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Entenda as linhas de investigação dos incêndios florestais no país

Repro­dução: © Marce­lo Camargo/Agência Brasil

Brasil registra quase 200 mil focos desde o início do ano


Publicado em 21/09/2024 — 08:42 Por Fabíola Sinimbú — Repórter da Agência Brasil — Brasília

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Com 85 inquéri­tos instau­ra­dos para inves­ti­gar um cenário de incên­dios flo­restais sem prece­dentes no Brasil, as apu­rações apon­tam indí­cios de crime ambi­en­tal. De acor­do com o del­e­ga­do da Polí­cia Fed­er­al à frente dos proces­sos, Hum­ber­to Freire de Bar­ros, são difer­entes as hipóte­ses que podem ter moti­va­do pes­soas de difer­entes partes do país a dar iní­cio ao fogo que con­some riquezas, saúde e capaci­dade do ser humano exi­s­tir no seu lugar.

Rio de Janeiro (RJ), 20/08/2024 - A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, participa do Encontro preparatório da Cúpula Social do G20, na Fundição Progresso, Lapa, região central do Rio de Janeiro. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Repro­dução: A min­is­tra do Meio Ambi­ente e Mudança do Cli­ma, Mari­na Sil­va. Foto: Tânia Rêgo/Arquivo Agên­cia Brasil

A min­is­tra do Meio Ambi­ente e Mudança do Cli­ma, Mari­na Sil­va, vê tam­bém um cenário de resistên­cia à retoma­da de uma políti­ca públi­ca ambi­en­tal.

“Nós con­seguimos retomar a cri­ação de unidades de con­ser­vação, demar­cação de ter­ra indí­ge­na, com­bate ao garim­po, faz­er um esforço enorme para reduzir des­mata­men­to no ano pas­sa­do em 50%, esse ano já reduz­i­mos 45% e esta­mos ago­ra diante de uma situ­ação, é uma com­bi­nação de um even­to climáti­co extremo que está assolan­do não só o Brasil, mas o plan­e­ta, e crim­i­nosos ate­an­do fogo no país.”

Há menos de dez dias para o fim do mês de setem­bro, o Brasil já reg­is­tra quase 200 mil focos des­de o iní­cio do ano. Mais da metade desse total teve iní­cio na Amazô­nia.

Grilagem

Segun­do o pesquisador Mauri­cio Tor­res, do Insti­tu­to Amazôni­co de Agri­cul­turas Famil­iares (Ineaf) da Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Pará (UFPA), que estu­da con­fli­tos ter­ri­to­ri­ais na região amazôni­ca, his­tori­ca­mente, o fogo é uma das eta­pas de um proces­so mais amp­lo de apro­pri­ação de ter­ras públi­cas não des­ti­nadas. Emb­o­ra o uso desse ele­men­to ten­ha muitas out­ras funções no cam­po, como con­t­role de pra­gas em áreas de pasta­gens ou elim­i­nação de resí­du­os sóli­dos, o fogo tam­bém serve para com­ple­tar o proces­so da der­ruba­da.

“Uma flo­res­ta recém-der­ruba­da cria um vol­ume imen­so de gal­hos, tron­cos e se não tocar fogo, não é pos­sív­el faz­er nada, nem entrar na área. Não con­segue for­mar pastagem, não con­segue faz­er nada. Então, o que eles fazem? Esper­am isso secar, tocam fogo e o solo fica expos­to”.

Essas der­rubadas têm comu­mente o obje­ti­vo de gri­lagem para apro­pri­ação de ter­ras públi­cas que ain­da não foram des­ti­nadas a cumprir uma função, como as ter­ras indí­ge­nas ou as unidades de con­ser­vação, por exem­p­lo, expli­ca Tor­res. De acor­do com o pesquisador, a apro­pri­ação de ter­ras é sem­pre pen­sa­da na lóg­i­ca das suces­si­vas anis­tias con­ce­di­das aos inva­sores, como as esta­b­ele­ci­das pelas Leis 11.962/2009 e 13.465/2017. A primeira anis­tiou invasões até 2004 e a segun­da esten­deu o bene­fí­cio até 2008, além de deter­minarem out­ros critérios como lim­ite de área e tipo de ocu­pação.

Para Tor­res nesse proces­so de gri­lagem, o des­mata­men­to ocu­pa um lugar de destaque. “Segun­do os atu­ais pro­gra­mas de ‘reg­u­lar­iza­ção fundiária’, um dos mel­hores doc­u­men­tos para provar o tem­po de ocu­pação é um auto de infração ambi­en­tal por des­mata­men­to. Ele mostra por um doc­u­men­to ofi­cial que ele [o inva­sor] esta­va lá na data da infração. Se ele não teve a ‘sorte’ de ter sido autu­a­do, ele pre­cisa mostrar uma imagem de satélite com esse des­mata­men­to feito até 2008”, expli­ca.

Em ima­gens de satélites, o pesquisador mostra que o des­mata­men­to se alas­tra, ao lon­go de mais de 20 anos, exata­mente pelas áreas públi­cas ain­da não des­ti­nadas, por isso é necessário pen­sar medi­das de enfrenta­men­to aos incên­dios flo­restais que vão além do con­t­role do fogo. “Não bas­ta você ter uma fis­cal­iza­ção ambi­en­tal, você tem que ter uma ação fundiária. Você tem que deixar de faz­er com que o des­mata­men­to seja pre­mi­a­do por um títu­lo da ter­ra. Você tem que com­bat­er a gri­lagem”, diz.

Crimes

Brasília (DF) 19/01/2024 - O diretor de Amazônia da Polícia Federal (PF), Humberto Freire de Barros, concederá entrevista para a Agência Brasil, fala sobre um ano das operações de desintrusão e combate ao garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami.Foto: Jose Cruz/Agência Brasil
Repro­dução: Dire­tor de Amazô­nia da Polí­cia Fed­er­al (PF), Hum­ber­to Freire de Bar­ros. Foto: José Cruz/Agência Brasil

Para o del­e­ga­do da Polí­cia Fed­er­al, a ação humana no uso do fogo em um momen­to em que o mane­jo foi proibido já apon­ta a existên­cia de um crime, mas ain­da é necessário enten­der cada caso.

De acor­do com Bar­ros, esse crime pode ser cul­poso, quan­do a pes­soa não teve a intenção de causar o incên­dio, ou doloso quan­do a ignição é inten­cional.

Nesse últi­mo caso, a gri­lagem é ape­nas um dos crimes conex­os aos crimes ambi­en­tais que têm sido apu­ra­dos nas inves­ti­gações, mas há out­ros, como a for­mação de quadrilha, ou crime orga­ni­za­do, lavagem de din­heiro, cor­rupção. “Por isso que a nos­sa inves­ti­gação muitas vezes leva um tem­po maior, para que pos­samos cor­rela­cionar ess­es out­ros crimes e dar a respos­ta do poder públi­co que ess­es crim­i­nosos mere­cem”, diz.

Retaliação

Bar­ros diz que o surg­i­men­to con­comi­tante de pon­tos de ignição do fogo em fração de min­u­tos tam­bém é um indí­cio de ação coor­de­na­da que leva a out­ras hipóte­ses investigativas.“A gente fez no sul do Ama­zonas, recen­te­mente, uma ação de repressão à min­er­ação ile­gal no Rio Madeira e nós destruí­mos mais de 420 dra­gas. Isso gera uma insat­is­fação por parte daque­les que estavam prat­i­can­do o crime e a gente tra­bal­ha com uma pos­si­bil­i­dade de retal­i­ação por parte dess­es crim­i­nosos ambi­en­tais, a esse novo momen­to que vive­mos de retoma­da da agen­da ambi­en­tal”.

Out­ras ações de desin­trusão de ter­ras indí­ge­nas e des­ocu­pação de unidades de con­ser­vação tam­bém lev­an­tam essa hipótese. Ain­da no mês de jul­ho, a pub­li­cação em um jor­nal local do municí­pio de Novo Pro­gres­so, no sud­este do Pará, trazia a declar­ação de pecuar­is­tas insat­is­feitos com a des­ocu­pação da Flo­res­ta Nacional Jamanx­im afir­man­do que seri­am capazes de incen­ti­var incên­dios na unidade de con­ser­vação, caso tivessem que reti­rar os reban­hos da área públi­ca fed­er­al.

Unidades de conservação

Brasília, DF 15-09-2024 Um Incendio atingiu o Parque Nacional de Brasília. Bombeiros e populares tentavam conter as chamas Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom
Repro­dução: Incên­dio de grandes pro­porções atingiu o Par­que Nacional de Brasília no últi­mo domin­go. Bombeiros e pop­u­lares ten­tavam con­ter as chamas Foto: Fabio Rodrigues-Pozze­bom/Agên­cia Brasil

Nos últi­mos meses, a queima de unidades de con­ser­vação foram além da Amazô­nia e afe­taram par­ques e flo­restas nacionais em out­ros bio­mas, como o Cer­ra­do, o segun­do mais atingi­do pelo fogo.

Para a pesquisado­ra Insti­tu­to de Pesquisa Ambi­en­tal da Amazô­nia e coor­de­nado­ra do Map­Bio­mas Fogo, Vera Arru­da, em agos­to deste ano, as savanas do Cer­ra­do tiver­am um aumen­to de 221% na área queima­da em com­para­ção ao ano ante­ri­or.

“Ess­es even­tos resul­tam na per­da de bio­di­ver­si­dade, com espé­cies de plan­tas e ani­mais, muitas vezes endêmi­cas, sendo impactadas. A destru­ição da veg­e­tação nati­va tam­bém afe­ta a capaci­dade do bio­ma de fun­cionar como reg­u­lador do ciclo hidrológi­co, já que o Cer­ra­do abri­ga nascentes de impor­tantes bacias hidro­grá­fi­cas. Além dis­so, os incên­dios podem causar a degradação do solo, aumen­tar a emis­são de gas­es de efeito est­u­fa e com­pro­m­e­ter os serviços ecos­sistêmi­cos”, expli­ca.

Danos ecossistêmicos

De acor­do o del­e­ga­do Bar­ros, nos inquéri­tos poli­ci­ais ini­ci­a­dos em razão dess­es incên­dios flo­restais, os cus­tos dess­es serviços ecos­sistêmi­cos tam­bém serão cal­cu­la­dos para que os respon­sáveis pelos crimes ambi­en­tais, tam­bém sejam respon­s­abi­liza­dos a ind­enizar essas per­das. “Ess­es serviços ecos­sistêmi­cos que a área atingi­da deixa de prestar é mon­e­tizáv­el, afer­ív­el finan­ceira­mente e isso está con­stan­do, des­de jul­ho do ano pas­sa­do quan­do a norma­ti­za­ção foi atu­al­iza­da, nos nos­sos lau­dos”, con­cluiu.

Edição: Valéria Aguiar

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