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Encontro celebra protagonismo feminino nas rodas de samba

Evento reúne sambistas simultaneamente em 32 cidades

Cristi­na Índio do Brasil — Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 30/11/2024 — 10:43
Rio de Janeiro
Rio de Janeiro (RJ) 27/11/2024 – Retrato das cantoras Dorina, idealizadora do Encontro Nacional e Internacional de Mulheres na Roda de Samba, e Vera de Jesus, neta de Clementina de Jesus, homenageada in memoriam da 7ª edição do evento. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: © Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

A bus­ca pelo pro­tag­o­nis­mo fem­i­ni­no, com uma rede de apoio e de afe­to para as mul­heres no sam­ba, foi o moti­vo para a can­to­ra, com­pos­i­to­ra e apre­sen­ta­do­ra Dori­na cri­ar o Encon­tro Nacional e Inter­na­cional de Mul­heres na Roda de Sam­ba, em 2017, con­sid­er­a­do o maior even­to de sam­ba fem­i­ni­no do mun­do. O encon­tro terá trans­mis­são online simultânea em várias cidades brasileiras e em alguns país­es pelo per­fil do Insta­gram @coletivotemmulhernarodadesamba.

Aos 65 anos, Dori­na, cria de roda de sam­ba, vê que este rit­mo sem­pre foi de con­quis­tas e de resistên­cia. “Não é só um tipo de músi­ca; É tam­bém uma filosofia de vida que abastece as ener­gias de quem está na roda. Achei que seria uma óti­ma cama para faz­er esse pro­je­to”, rev­el­ou em entre­vista à Agên­cia Brasil.

Com pro­gra­mação pre­vista para durar seis horas, a Roda de Sam­ba vai con­tar com 30 mul­heres, entre can­toras e instru­men­tis­tas. Além da Dori­na, estarão pre­sentes Ana Cos­ta, Nina Rosa, Dayse do Ban­jo, Rena­ta Jam­beiro, Nina Wirt­ti, Lazir Sin­val, Tia Suri­ca, os gru­pos Herdeiras do Sam­ba e Mul­heres da Peque­na África, sob a direção musi­cal de Ana Paula Cruz e Rober­ta Nis­tra.

“O mais impor­tante dis­so é que elas não abraçaram só o sam­ba, mas a filosofia que o sam­ba dá, que é essa coisa de se tra­bal­har jun­to, estar jun­to. Prevalece a história con­tra o racis­mo, con­tra a mis­oginia, con­tra a xeno­fo­bia. A gente tra­ta dis­so tudo para poder faz­er uma cor­rente que seja um mun­do mel­hor, não um mun­do da gente chegar ao poder, de ser mais que o homem no sam­ba. Não é isso. A gente quer par­tic­i­par e pas­sar essa coisa de afe­to mes­mo com segu­rança”, apon­tou.

O Renascença Clube, no Andaraí, zona norte do Rio, rece­berá a séti­ma edição do Encon­tro Nacional e Inter­na­cional de Mul­heres na Roda de Sam­ba neste sába­do (30), bem per­to do Dia Nacional do Sam­ba, comem­o­ra­do em 2 de dezem­bro. “A gente não pode ir muito para den­tro de dezem­bro por causa das out­ras cidades, prin­ci­pal­mente as fora do Brasil, quan­do é mais frio. A gente procu­ra acer­tar uma data que seja boa para todas, porque o horário tem que ser o mes­mo. Todo mun­do no mes­mo tom, com as mes­mas músi­cas. A gente tra­bal­ha isso o ano inteiro para pas­sar as músi­cas para elas ensa­iarem”, rela­tou.

O Encon­tro vai se espal­har por 32 cidades, incluin­do algu­mas fora do Brasil, no mes­mo dia, horário e com as mes­mas músi­cas. “O pro­je­to foi abraça­do por todas as mul­heres, tan­to que a gente começou com 11 cidades, já cheg­amos a 43 e este ano esta­mos com 32. Pos­si­bil­i­tou muitas mul­heres a se conectarem com elas mes­mas, se conectarem com a nos­sa história, que a gente não é só isso que falam, mas muito mais”.

Dori­na con­ta que o pro­je­to segue a lin­ha de out­ros que já desen­volveu para ampli­ar o con­hec­i­men­to do sam­ba. “As min­has ideias surgem sem­pre para movi­men­tar, para que as coisas mel­horem. Foi assim com Sub­ur­ban­istas que come­cei a can­tar o sub­úr­bio car­i­o­ca jun­to com Luiz Car­los da Vila e Mau­ro Diniz, foi com Mul­heres de Zeca, já exis­tia o Mul­heres de Chico, e fize­mos Mul­heres de Zeca [Blo­co car­navale­sco e espetácu­lo musi­cal em hom­e­nagem ao can­tor e com­pos­i­tor Zeca Pagod­in­ho] no sub­úr­bio e assim foi tam­bém o Encon­tro de Mul­heres. Esse avançou e con­quis­tou várias cidades que a gente nem esper­a­va con­quis­tar. Tem em Goiâ­nia, tem Belém, três cidades do inte­ri­or da Bahia e tem no Acre”.

Fora do Brasil, mul­heres de várias cidades como Toron­to, Canadá, Por­tu­gal, Uruguai e Argenti­na vão par­tic­i­par. “Hoje em dia, com a inter­net e o What­sapp, a gente vai cos­tu­ran­do, fazen­do work­shop através de YouTube para elas, que par­tic­i­pam tam­bém de reuniões por meat­ing. Durante o ano, con­tin­u­am fazen­do ativi­dades. A gente está sem­pre em con­ta­to e tam­bém para a gente tro­car exper­iên­cias, por exem­p­lo, o gov­er­no uruguaio esta­b­ele­ceu o Dia das Mul­heres no Sam­ba, que é o dia do nos­so encon­tro. Elas con­seguiram através do nos­so movi­men­to. Aqui no Brasil a gente não con­seguiu”, com­parou, lem­bran­do que mes­mo durante a pan­demia foi pos­sív­el realizar o pro­je­to vir­tual­mente.

Homenagens

Como sem­pre, o pro­je­to hom­e­nageia uma can­to­ra e foi assim com Beth Car­val­ho, Elza Soares, Alcione, Tere­sa Cristi­na, Leci Brandão e Tia Suri­ca. Este ano, no entan­to, serão duas as hom­e­nageadas. Clementi­na de Jesus, in memo­ri­am, e Áurea Mar­tins, que estará pre­sente e vai can­tar.

Rio de Janeiro (RJ) 27/11/2024 – Retrato da cantora Áurea Martins, homenageada da 7ª edição do Encontro Nacional e Internacional de Mulheres na Roda de Samba. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: Rio de Janeiro (RJ) 27/11/2024 – Retra­to de Áurea Mar­tins, hom­e­nagea­da no encon­tro — Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

“Quan­do surgiu essa ideia [de faz­er as hom­e­na­gens no Encon­tro] que­ria dar flo­res em vida para as que estavam aí”, comen­tou, em alusão ao sam­ba Quan­do eu me chamar saudade, em que o com­pos­i­tor Nél­son Cavaquin­ho, escreveu os ver­sos Me dê as flo­res em vida/O car­in­ho, a mão amiga/Para aliviar meus ais, reforçan­do a importân­cia de rece­ber hom­e­na­gens enquan­to vivo.

Mas para Clementi­na, que será rep­re­sen­ta­da pela neta Vera de Jesus, será a primeira vez que o Encon­tro faz hom­e­nagem a quem já fez a pas­sagem.

Ancestralidade

“Eu estou muito gra­ta, primeiro que o pro­je­to da Dori­na é uma coisa lin­da e ela hom­e­nageia várias mul­heres. Ago­ra é a vez da vovó e da Áurea Mar­tins, em vida. Eu estou muito feliz e me sin­to muito gra­ta. Dori­na me con­vi­dou ago­ra para rep­re­sen­tar a vovó e só ten­ho que diz­er obri­ga­da por essa hom­e­nagem belís­si­ma. A vovó tem tudo a ver com esse movi­men­to, porque quan­do ela surgiu teve um pro­tag­o­nis­mo fem­i­ni­no, trouxe isso com ela em uma época que era dom­i­na­da pelos home­ns. Ela chegou, chegan­do mes­mo e des­de lá já tin­ha essa visão de estar des­bra­van­do o lugar da mul­her no sam­ba. Por ser aquar­i­ana, é uma mul­her que enx­er­ga lá na frente, dizem isso, né?”, disse Vera à reportagem, ani­ma­da com a hom­e­nagem.

A neta desta­cou ain­da a feli­ci­dade pelo papel que Clementi­na tem no sam­ba e na músi­ca, espe­cial­mente na época em que a Bossa Nova esta­va no auge. “Era um movi­men­to muito forte e ela chega com aque­la voz dela, sin­gu­lar”, obser­vou.

Rio de Janeiro (RJ) 27/11/2024 – Retrato das cantoras Dorina, idealizadora do Encontro Nacional e Internacional de Mulheres na Roda de Samba, e Vera de Jesus, neta de Clementina de Jesus, homenageada in memoriam da 7ª edição do evento. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Rio de Janeiro (RJ) 27/11/2024 – Retra­to das can­toras Dori­na, ide­al­izado­ra do Encon­tro Nacional e Inter­na­cional de Mul­heres na Roda de Sam­ba, e Vera de Jesus, neta de Clementi­na de Jesus, hom­e­nagea­da in memo­ri­am no Encon­tro — Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

“Com­paro à lig­ação entre Mãe África e Brasil. Uma voz que veio e dev­e­ria ter mostra­do mais na época, mas chegou um tem­po que para a indús­tria [fono­grá­fi­ca] não era mais inter­es­sante Clementi­na de Jesus, mas até hoje o nome dela está fir­ma­do, está aí respeita­do. Ela está sem­pre sendo hom­e­nagea­da”.

Vera con­sid­era impor­tan­tís­si­mo ser neta de Clementi­na de Jesus e poder par­tic­i­par desse even­to rep­re­sen­tan­do a avó. “É um orgul­ho. Eu estou muito, muito, muito feliz. Eu nem sabia que ia ter e um dia a Dori­na me ligou para diz­er que gostaria que eu estivesse pre­sente. Disse para ela ‘é para já, é pra ontem’. Eu abra­cei. Ela tem tudo a ver com esse movi­men­to de Dori­na. É uma mul­her visionária. Isso já vem lá de trás. Com mui­ta vital­i­dade. Ela veio com mui­ta força”, descreveu a avó.

Com tan­ta admi­ração foi nat­ur­al ter se tor­na­do can­to­ra por influên­cia de Clementi­na. Des­de peque­na, se encan­ta­va quan­do a avó, ain­da empre­ga­da domés­ti­ca e coz­in­heira con­trata­da para fes­tas, fica­va can­tan­do enquan­to tra­bal­ha­va. “Sem­pre ouvia ela can­tan­do e acha­va aqui­lo muito boni­to”.

A can­to­ra já disse algu­mas vezes que o com­pos­i­tor, poeta e pro­du­tor musi­cal Her­mínio Bel­lo de Car­val­ho, respon­sáv­el por levar Clementi­na para a músi­ca, desco­briu uma joia rara.

“Her­minio fala que não desco­briu ela, diz que foi um acha­do. Ele esta­va vin­do da pra­ia e ouviu uma voz sain­do da Taber­na da Glória e per­gun­tou que voz difer­ente era. Depois de um tem­po se reen­con­traram e tudo começou com Rosas de Ouro, no Teatro Jovem em Botafo­go. Depois ela começou a ir para as noitadas do Teatro Opinião, em Copaca­bana. Algu­mas vezes eu ia lá acom­pan­han­do e a via can­tan­do. Aí que me apaixonei de ver­dade mes­mo. Aqui­lo entrou no meu sangue e não saiu mais. Uma boa influên­cia. Ela me influ­en­ciou demais. Ela é min­ha musa inspi­rado­ra”, con­cluiu.

A pre­sença da avó que a lev­a­va a São Paulo para algu­mas apre­sen­tações des­per­tou na neta, ape­sar da timidez, a von­tade de faz­er o mes­mo. “Uma das vezes que eu fui, ela me chamou para can­tar. Eu era muito tími­da, mas vi que era o que eu que­ria faz­er”, disse, lamen­tan­do que nun­ca con­seguiu gravar um dis­co com Clementi­na.

Hoje, além de can­to­ra, Vera é com­pos­i­to­ra da Portela e inte­gra há três anos o grupo Matri­ar­cas do Sam­ba, na com­pan­hia de Nil­cemar Nogueira, neta de Car­to­la e Sel­ma Can­deia, fil­ha do mestre Can­deia. Um grupo que rep­re­sen­ta uma ances­tral­i­dade no sam­ba. “Cos­tu­mo falar isso. Esta­mos nes­sa empre­ita­da para con­tin­uar levan­do o lega­do dos nos­sos às ger­ações futuras. Esse pro­je­to nos­so é para isso. Para mostrar o tra­bal­ho de Clementi­na, de Car­to­la e de Can­deia”, comen­tou.

Ain­da na estra­da de trans­mi­tir o lega­do do sam­ba, Vera inte­grou o pro­je­to Sam­ba Miud­in­ho, que lev­ou apre­sen­tações, no segun­do semes­tre deste ano, a alunos das esco­las da rede públi­ca munic­i­pal do Rio.

“As Matri­ar­cas levaram a história do sam­ba e de Clementi­na, Car­to­la e Can­deia”, disse, desta­can­do que o grupo tam­bém faz muito tra­bal­ho no Museu do Sam­ba, cri­a­do para guardar a memória deste tipo de músi­ca que encan­ta mui­ta gente. O Museu fica aos pés do Mor­ro da Mangueira, per­to da quadra da esco­la, na zona norte do Rio, e tem entre os fun­dadores Nil­cemar Nogueira, quan­do ain­da era Cen­tro Cul­tur­al Car­to­la, fun­da­do em 2001.

Homenagem em vida

Para Áurea Mar­tins, as hom­e­na­gens são sem­pre muito espe­ci­ais para quem recebe e mostram um sinal de que algu­ma coisa na tra­jetória chamou atenção de for­ma pos­i­ti­va.

Rio de Janeiro (RJ) 27/11/2024 – Retrato da cantora Áurea Martins, homenageada da 7ª edição do Encontro Nacional e Internacional de Mulheres na Roda de Samba. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: Áurea Mar­tins diz que quer somar aos home­ns, para jun­tos defend­erem os sam­ba — Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

“Uma hom­e­nagem dessa, com mul­heres espe­ci­ais que estão aí nas rodas, tocan­do, com­pon­do e val­orizan­do o lega­do deix­a­do des­de Tia Cia­ta, pas­sar por Elza Soares, Clara Nunes, Beth Car­val­ho, Dona Ivone, Joveli­na, e a min­ha madrin­ha Elizeth Car­doso, que mostrou com o icôni­co álbum ‘Elizeth sobe o Mor­ro’, o val­or da voz fem­i­ni­na no mun­do do sam­ba, estou muito feliz com essa conexão”, comen­tou à Agên­cia Brasil.

“Ten­ho certeza que]outras hom­e­nageadas] se sen­ti­ram como eu me sin­to ago­ra, pre­sen­teadas por mul­heres que nun­ca vimos pes­soal­mente, de repente você desco­bre que sua voz teve eco no Brasil e em out­ros país­es. Aí se for­ma uma grande roda atrav­es­san­do fron­teiras, isso é ener­gia pura pairan­do no ar. Acred­i­to muito nis­so. Ninguém quer due­lar com as rodas dos home­ns, só quer­e­mos somar, pra jun­tos defen­d­er­mos esse patrimônio que é o sam­ba. Sim­ples assim”, com­ple­tou.

Áurea rev­el­ou que rece­beu com sur­pre­sa e mui­ta ale­gria, a notí­cia da hom­e­nagem pela Dori­na, que con­sid­era uma grande guer­reira do mun­do do sam­ba.

“Nun­ca pen­sei ter tan­to car­in­ho das mul­heres sam­bis­tas, pois como can­to­ra da noite, naveg­uei por vários esti­los, sem­pre fui uma ‘croon­er’, mas aten­ta a tudo. Aliás, tra­bal­han­do pra elite na zona sul, na déca­da de 70, lev­ei o par­tido-alto de Xangô, Anice­to e out­ros par­tideiros, a pon­to da Phillips [gravado­ra de dis­cos] se inter­es­sar e reg­is­trar essas noites em um LP chama­do ‘Uma Noite no 706’, uma boate no Leblon onde o sam­ba prevale­cia até o aman­hecer, jun­to a boleros, stan­dards amer­i­canos, bossa-nova e sam­ba canção. Era o sam­ba que chama­va mais atenção”, recor­da.

“Você pode con­ferir nesse LP aí ao vivo e muito atu­al e refer­ên­cia pra qual­quer can­tor ou can­to­ra de sam­ba”, recomen­da.

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