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Entenda a origem do Hamas, grupo islâmico palestino que controla Gaza

Repro­dução: © REUTERS/Ibraheem Abu Mustafa

Surgimento ocorreu em 1987, após início da primeira Intifada


Pub­li­ca­do em 26/11/2023 — 07:54 Por Lucas Pordeus León — Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

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Um dos prin­ci­pais atores do con­fli­to no Ori­ente Médio é o Hamas, grupo que lid­er­ou o ataque con­tra Israel no dia 7 de out­ubro, sendo con­sid­er­a­do uma orga­ni­za­ção ter­ror­ista por país­es como Esta­dos Unidos, Reino Unido, Japão e nações europeias. Para enten­der a guer­ra atu­al na Palesti­na, é pre­ciso con­hecer as ori­gens e história dessa orga­ni­za­ção. 

O Hamas, palavra que sig­nifi­ca “Movi­men­to de Resistên­cia Islâmi­ca”, foi fun­da­do em 1987 após o iní­cio da primeira Intifa­da, que foi uma ampla revol­ta palesti­na con­tra a ocu­pação israe­lense em seus ter­ritórios. O grupo foi cri­a­do a par­tir da Irman­dade Mulçu­mana que, até então, fazia um tra­bal­ho de assistên­cia social na Palesti­na.

Ao con­trário do Fatah, par­tido que ain­da hoje admin­is­tra parte da Cisjordâ­nia, o Hamas não aceitou desi­s­tir da luta arma­da e se opôs aos acor­dos de Oslo, que levaram a Orga­ni­za­ção pela Lib­er­tação da Palesti­na (OLP) a depor as armas e nego­ciar com Israel.

A par­tir dos anos 2000, Hamas pas­sou a dis­putar eleições e, em 2006, con­quis­tou a maio­r­ia no leg­isla­ti­vo (76 das 132 cadeiras), em um pleito con­sid­er­a­do limpo por obser­vadores inter­na­cionais. Porém, Israel, Esta­dos Unidos e potên­cias europeias não aceitaram o resul­ta­do e a dis­pu­ta entre Fatah e Hamas sep­a­rou o ter­ritório palesti­no, com Fatah con­trolan­do parte da Cisjordâ­nia e Hamas fican­do com toda Faixa de Gaza. Des­de então, Gaza vive um blo­queio impos­to por Israel, que mon­i­to­ra a entra­da e saí­da de pes­soas e mer­cado­rias.

Para enten­der mel­hor a história desse grupo islâmi­co, a Agên­cia Brasil entre­vis­tou dois espe­cial­is­tas no assun­to. O primeiro foi o pro­fes­sor de jor­nal­is­mo da Pon­tif­í­cia Uni­ver­si­dade Católi­ca (PUC) de São Paulo José Arbex Junior, que é escritor e doutor em História pela USP. Autor do livro Ter­ror e Esper­ança na Palesti­na, ele foi cor­re­spon­dente inter­na­cional da Fol­ha de São Paulo em Moscou e Nova York.

A segun­da foi com a pro­fes­so­ra de pós-grad­u­ação em Relações Inter­na­cionais da PUC de Minas Gerais Rash­mi Singh. De origem indi­ana, ela estu­da a questão árabe-israe­lense há mais de 20 anos e escreveu o livro O Hamas e o ter­ror­is­mo sui­ci­da: abor­da­gens mul­ti­cau­sais e mult­i­níveis.

Agên­cia Brasil: O que deter­mi­nou a origem do Hamas?

José Arbex: Ele surge, na sua ver­são orig­i­nal, como um braço da Irman­dade Mulçu­mana na palesti­na, orga­ni­za­ção que tem como prin­ci­pal obje­ti­vo a assistên­cia social, filantrópi­ca e educa­ti­va para aten­uar as mis­érias cau­sadas pela pobreza. Com a 1ª intifa­da, o Hamas foi cri­a­do com obje­ti­vo de lutar mil­i­tar­mente con­tra Israel.

Eles enten­der­am, a par­tir da 1ª intifa­da, que não havia mais como nego­ciar, uma vez que Israel exer­cia força bru­ta, incluin­do assas­si­natos con­tra ado­les­centes e cri­anças. Isso dis­tan­ciou o Hamas da OLP, que assum­iu o cam­in­ho do diál­o­go, aban­do­nan­do a luta arma­da.

 

24/10/2023, Rashmi Singh, professora de relações internacionais da PUC Minas, durante entrevista a TV Assembleia MG. Foto: Frame/TV Assembleia MG
Repro­dução: Rash­mi Singh, pro­fes­so­ra de relações inter­na­cionais da PUC Minas, durante entre­vista a TV Assem­bleia MG. Frame/TV Assem­bleia MG

Rash­mi Singh: O Hamas foi cri­a­do a par­tir da Irman­dade Mulçu­mana, orga­ni­za­ção que esta­va pre­sente na Faixa de Gaza des­de 1945. O grupo foi cri­a­do para ter uma par­tic­i­pação mais ati­va na resistên­cia con­tra a ocu­pação de Israel com a 1ª intifa­da.

Com a 1ª intifa­da, a Irman­dade quis par­tic­i­par para ficar rel­e­vante no ambi­ente políti­co palesti­no. Como eles tin­ham medo da respos­ta de Israel, cri­aram o Hamas.

A difer­ença do Hamas para os out­ros par­tidos palesti­nos foi o uso do islamis­mo no dis­cur­so para gan­har a nação palesti­na. Já havi­am par­tidos anti­gos usan­do nar­ra­ti­vas de nacional­is­mo palesti­no e defend­en­do a luta arma­da. O que mudou com Hamas foi a lig­ação do par­tido com o Islã.

Agên­cia Brasil: Quan­do o Hamas começou a usar vio­lên­cia con­tra alvos civis?

José Arbex: Num dado momen­to, surge den­tro do Hamas a dis­posição de pro­mover ataques a bom­bas con­tra civis, mas essa não foi a úni­ca for­ma de luta do grupo. O Hamas tam­bém apoiou várias ten­ta­ti­vas de luta civ­il em que a pop­u­lação fazia mar­chas pací­fi­cas até a fron­teira. Em respos­ta, Israel man­da­va ati­rar matan­do e muti­lan­do cen­te­nas de civis. Isso demon­stra­va que não havia como nego­ciar paci­fi­ca­mente com Israel.

Sem­pre teve gente muito rad­i­cal e gente mais dis­pos­ta ao diál­o­go no Hamas. Até hoje é assim. O que acon­te­ceu é que o aten­ta­do em Hebron foi tão bru­tal que des­per­tou ain­da mais os setores mais rad­i­cais do Hamas [Em 1994, um colono israe­lense abriu fogo con­tra palesti­nos que rezavam em uma mesqui­ta, matan­do 29 pes­soas]. Quan­do o colono faz isso e não é punido, isso des­per­ta os setores mais rad­i­cais do Hamas.

Rash­mi Singh: É difí­cil falar o momen­to que eles começaram a usar ter­ror­is­mo. Hamas tin­ha uma nar­ra­ti­va vio­len­ta des­de o iní­cio da 1ª intifa­da, mas não era só o Hamas. O próprio Fatah e out­ros par­tidos tam­bém tin­ham essa nar­ra­ti­va vio­len­ta. Ini­cial­mente, a vio­lên­cia do Hamas era con­tra alvos mil­itares até porque os tan­ques invadi­ram as cidades palesti­nas na 1ª intifa­da, não tin­ha como não ser con­tra mil­itares.

Mas quan­do começou o acor­do de Oslo eles percebem que, para con­tin­uar a ter relevân­cia, tin­ham que man­ter a posição rev­olu­cionária e, para isso, pre­cisavam usar vio­lên­cia, fazen­do isso con­tra os colonos e mil­itares israe­lens­es.

Hamas tem obje­tivos estratégi­cos para usar o ter­ror­is­mo. O primeiro obje­ti­vo é sem­pre a sobre­vivên­cia. Eles usam vio­lên­cia para sobre­viv­er em um ambi­ente políti­co que não têm mes­mo nív­el dos out­ros par­tidos. O segun­do obje­ti­vo é para ficar rel­e­vante. Out­ro moti­vo é a vin­gança.

É muito difí­cil explicar como a ocu­pação israe­lense é pesa­da, como é difí­cil o dia a dia dos palesti­nos. É difí­cil falar com palavras, tem que ir lá ver a ocu­pação. Nesse cenário, um dos obje­tivos da vio­lên­cia é a vin­gança. Muitos vol­un­tários do Hamas perder­am famílias, casas, e tiver­am irmãs estupradas. A vio­lên­cia do Hamas é uma vin­gança con­tra a vio­lên­cia da ocu­pação.

Agên­cia Brasil: Qual o atu­al obje­ti­vo do Hamas? Há espaço para nego­ci­ação?

Entenda a origem do Hamas, grupo islâmico palestino que controla Gaza. Jornalista José Arbex. Foto: Flickr/Damião A. Francisco
Repro­dução: Enten­da a origem do Hamas, grupo islâmi­co palesti­no que con­tro­la Gaza. Jor­nal­ista José Arbex. Flickr/Damião A. Fran­cis­co

José Arbex: A primeira car­ta de princí­pios do Hamas, de 1987, dizia que o obje­ti­vo era acabar com Israel e com os judeus, declar­ações que pode­ri­am ser clas­si­fi­cadas como anti­s­semi­tas. Mas, em 2017, elas ado­taram out­ra car­ta e sub­stituem a palavra judeu, se colo­can­do con­tra ape­nas os sion­istas. Além dis­so, procla­mam a intenção de cri­ar um Esta­do islâmi­co, regi­do pelas leis islâmi­cas, mas onde seri­am asse­gu­ra­dos os dire­itos e a ple­na cidada­nia a islâmi­cos, cristãos e judeus.

Ao con­trário do que dizem, o Hamas quis, ao lon­gos dos anos, entrar num proces­so de nego­ci­ação. Quem não quer é israel. A própria OLP, por exem­p­lo, era chama­da de ter­ror­ista antes do acor­do de Oslo e isso não impediu Israel de nego­ciar.

Rash­mi Singh: Hamas sem­pre mostrou capaci­dade para nego­ci­ação. Temos que sep­a­rar o que é nar­ra­ti­va e o que é com­por­ta­men­to. Ape­sar de sem­pre ter exis­ti­do essa nar­ra­ti­va de não aceitar Israel, na práti­ca eles sem­pre mostraram capaci­dade de diál­o­go, difer­ente da Jihad Islâmi­ca, que é bem mais rad­i­cal e não tem capaci­dade de nego­ciar.

Foram muitas vezes que eles sug­eri­ram parar de usar vio­lên­cia, des­de que Israel aceitasse deter­mi­nadas condições, mas essas condições nun­ca foram aceitas, como o retorno dos palesti­nos para suas ter­ras. Temos que enten­der que Israel não acei­ta a solução dos dois esta­dos.

Nós perdemos a opor­tu­nidade de mod­er­ar o Hamas quan­do ele gan­hou as eleições em 2006 e o resul­ta­do foi rejeita­do. Foi um grave erro nes­sa época.

Agên­cia Brasil: O que acon­te­ceu depois da vitória do Hamas em 2006?

José Arbex: Acon­te­ceu que Israel e os EUA não recon­hece­r­am as eleições, con­sid­er­a­da limpa por obser­vadores inter­na­cionais. Como não aceitaram o resul­ta­do, ini­ciou-se uma dis­pu­ta que deu ao Hamas o con­t­role da Faixa de Gaza, com a Cisjordâ­nia fican­do com a Autori­dade Nacional Palesti­na (ANP) [enti­dade que admin­is­tra parte da Cisjordâ­nia e, até 2006, admin­is­tra­va Gaza].

Mas essa foi uma crise provo­ca­da por Israel e Esta­dos Unidos. Afi­nal, Ben­jamin Netanyahu [primeiro-min­istro de Israel] acha­va bom o cresci­men­to do Hamas porque isso dividia os palesti­nos.

Por isso, Israel fechou os olhos para o fato de o Hamas rece­ber ver­bas e din­heiro do Catar e de out­ras fontes suni­tas. Durante todo esse perío­do, Israel per­mi­tiu que Hamas recebesse fun­dos, man­ten­do a políti­ca ter­rív­el chama­da de ceifadeira. Essa políti­ca deix­a­va o Hamas crescer e se armar. Depois de crescer um pouco, Israel vai lá e dá uma “poda­da” na gra­ma. Isso expli­ca os ataques à Gaza de tem­pos em tem­pos.

Rash­mi Singh: O Hamas gan­hou em uma situ­ação de guer­ra e de mui­ta vio­lên­cia. Havia tam­bém mui­ta cor­rupção na Autori­dade Nacional Palesti­na. O sen­ti­men­to da pop­u­lação, depois de dez anos de Oslo, era de que a ANP não tin­ha capaci­dade de garan­tir a paz ou os dois esta­dos.

Porém, Israel, Esta­dos Unidos e União Europeia não aceitaram o resul­ta­do da eleição democráti­ca. Ess­es país­es começaram a apoiar a ANP para dividir o movi­men­to palesti­no. Mah­moud Abbas, que perdeu as eleições, viu a chance de con­tin­uar no poder e tam­bém não aceitou a vitória do Hamas.

Edição: Aline Leal

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