...
sábado ,12 outubro 2024
Home / Política / Eleições 2024: pessoas em situação de rua, um problema de todos

Eleições 2024: pessoas em situação de rua, um problema de todos

Acolhimento e assistência social são de competência das prefeituras

Rafael Car­doso — Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­da em 25/09/2024 — 11:02
Rio de Janeiro
Ver­são em áudio
Brasília (DF), 18/01/2024, Morador de Rua em Brasília. Foto: Jose Cruz/Agência Brasil
Repro­dução: © Jose Cruz/Agência Brasil

Diego Augus­to vive há cin­co anos em situ­ação de rua no cen­tro do Rio de Janeiro. Nesse tem­po, pas­sou por todos os equipa­men­tos de acol­hi­men­to munic­i­pais e estad­u­ais. A avali­ação que faz deles é neg­a­ti­va: alber­gues infes­ta­dos por perceve­jos, edu­cadores soci­ais que chama de “opres­sores soci­ais” e estru­tu­ra ine­fi­ciente para o tra­bal­ho com saúde men­tal.

Enquan­to sobram prob­le­mas, fal­ta paciên­cia para ouvir promes­sas vazias das autori­dades. Chega a época de eleições, os futur­os prefeitos, os futur­os vereadores, os futur­os can­didatos apare­cem. Querem mostrar que estão fazen­do algo. Mas, tudo isso não pas­sa de hipocrisia. Eu incen­ti­vo as pes­soas a lutar e a se man­i­fes­tar, a mostrar na mídia a indig­nação pelos dire­itos vio­la­dos”, diz Diego.

As eleições munic­i­pais de 2024 são um dos cam­in­hos para a pop­u­lação brasileira se man­i­fes­tar em defe­sa daque­les, como Diego, que não têm mora­dia e vivem em situ­ação precária nas ruas do país. Estru­turas de acol­hi­men­to e de assistên­cia social são de com­petên­cia das prefeituras. Cabe aos eleitores, por­tan­to, estarem aten­tos aos planos de gov­er­no dos can­didatos e os pres­sion­arem a incluir o tema em suas dis­cussões.

“Pes­soas em situ­ação de rua têm voz própria. Eles têm fóruns de defe­sa dos seus dire­itos e rep­re­sen­tações como sujeitos cole­tivos em vários movi­men­tos soci­ais. Impor­tante lem­brar que eles tam­bém votam, emb­o­ra não a total­i­dade. Então, têm uma orga­ni­za­ção políti­ca, mas não podem lutar soz­in­hos. É impor­tante que a gente tam­bém for­t­aleça essa luta, amplian­do, dan­do voz e vis­i­bil­i­dade às neces­si­dades dessa pop­u­lação”, defende Ana Paula Mau­riel, assis­tente social e pro­fes­so­ra da Uni­ver­si­dade Fed­er­al Flu­mi­nense (UFF).

Números do problema

Depois de mui­ta luta dos movi­men­tos soci­ais, a Políti­ca Nacional para a Pop­u­lação em Situ­ação de Rua foi insti­tuí­da pelo Decre­to nº 7.053, de 23 de dezem­bro de 2009. Havia a pre­visão de assistên­cia social, saúde, mora­dia, entre out­ras ações. Mas a respos­ta dos municí­pios foi muito baixa. Em 2023, ape­nas 18 cidades havi­am aderi­do à políti­ca em um uni­ver­so de 5.570 municí­pios no país.

Porto Alegre (RS), 20/05/2024 – CHUVAS RS- LIMPEZA - Morador de rua procura no lixo e nos entulhos algo que possa ser útil, após comerciantes limparem as lojas para retomar os negócios no Centro Histórico de Porto Alegre. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Repro­dução: Por­to Ale­gre — Morador de rua procu­ra no lixo e nos entul­hos algo que pos­sa ser útil — Foto Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Em dezem­bro de 2023, o gov­er­no fed­er­al lançou o “Plano Ruas Visíveis — Pelo dire­ito ao futuro da pop­u­lação em situ­ação de rua”, com inves­ti­men­to ini­cial de R$ 982 mil­hões. Uma espé­cie de atu­al­iza­ção do plano de 2009, basea­d­os em sete eixos: assistên­cia social e segu­rança ali­men­tar; saúde; vio­lên­cia insti­tu­cional; cidada­nia, edu­cação e cul­tura; habitação; tra­bal­ho e ren­da; e pro­dução e gestão de dados. Até o momen­to, ape­nas o Rio de Janeiro e Belo Hor­i­zonte aderi­ram ao plano.

“O padrão de atu­ação com a pop­u­lação em situ­ação de rua é um recol­hi­men­to pela vio­lên­cia ou pelo encar­ce­ra­men­to via saúde men­tal. Sem­pre se pri­or­i­zou uma políti­ca de higi­en­iza­ção. E isso vem aumen­tan­do des­de a pan­demia nos grandes cen­tros urbanos. A ideia de recol­hi­men­to com­pul­sório das pes­soas e a reti­ra­da dos per­tences delas”, anal­isa a pro­fes­so­ra Ana Paula Mau­riel.

Uma difi­cul­dade impor­tante para pen­sar políti­cas públi­cas voltadas a essa pop­u­lação é a fal­ta de infor­mações atu­al­izadas. A úni­ca pesquisa nacional é de 2008, o 1º Cen­so e Pesquisa Nacional sobre a Pop­u­lação em Situ­ação de Rua, que iden­ti­fi­cou quase 32 mil pes­soas aci­ma de 18 anos em 71 cidades. O Min­istério dos Dire­itos Humanos e da Cidada­nia (MDHC) divul­gou relatório em 2023 que apon­ta a existên­cia de 236.400 pes­soas nes­sa situ­ação. Os dados se baseiam no Cadas­tro Úni­co (CadÚni­co) para Pro­gra­mas Soci­ais.

A pop­u­lação em situ­ação de rua se con­cen­tra nos grandes cen­tros urbanos. Cer­ca de 90% dela vivem em dez cidades: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Hor­i­zonte Sal­vador, Brasília, For­t­aleza, Por­to Ale­gre, Curiti­ba, Camp­inas e Flo­ri­anópo­lis. A cidade de São Paulo soz­in­ha tem 41%.

Alguns municí­pios fazem lev­an­ta­men­tos próprios, mas tam­bém têm prob­le­mas de atu­al­iza­ção. Um exem­p­lo é São Paulo, que apli­cou o últi­mo cen­so em 2021. Nele con­stavam 31.884 pes­soas. O Obser­vatório Brasileiro de Políti­cas Públi­cas com a Pop­u­lação em Situ­ação de Rua, do Polo de Cidada­nia da Uni­ver­si­dade Fed­er­al de Minas Gerais (UFMG), usou dados do CadÚni­co que mostram 64.818 pes­soas nes­sa condição em 2023. Os pesquisadores dizem que a gestão munic­i­pal paulista teve a pior taxa de atu­al­iza­ção do cadas­tro, quan­do com­para­da à de out­ras cap­i­tais.

Competências municipais

Além de um mapea­men­to atu­al­iza­do das pes­soas que estão em situ­ação de rua, o eleitor pode ficar aten­to para a estru­tu­ra assis­ten­cial e de saúde espe­cial­iza­da que o municí­pio ofer­ece: se exis­tem unidades sufi­cientes, se elas estão em boas condições de fun­ciona­men­to e se ofer­e­cem atendi­men­to ade­qua­do aos usuários.

Um dos serviços munic­i­pais exclu­sivos para essa pop­u­lação é o Cen­tro de Refer­ên­cia Espe­cial­iza­do de Assistên­cia Social (Creas). Ele tem a função de escu­ta, acol­hi­men­to, ori­en­tação, encam­in­hamen­to e artic­u­lação da rede socioas­sis­ten­cial.

São Paulo (SP) 21/02/2024 - Estudo da UFMG mostra aumento do número de moradores de rua na capital. Moradores de rua recebem comida na Sé em SP. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
Repro­dução: São Paulo — Estu­do da UFMG mostra aumen­to do número de moradores de rua na cap­i­tal — Foto Paulo Pinto/Agência Brasil

Há tam­bém o Cen­tro de Refer­ên­cia Espe­cial­iza­do para Pop­u­lação em Situ­ação de Rua (Cen­tro POP). Ele deve pro­mover o aces­so a espaços de guar­da de per­tences, de higiene pes­soal, de ali­men­tação e de emis­são de doc­u­men­tação civ­il. Tam­bém pro­por­ciona endereço insti­tu­cional como refer­ên­cia para o usuário.

Exis­tem ain­da os serviços de acol­hi­men­to, que são os abri­gos, casas de pas­sagem e repúbli­cas. Um dos prin­ci­pais prob­le­mas, ness­es casos, é o número insu­fi­ciente de vagas. O municí­pio do Rio de Janeiro é um exem­p­lo dis­so. Em 2022, havia 7.865 pes­soas em situ­ação de rua e o número de vagas de acol­hi­men­to era de 2.200. Ou seja, o déficit era de 5.665 vagas.

No que se ref­ere aos serviços de saúde, além do aces­so ao Sis­tema Úni­co de Saúde (SUS), a pop­u­lação em situ­ação de rua con­ta com um serviço especí­fi­co: o Con­sultório na Rua. Um pro­gra­ma com difer­entes profis­sion­ais que fazem atendi­men­to fixo ou móv­el. São ofer­e­ci­dos cuida­dos bási­cos, como cura­tivos, remé­dios, ori­en­tações de cuida­do e encam­in­hamen­tos para unidades de saúde. Em 2023, o Con­sultório na Rua esta­va pre­sente em 138 municí­pios.

“Os can­didatos devem estar aten­tos aos serviços espe­cial­iza­dos de abor­dagem social e de saúde. Não é a polí­cia baten­do, recol­hen­do per­tences e jogan­do em qual­quer out­ro can­to. É uma abor­dagem com equipe capac­i­ta­da que chega jun­to à pop­u­lação de rua, que vai con­ver­sar e acol­her. Tem psicól­o­gos, assis­tentes soci­ais. Não se tra­ta de uma questão de segu­rança públi­ca, mas de assistên­cia social”, diz Ana Paula Mau­riel.

Para quem está em condição extrema há tan­to tem­po, é difí­cil acred­i­tar que os poderes munic­i­pais por si só ten­ham inter­esse em trans­for­mar a real­i­dade dos que vivem nas ruas. Por isso, Diego Augus­to entende que um futuro mel­hor, com a garan­tia de todos os dire­itos, depende do envolvi­men­to de toda a sociedade.

“Eu não vejo mais esper­ança nas autori­dades munic­i­pais de ten­tar solu­cionar ou evoluir as condições das pes­soas em situ­ação de rua, de jeito nen­hum. A sociedade civ­il sim. Quan­do a sociedade civ­il se orga­ni­zar para man­i­fes­tar e lutar pelos seus dire­itos vio­la­dos, aí, sim, os dire­itos virão para as nos­sas vidas”, disse Diego.

Edição:  Graça Adju­to
LOGO AG BRASIL

Você pode Gostar de:

Doze milhões de crianças e adolescentes vivem sem acesso a esgoto

Outros 2,1 milhões não têm acesso adequado a água no mundo Ana Cristi­na Cam­pos — …