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Encontro e Feira dos Povos do Cerrado debate a preservação do bioma

Repro­dução: © Antônio Cruz/Agência Brasil

Tema do evento é Conexões de Povos, Culturas e Biomas


Pub­li­ca­do em 15/09/2023 — 21:13 Por Daniel­la Almei­da — Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

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O bio­ma Cer­ra­do é diver­so e vai muito além das pais­agens com as árvores de cas­cas grossas e tron­cos retor­ci­dos. Nes­sas ter­ras local­izadas, sobre­tu­do, na região cen­tral do Brasil, a veg­e­tação se mis­tu­ra às histórias de quem vive entre cam­pos, cha­padões, veredas e, tam­bém, no Cer­ra­do que fica no meio de zonas urbanas. 

As vivên­cias des­ta gente que luta para preser­var o cer­ra­do, suas sementes, suas águas e seus povos tradi­cionais estão sendo con­tadas no 10º Encon­tro e Feira dos Povos do Cer­ra­do, que neste ano tem o tema Conexões de Povos, Cul­turas e Bio­mas. O even­to acon­tece de 13 a 16 a setem­bro, na Torre de TV, no cen­tro de Brasília.

Nes­ta sex­ta-feira (15), a pro­gra­mação teve iní­cio com rodas de con­ver­sa e ofic­i­nas que ocor­reram embaixo das diver­sas ten­das bati­zadas com nomes da fau­na e da flo­ra do Cer­ra­do. Os diál­o­gos ocor­rem entre rep­re­sen­tantes do gov­er­no fed­er­al, acadêmi­cos, orga­ni­za­ções da sociedade civ­il, ambi­en­tal­is­tas e lid­er­anças de comu­nidades morado­ras do Cer­ra­do. O públi­co pode pas­sar pelos espaços livre­mente e tro­car saberes.

Água

Na mesa redon­da que tra­tou da gestão das águas, o coor­de­nador-ger­al de Revi­tal­iza­ção de Bacias Hidro­grá­fi­cas e Aces­so à Água do Min­istério do Meio Ambi­ente e Mudança do Cli­ma (MMA), Alexan­dre Resende Tofeti, desta­cou a neces­si­dade de con­hecer as comu­nidades locais e suas neces­si­dades para tra­bal­har para garan­tir a pro­dução e o fornec­i­men­to de água de qual­i­dade.

“Quer­e­mos mostrar a importân­cia do Cer­ra­do para a infil­tração da água e para ali­men­tar os rios do cer­ra­do. Esper­amos ter essa influên­cia, com ações do poder públi­co, asso­ci­adas ao aces­so à água de qual­i­dade e quan­ti­dade para as pop­u­lações tradi­cionais.”

Na mes­ma mesa redon­da, Aliene Bar­bosa e Sil­va, que é rep­re­sen­tante de comu­nidade tradi­cional de fun­dos e fecho de pas­to de Apare­ci­da do Oeste, no municí­pio baiano de Cor­renti­na, disse que quer chamar a atenção do MMA sobre a meta de des­mata­men­to zero até 2030. “Na veloci­dade que está o des­mata­men­to, não só no oeste da Bahia, mas, em todo o Cer­ra­do, real­mente, vamos chegar ao des­mata­men­to zero, porque, de fato, não terá mais o que des­matar. Não vai ter sobra­do nada em 2030”, disse.

O públi­co pre­sente repetiu em coro a frase dita pela lid­er­ança. “A gente está gri­tan­do socor­ro para o Min­istério do Meio Ambi­ente para deixar o Cer­ra­do em pé.”

Gestão financeira

Na ten­da onde foi pro­movi­do o diál­o­go sobre a filantropia comu­nitária na con­ser­vação do Cer­ra­do e da cul­tura dos povos, a dire­to­ra super­in­ten­dente do Insti­tu­to Sociedade, Pop­u­lação e Natureza (ISPN), Cris­tiane Azeve­do, val­ori­zou a autono­mia das comu­nidades para gerirem os recur­sos pri­va­dos arrecada­dos por orga­ni­za­ções da sociedade civ­il e empre­sas. “Quem está ali na lida sabe o que é pre­ciso, que tipo de recur­so é necessário, o que tem que ser feito, o que é pre­ciso mobi­lizar para aten­der às deman­das do próprio ter­ritório. Então, cabe às orga­ni­za­ções, fun­dos e empre­sas faz­er com que essa parte do inves­ti­men­to social pri­va­do chegue a eles, para que façam o que querem e o que a comu­nidade neces­si­ta.”

Nes­ta lóg­i­ca de auto­gestão de recur­sos finan­ceiros, o gestor de Pro­gra­mas do Fun­do Casa Socioam­bi­en­tal, Rodri­go Mon­tal­di, expli­cou que é pre­ciso capac­i­tar a comu­nidade para isso e as orga­ni­za­ções que apoiam pro­je­tos devem repen­sar as práti­cas. “Às vezes achamos que as comu­nidades não estão preparadas para gerir os recur­sos finan­ceiros. Tem planil­has, tem prestação de con­tas, tem uma cer­ta buro­c­ra­cia que muitas vezes é dita como impos­síveis de as pes­soas e dos gru­pos aces­sarem os recur­sos”. E exem­pli­fi­cou como é feito pela equipe que ele tra­bal­ha. “Todos os pro­je­tos que são con­trata­dos para rece­ber um apoio pas­sam para um pro­gra­ma de for­t­alec­i­men­to de capaci­dades. Nós damos ofic­i­nas de boas práti­cas da gestão, jus­ta­mente para mel­hor uti­lizar o recur­so. Ou seja, é um exer­cí­cio para dar fer­ra­men­tas aos cole­tivos, às comu­nidades para, tam­bém, enten­derem como fun­ciona esse plano”, expli­ca.

No mes­mo espaço que tra­tou de finan­cia­men­tos, a rep­re­sen­tante da WWF-Brasil para des­mata­men­to zero e con­ver­são, Bian­ca Yukie Mal­don­a­do Nakam­a­to, rela­tou a difi­cul­dade de con­seguir doações estrangeiras para pro­je­tos volta­dos à con­ser­vação do Cer­ra­do, que, em ger­al, são mais focadas no bio­ma da Amazô­nia. “´É um tra­bal­ho de con­stan­te­mente reforçar o papel do Cer­ra­do, dos serviços ecos­sistêmi­cos, da manutenção dos nos­sos povos, dos nos­sos bio­mas, faz­er a conexão com a Amazô­nia, com a Mata Atlân­ti­ca. Porque, senão, o Cer­ra­do cairá no esquec­i­men­to. Aqui, a gente faz ciên­cia tam­bém, é uma ciên­cia que é brasileira, que tem os con­hec­i­men­tos e os saberes tradi­cionais.”

Proteção e defesa

O Insti­tu­to Cer­ra­dos tra­bal­ha com a meta de pro­te­ger 1 mil­hão de hectares do Cer­ra­do até 2050. De acor­do com a inte­grante da orga­ni­za­ção não gov­er­na­men­tal do Dis­tri­to Fed­er­al, Cami­la Tomaz, uma área de cer­ca de 66 mil hectares do Cer­ra­do já foi preser­va­da graças às ini­cia­ti­vas pro­movi­das pela enti­dade. Segun­do ela, neste momen­to, o insti­tu­to tra­bal­ha para divul­gar o instru­men­to chama­do de Servidão Ambi­en­tal, para pro­teção de áreas de veg­e­tação nati­va, já pre­vis­to na Políti­ca Nacional de Meio Ambi­ente.

Cami­la clas­si­fi­ca a 10ª edição do encon­tro como a sem­ana mais impor­tante do ano para os ambi­en­tal­is­tas do Cer­ra­do. “É incrív­el essa tro­ca e esse momen­to em que os vis­i­tantes podem pas­sar em várias ten­das, ouvir sobre diver­sos temas, tro­car mais infor­mações, fora os pro­du­tos que nós temos aces­so na feira”.

Pesquisadores

No 10º encon­tro e Feira dos Povos do Cer­ra­do, hou­ve espaço tam­bém para o lança­men­to e dis­tribuição do “Guia de Plan­tas do Cer­ra­do para Recom­posição Veg­e­tal Nati­va”, da Empre­sa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embra­pa). O pesquisador Felipe Ribeiro, da unidade Embra­pa Cer­ra­dos, falou sobre ger­mi­nação de sementes, recu­per­ação e restau­ração de ambi­entes, preser­vação per­ma­nente e trans­fer­ên­cia de tec­nolo­gias. “A pre­ocu­pação é sobre como ger­ar con­hec­i­men­to cien­tí­fi­co e colo­car para a sociedade e o gov­er­no, como atin­gir as metas de recom­posição dos 12 mil­hões de hectares de Cer­ra­do até 2030. Nós esta­mos pre­ocu­pa­dos em faz­er com que isso chegue àquele usuário que vai, defin­i­ti­va­mente, faz­er a recom­posição desse cer­ra­do, o que não é bara­to”.

A dire­to­ra-pres­i­dente da Asso­ci­ação dos Ami­gos das Flo­restas, Regi­na Fer­nan­des Regi­na Fer­nan­des, de Sobrad­in­ho, no Dis­tri­to Fed­er­al, desta­cou a importân­cia do movi­men­to de recom­posição da veg­e­tação nati­va do Cer­ra­do. “Os maiores desafios são três: man­ter a veg­e­tação nati­va que ain­da existe; parar o des­mata­men­to total­mente, porque o Cer­ra­do já perdeu mais de 50% de sua área; e reflo­restar nas áreas, prin­ci­pal­mente, de recar­ga de aquífer­os, porque as raízes das plan­tas do cer­ra­do con­duzem a água para os aquífer­os”, expli­cou a ambi­en­tal­ista.

Out­ro espaço do encon­tro, focou na val­oriza­ção das pop­u­lações que habitam o Cer­ra­do. A secretária nacional de Povos e Comu­nidades Tradi­cionais e Desen­volvi­men­to Rur­al Sus­ten­táv­el do Min­istério do Meio Ambi­ente e Mudanças Climáti­cas (MMA), Edel Nazaré, defend­eu a con­tabil­i­dade dess­es povos pelo Insti­tu­to Brasileiro de Geografia e Estatís­ti­ca (IBGE) para que o gov­er­no fed­er­al pos­sa elab­o­rar políti­cas públi­cas voltadas para as neces­si­dades especí­fi­cas de cada grupo. A secretária desta­cou os povos indí­ge­nas e os quilom­bo­las.

“Nos­sa mis­são tam­bém é traz­er­mos à vis­i­bil­i­dade, quan­to são os extra­tivis­tas, os geraizeiros [pop­u­lação nati­va do cer­ra­do do norte de Minas Gerais], as que­bradeiras de coco babaçu. É pre­ciso dar­mos vis­i­bil­i­dade a essas iden­ti­dades, a ess­es povos e comu­nidades. Assim, podemos estar com muito mais firmeza tra­bal­han­do jun­to na elab­o­ração, na con­strução de ações e de políti­cas públi­cas.”

Guardiões do Cerrado

As diver­sas comu­nidades que se espal­ham no ter­ritório de 2 mil quilômet­ros quadra­dos do Cer­ra­do, em 11 esta­dos brasileiros, estão rep­re­sen­tadas no 10º encon­tro nacional sobre o segun­do bio­ma do Brasil. A indí­ge­na Elisân­gela Dias, da etnia Apina­jé, veio do norte do Tocan­tins, onde vivem cer­ca de 4 mil indí­ge­nas, em cer­ca de 80 aldeias. Ela atua em uma briga­da vol­un­tária de 40 ado­les­centes e mul­heres que com­bat­em o fogo flo­re­stal e pro­movem a edu­cação ambi­en­tal de cri­anças, nas esco­las da região.

Brasília (DF), 15/09/2023, Elisangela Apinajé, durante o 10º Encontro e Feira dos Povos do Cerrado continua até amanhã em Brasília. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil
Repro­dução: Brasília (DF), 15/09/2023 — A indí­ge­na Elisan­gela Apina­jé veio do norte do Tocan­tins. Antônio Cruz/Agência Brasil

A indí­ge­na con­ta que a comu­nidade sofre com a ocor­rên­cia de queimadas na veg­e­tação local. No entan­to, a jovem disse que vai levar exper­iên­cias vivi­das no encon­tro e repas­sar a quem ficou no ter­ritório. “Eu não tin­ha essa exper­iên­cia igual a que o pes­soal está con­tan­do aqui. Acho impor­tante cuidar­mos do Cer­ra­do, porque é Cer­ra­do quem cui­da de nós, traz tudo para nós, que moramos na reser­va Apina­jé. Do Cer­ra­do, a gente tira a madeira para faz­er nos­sas casas. Ele tam­bém traz as fru­tas, a pesca, tudo.”

 

Já a pres­i­dente do Sindi­ca­to dos Tra­bal­hadores Rurais em Bocaiú­va, em Minas Gerais, Marly Duarte de Souza, ouviu o debate sobre o Pro­gra­ma Quin­tais Pro­du­tivos, for­t­ale­ci­do após a Mar­cha das Mar­gari­das, real­iza­da em agos­to, da qual Marly tam­bém par­ticipou. A peque­na agricul­to­ra entende que o pro­gra­ma fed­er­al colab­o­ra para a eman­ci­pação fem­i­ni­na. “Os quin­tais pro­du­tivos aju­dam nos mer­ca­dos locais e para a mul­her, ela já terá o din­heiro. O que eu sem­pre digo é que a sobera­nia da mul­her pas­sa pelo bol­so. É pre­ciso ter ren­da. A mul­her que não tem ren­da, não pode diz­er que é total­mente livre.”

 

Maria de Lour­des Souza Nasci­men­to, líder da comu­nidade rur­al e Mocão da Onça, no norte de Minas Gerais, na cidade de Porteir­in­ha, disse que a região é de tran­sição entre o Cer­ra­do e a Caatin­ga. Ela veio a Brasília defend­er a bio­di­ver­si­dade dos dois bio­mas e a econo­mia cria­ti­va, a par­tir dos pro­du­tos col­hi­dos e ven­di­dos na coop­er­a­ti­va coman­da­da por 36 famílias.

Brasília (DF), 15/09/2023, Maria de Loudes Nascimento (Agricultora), durante o 10º Encontro e Feira dos Povos do Cerrado continua até amanhã em Brasília. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil
Repro­dução: Brasília (DF), 15/09/2023 — Maria de Lour­des Nasci­men­to defende a bio­di­ver­si­dade do Cer­ra­do e da Caatin­ga — Antônio Cruz/Agência Brasil

“Vim aqui defend­er o Cer­ra­do, não só para deixá-lo em pé e porque falam que ele é a caixa d’água do país. A importân­cia do Cer­ra­do e da Caatin­ga tem out­ros sen­ti­dos como a gas­trono­mia, a ven­da de arte­sana­to, do umbu, da far­in­ha do jato­bá, tem a manga­ba, cagai­ta, coquin­ho aze­do e por aí vai. Nós temos uma coop­er­a­ti­va que faz esse aproveita­men­to das fru­tas para colo­car na ali­men­tação esco­lar. Vamos cuidar para não acabar”.

Feira e atrações

Até este sába­do (16), o 10º Encon­tro e Feira dos Povos do Cer­ra­do real­iza, para­le­la­mente às rodas de con­ver­sa, ofic­i­nas cul­tur­ais, de adornos e gas­tronômi­ca, além de exposição fotográ­fi­ca e a tradi­cional feira de pro­du­tos arte­sanais, roupas e ali­men­tos das cadeias socio­pro­du­ti­vas do Cer­ra­do.

Entre os arti­gos estão pro­du­tos feitos a par­tir de argi­la, madeira, sem­pre-viva, capim doura­do, couro, madeira, bio­jóias de sementes e pedras nat­u­rais, far­in­has, geleias e um catál­o­go diver­so que pode ser con­feri­do na Torre de TV, em Brasília, próx­i­ma à rodoviária.

Edição: Sab­ri­na Craide

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