­lo das câmeras de segu­rança. “Prom­e­tem insta­lar em toda a cidade como se, por si só, elas fos­sem espan­tar todos as taxas de crime e de vio­lên­cia. Os estu­dos mostram que as câmeras só são efe­ti­vas se há um proces­so de tomadas de decisão. Ou seja, se você tem alguém assistin­do as ima­gens em tem­po real e toman­do decisões.”

A ideia de uma Guar­da Munic­i­pal arma­da tam­bém é con­sid­er­a­da con­tro­ver­sa pelo sociól­o­go José Lenho Sil­va Dió­genes. Ele não con­sid­era dese­jáv­el, emb­o­ra pon­dere. “Depende do con­tex­to especí­fi­co de cada municí­pio. Em algu­mas cidades, pode faz­er sen­ti­do para ampli­ar a capaci­dade de respos­ta a situ­ações de vio­lên­cia, des­de que haja treina­men­to ade­qua­do e mecan­is­mos rig­orosos de con­t­role. Para mel­ho­rar a atu­ação da Guar­da Munic­i­pal, é essen­cial inve­stir em for­mação con­tínua, capac­i­tação em dire­itos humanos, e esta­b­ele­cer clara delim­i­tação das suas funções para evi­tar sobreposição com as funções das polí­cias estad­u­ais”, afir­ma.

Os pesquisadores tam­bém obser­vam que o debate sobre o papel da Guar­da Munic­i­pal é influ­en­ci­a­do pelo per­fil dos can­didatos, em um momen­to em que se nota o cresci­men­to de  poli­ci­ais e mil­itares que bus­cam se eleger prefeitos e vereadores. Em diver­sas cap­i­tais do país, exis­tem can­didatos egres­sos das forças de segu­rança que, inclu­sive, irão se apre­sen­tar na cédu­la como del­e­ga­dos, capitães ou sar­gen­tos. O movi­men­to reflete o que ocorre no cenário nacional. De acor­do com lev­an­ta­men­to da orga­ni­za­ção não gov­er­na­men­tal Insti­tu­to Sou da Paz, entre 2014 e 2022, profis­sion­ais de defe­sa e segu­rança pas­saram de sete para 44 rep­re­sen­tantes na Câmara dos Dep­uta­dos.

Feminicídios

Há con­sen­so entre os espe­cial­is­tas acer­ca do impor­tante papel que as guardas munic­i­pais podem exercer para reduzir os indi­cadores de crimes con­tra a mul­her que vem, nos últi­mos anos, engrossan­do as estatís­ti­cas de letal­i­dade. Segun­do o Fórum Brasileiro de Segu­rança Públi­ca (FBSP), em 2020, 2021 e 2022, foram reg­istra­dos respec­ti­va­mente 1.350, 1.341 e 1.410 fem­i­nicí­dios no país. Os dados da orga­ni­za­ção indicam que ess­es casos car­regam para­le­la­mente um históri­co de out­ros crimes: ameaças, lesões cor­po­rais, estupros, entre out­ros. As residên­cias dessas víti­mas apare­cem como os locais de maior ocor­rên­cia dess­es episó­dios.

“A Guar­da Munic­i­pal tem car­ac­terís­ti­ca muito inter­es­sante se você com­parar com as out­ras forças de segu­rança. Atu­am num ter­ritório especí­fi­co e em escalas de serviço que per­mitem mais prox­im­i­dade com as comu­nidades. Poli­ci­ais mil­itares mudam de batal­hão, poli­ci­ais civis mudam de del­e­ga­cia. Os guardas munic­i­pais então tem condição mais favoráv­el para cumprir o papel de Patrul­ha Maria da Pen­ha, poden­do atu­ar em deter­mi­na­dos bair­ros, com base em plane­ja­men­to dos especí­fi­cos elab­o­ra­dos a par­tir de infor­mações dos reg­istros de ocor­rên­cias. Da mes­ma for­ma, estão mel­hor posi­ciona­dos para exercer ativi­dades em parce­ria com esco­las e com o Con­sel­ho Tute­lar, bus­can­do pro­te­ger as cri­anças e os ado­les­centes”, diz Lenin.

Para Lud­mi­la, as pro­postas apre­sen­tadas por can­didatos para o com­bate à vio­lên­cia con­tra a mul­her têm dado mais alen­to, na medi­da em que se afas­tam do dis­cur­so repres­si­vo. “O municí­pio têm com­petên­cia muito mais dire­ta, porque quan­do a gente olha para a Lei Maria da Pen­ha há toda uma parte de edu­cação, saúde e assistên­cia que são com­petên­cias munic­i­pais. Então, é pre­ciso pen­sar sobre as casas abri­gos, o aluguel social, o ensi­no do con­teú­do rela­ciona­do com a Lei Maria da Pen­ha den­tro das esco­las. E aí são promes­sas que apare­cem para ten­tar alcançar o eleitora­do fem­i­ni­no”.

Além da Guarda Municipal

A Guar­da Munic­i­pal não deve ser o úni­co instru­men­to do municí­pio mobi­liza­do para o enfrenta­men­to a desafios de segu­rança públi­ca. Segun­do os pesquisadores, várias out­ras estru­turas têm condições de imple­men­tar medi­das efi­cazes. Lud­mi­la chama atenção para a neces­si­dade de retomar o debate sobre pre­venção da vio­lên­cia na juven­tude. Segun­do ela, essa é uma pau­ta que perdeu força, ao mes­mo tem­po em que cresceu o dis­cur­so repres­si­vo.

“Era uma pau­ta muito comum no final dos anos 2000. Ago­ra só ouvi­mos pro­postas para colo­car agentes da Guar­da Munic­i­pal e câmeras nas esco­las. É inclu­sive o que tem gan­hado mais força para respon­der aos episó­dios envol­ven­do ataques em esco­las com faca e com armas de fogo”, diz ela. Nos últi­mos cin­co anos, foram reg­istra­dos no país mais de uma dezena desse tipo de ocor­rên­cia. Na maio­r­ia deles, os agres­sores são alunos ou ex-alunos com média de idade de 16 anos.

Para Lud­mi­la, as pro­postas apre­sen­tadas, emb­o­ra soem como soluções mág­i­cas, têm pou­ca efe­tivi­dade. “É pre­ciso enten­der o que pro­move vio­lên­cia nas esco­las. E medi­das voltadas para pre­venir o envolvi­men­to de jovens com a vio­lên­cia não tem tido o dev­i­do destaque na agen­da eleitoral. Essa é uma dis­cussão fun­da­men­tal porque quan­do a gente olha para as estatís­ti­cas, quem mais mata e quem mais morre são jovens. E mes­mo os rou­bos tem os jovens com idade entre 18 e 25 anos como prin­ci­pais per­pe­tradores. Então, políti­cas que falassem para a juven­tude do desen­ga­ja­men­to nas­d­inâmi­cas de crime e de vio­lên­cia seri­am bem impor­tantes”.

Out­ra frente de atu­ação, que vem sendo ado­ta­da par­tic­u­lar­mente pela prefeitu­ra do Rio de Janeiro, gera con­tro­vér­sias. O municí­pio vem pro­moven­do demolições de imóveis irreg­u­lares sob o argu­men­to de que muitos deles são con­struí­dos por milí­cias e orga­ni­za­ções crim­i­nosas, com o intu­ito de cri­ar um mer­ca­do imo­bil­iário ile­gal para finan­ciar suas oper­ações. Seria assim uma for­ma de asfix­i­ar o poder finan­ceiro dess­es gru­pos.

Segun­do Lud­mi­la, coibir a con­strução de imóveis irreg­u­lares é atribuição munic­i­pal. Ela avalia que a medi­da pode dar algum resul­ta­do no enfrenta­men­to ao crime, mas obser­va que a explo­ração desse mer­ca­do imo­bil­iário por gru­pos arma­dos, emb­o­ra seja real­i­dade do Rio de Janeiro, não é algo que ocorre em todo o país.

A eficá­cia desse tipo de ini­cia­ti­va para com­bat­er o crime, no entan­to, é ques­tion­a­da por Lenin. Segun­do ele, a milí­cia cresce onde há desigual­dade e se aprovei­ta da má ofer­ta dos serviços públi­cos para explo­rar suas ativi­dades econômi­cas. Nesse sen­ti­do, sem resolver os prob­le­mas, novos imóveis con­tin­uar­i­am a ser con­struí­dos. “O crime avança onde há des­or­dem e vio­lações à cidada­nia. Os gru­pos crim­i­nosos acabam apare­cen­do como por­ta de saí­da, seja para aces­so ao trans­porte, à mora­dia ou a out­ros serviços”, afir­ma.

Lenin apon­ta que esse é um exem­p­lo de como a segu­rança públi­ca se conec­ta a out­ros temas como a reg­u­lar­iza­ção fundiária e as políti­cas habita­cionais. “O que a prefeitu­ra pode faz­er é, cada vez mais, reg­u­lar mel­hor o espaço de con­vivên­cia. Ela pode atu­ar, por exem­p­lo, garan­ti­n­do mel­hor serviço de trans­porte, maior pre­vis­i­bil­i­dade para as pes­soas saírem e chegarem em casa, políti­ca tar­ifária que não sig­nifique a explo­ração do tra­bal­hador, um reg­u­la­men­to que orga­nize o espaço públi­co de for­ma a via­bi­lizar e orga­ni­zar o comér­cio ambu­lante, as políti­cas de habitação que pro­movam o dire­ito social à mora­dia. Se ela reg­u­lar em prol do cidadão, irá desreg­u­lar o mer­ca­do da milí­cia”.

Urbanismo

Rio de Janeiro (RJ), 13/08/2024 – A estudante e moradora de Niterói, Andressa Gomes em frente à estação das Barcas Rio-Niterói, na Praça XV, centro do Rio de Janeiro Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Repro­dução: Rio de Janeiro (RJ), 13/08/2024 – Andres­sa Gomes em frente à estação das Bar­cas Rio-Niterói, na Praça XV, cen­tro do Rio de Janeiro Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Morado­ra de Niterói, na região met­ro­pol­i­tana do Rio de Janeiro, a estu­dante Andrez­za Gomes, de 21 anos, se mudou recen­te­mente de bair­ro e pre­cisou faz­er adap­tações na sua roti­na. “Eu saio de casa muito cedo e volto muito tarde. Quan­do eu volto, as ruas de São Domin­gos já não estão tão movi­men­tadas quan­to no mes­mo horário em Icaraí. Sem con­tar com as árvores mal cuidadas e os car­ros que ocu­pam a calça­da inteira. Eu pas­so por uma rua que é de esta­ciona­men­to rotatório e bem estre­i­ta. Aca­ba fican­do deser­to e eu pre­firo andar pela rua do que pela calça­da para não ter a chance de encon­trar alguém, até porque as casas são muito escuras. Pen­so várias coisas, ain­da mais sendo mul­her”, rela­tou à Agên­cia Brasil.

Ela opinou sobre medi­das que podem ser tomadas para mel­ho­rar a sen­sação de segu­rança. “Acho que os órgãos de segu­rança públi­ca e de meio ambi­ente têm que andar jun­tos. Elas têm que ver a pavi­men­tação das ruas, a sus­tentabil­i­dade. A calça­da tem que ser um lugar de livre aces­so para o pedestre, acho que o prin­ci­pal obje­ti­vo de uma calça­da tem que ser esse. Eles têm que ter uma gestão de plane­ja­men­to muito mel­hor para asse­gu­rar a pop­u­lação, para trans­mi­tir con­fi­ança”.

Espe­cial­is­tas con­cor­dam que ações de urban­is­mo, como mel­ho­ria da ilu­mi­nação, manutenção de mobil­iários das praças e par­ques, reca­pea­men­to das ruas, cole­ta reg­u­lar de lixo e requal­i­fi­cação de áreas degradadas, são medi­das que podem aju­dar a reduzir a crim­i­nal­i­dade. Lud­mi­la desta­ca o cuida­do e a ocu­pação dos espaços públi­cos que reduzem a sen­sação de inse­gu­rança. Ela, no entan­to, vê esse debate pouco pre­sente na agen­da eleitoral.

“Se vejo um espaço sem­pre vazio, um pouco aban­don­a­do, pouco fre­quen­ta­do, a chance de eu enten­der esse espaço como vio­len­to é muito maior do que se estivesse sem­pre sendo uti­liza­do e movi­men­ta­do. Mas é muito raro a gente ver o debate sobre revi­tal­iza­ção urbana conec­ta­da a questões de segu­rança públi­ca. Aparece muito mais rela­ciona­do com a val­oriza­ção da cidade do que com a segu­rança públi­ca. E isso tem uma relação dire­ta com o fato de ser um tema muito mais cap­i­tal­iza­do pela dire­i­ta do que pela esquer­da. Ele aca­ba sendo muito mais abor­da­do por essa lóg­i­ca de ações de repressão ou de reforço da apli­cação da lei”, diz.

Na acad­e­mia, no entan­to, existe há bas­tante tem­po um debate apro­fun­da­do, lid­er­a­do por pesquisadores de arquite­tu­ra e urban­is­mo, que desen­volvem estu­dos em inter­face com o tema da segu­rança públi­ca. Há dis­cussões, por exem­p­lo, sobre como o Plano Dire­tor, que deve ser aprova­do pelo municí­pio a cada dez anos, pode incen­ti­var espaços públi­cos mais ocu­pa­dos e seguros.

Rio de Janeiro (RJ) 09/09/2024 – Eleições 2024: segurança pública no âmbito municipal. Edifícios com fachada ativa, de uso misto, residenciais com comércio no térreo voltado para a calçada. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: Rio de Janeiro (RJ) 09/09/2024 – Edifí­cios com facha­da ati­va, de uso mis­to, res­i­den­ci­ais com comér­cio no térreo volta­do para a calça­da. Foto: Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

O livro Morte e Vida das Grandes Cidades, lança­do em 1961 pela norte-amer­i­cana Jane Jacobs, é ain­da hoje con­sid­er­a­do uma refer­ên­cia no assun­to. Ela insti­tu­iu o con­ceito de “olhos da rua”, no qual defende que as pes­soas que uti­lizam as vias públi­cas ou os moradores que con­tem­plam essas vias de suas casas exercem vig­ilân­cia nat­ur­al. Com base nes­sa per­spec­ti­va, tem gan­hado força, por exem­p­lo, a ideia de que a segu­rança públi­ca se ben­e­fi­cia com o apoio a con­struções com facha­da ati­va, isto é, imóveis que pro­movam inter­ações nos pas­seios públi­cos: menos muros e esta­b­elec­i­men­tos com­er­ci­ais no térreo de pré­dios res­i­den­ci­ais. São ini­cia­ti­vas que podem ser reg­u­la­men­tadas no plano munic­i­pal.

*Colaborou Fran­ciel­ly Bar­bosa, estag­iária da Agên­cia Brasil sob super­visão de Viní­cius Lis­boa

Edição: Graça Adju­to

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