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Entenda como a nova onda de fake news influencia a guerra digital

Repro­dução: © Wil­son Dias/Agência Brasil

Melhor resposta à desinformação é o letramento e o ensinamento


Publicado em 20/03/2024 — 07:48 Por Eduardo Reina- Repórter da Agência Brasil — São Paulo

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Há uma nova onda de desin­for­mação no Brasil, impul­sion­a­da por con­teú­dos e notí­cias fal­sas – fake news – nas áreas de saúde, edu­cação, atre­ladas aos cos­tumes. Neste primeiro trimestre de 2024, teo­rias con­spir­atórias se propagam nas redes soci­ais com infor­mações fal­sas sobre vaci­nas, dengue, abor­to, esco­la sem par­tido, doutri­nação de esquer­da, cul­tura LGBT e ero­ti­za­ção, obser­vam pesquisadores.

Em anos eleitorais, ates­ta a jor­nal­ista e pesquisado­ra Mag­a­li Cun­ha, do Insti­tu­to de Estu­dos da Religião (Iser), do Rio de Janeiro, a propa­gação de fake news é inten­si­fi­ca­da.

“Os anos de 2018, 2020 e 2022 foram muito inten­sos com desin­for­mação nos ambi­entes dig­i­tais. Já entre 2019 e 2021, hou­ve delib­er­ada­mente uma políti­ca de desin­for­mar, pro­movi­da pelo gov­er­no [do pres­i­dente Jair] Bol­sonaro. Mas des­de out­ubro do ano pas­sa­do, é cada vez mais alta a inten­si­dade e quan­ti­dade de notí­cias fal­sas”, con­sta­ta Mag­a­li. Uma ver­dadeira guer­ra dig­i­tal, acres­cen­ta.

Magali Cunha, do Instituto de Estudos da Religião (Iser). Foto: magalicunha/instagram
Repro­dução: Mag­a­li Cun­ha, do Insti­tu­to de Estu­dos da Religião (Iser) — Foto: magalicunha/instagram

Há ain­da um ataque sistêmi­co à mídia tradi­cional. “A manip­u­lação da infor­mação tam­bém é pro­movi­da pelo grande ataque à cred­i­bil­i­dade dos jor­nais, rádios, emis­so­ras de tele­visão e jor­nal­is­tas. Out­ro obje­ti­vo é iden­ti­ficar pon­tos mais sen­síveis na polar­iza­ção da sociedade e minar o tra­bal­ho sério da impren­sa tradi­cional”, expli­ca Solano de Camar­go, pres­i­dente da Comis­são de Pri­vaci­dade, Pro­teção de Dados e Inteligên­cia Arti­fi­cial da Ordem dos Advo­ga­dos do Brasil, sec­cional São Paulo (OAB SP).

Gru­pos con­ser­vadores e de extrema dire­i­ta estão sendo efi­cientes nes­sa guer­ra de infor­mação pelas redes soci­ais. Quan­do o assun­to é saúde, a dis­sem­i­nação de ideias-chave pelas redes soci­ais vive um momen­to cres­cente e “uti­liza a políti­ca para con­vencer a pop­u­lação e cri­ar pâni­co ver­bal”, aler­ta a espe­cial­ista em comu­ni­cação e religião Mag­a­li Cun­ha.

“O nos­so mon­i­tora­men­to de gru­pos de influ­en­ci­adores reli­giosos apon­ta um ver­dadeiro bom­bardeio de con­teú­dos fal­sos, que depois aca­ba sendo ali­men­ta­do pela própria grande mídia. São notí­cias com títu­los enganosos, que podem induzir leitores a con­stru­ir pen­sa­men­tos e ações neg­a­ti­vas sobre deter­mi­nadas pau­tas. Esta­mos num momen­to muito grave do pon­to de vista da comu­ni­cação e da infor­mação. Isso pas­sa pelos pro­du­tores e dis­sem­i­nadores da desin­for­mação, os chama­dos influ­en­ci­adores das fake news. Mas a grande impren­sa e muitos políti­cos tam­bém têm seu papel neg­a­ti­vo nesse ecos­sis­tema, porque muni­ci­am a desin­for­mação com con­teú­do não ver­dadeiro, que depois é tra­bal­ha­do por ess­es gru­pos”, avalia Mag­a­li.

Para Eliara San­tana, pesquisado­ra asso­ci­a­da do Cen­tro de Lóg­i­ca, Epis­te­molo­gia e História da Ciên­cia da Uni­ver­si­dade Estad­ual de Camp­inas (CLE/Unicamp), onde atua no pro­je­to Per­gunte a um/uma cien­tista e inte­grante do Obser­vatório das Eleições, hou­ve um recuo pro­gra­ma­do na dis­sem­i­nação de fake news no fim de 2022, com a eleição de Luiz Iná­cio Lula da Sil­va para a Presidên­cia da Repúbli­ca.

“Mas ao lon­go de 2023 isso foi retor­nan­do. Tra­ta-se de uma estraté­gia. Ago­ra tudo vol­ta com mui­ta força”, anal­isa Eliara.

A manip­u­lação da opinião públi­ca através da desin­for­mação, remem­o­ra Solano de Camar­go, ficou evi­dente no proces­so de con­sul­ta da pop­u­lação do Reino Unido sobre a saí­da da União Europeia em 2020 e vem se aper­feiçoan­do cada vez mais, prin­ci­pal­mente ago­ra com o uso de inteligên­cia arti­fi­cial.

“Os proces­sos são muito elab­o­ra­dos e plane­ja­dos com o uso de deep fake [téc­ni­ca que per­mite alter­ar um vídeo ou foto com aju­da de inteligên­cia arti­fi­cial] para alter­ar dis­cur­sos, alter­ar tex­tos escritos, áudios, fotos e vídeos. Pode-se manip­u­lar a opinião públi­ca como quis­erem, o que terá reflex­os, inclu­sive, em pesquisas de opinião”, afir­ma o advo­ga­do.

Brasília (DF) 19/03/2024 - Solano de Camargo, presidente da Comissão de Privacidade, Proteção de Dados e Inteligência Artificial da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional São Paulo (OAB SP).Foto: Solano Camargo/Arquivo Pessoal
Repro­dução: Solano de Camar­go, pres­i­dente da Comis­são de Pri­vaci­dade, Pro­teção de Dados e Inteligên­cia Arti­fi­cial da OAB SP — Foto: Solano Camargo/Arquivo Pes­soal

Somente uma platafor­ma de checagem de con­teú­do, a Agên­cia Lupa, que inte­gra o The Trust Project no com­bate à desin­for­mação e edu­cação midiáti­ca, reg­is­tra que em janeiro e fevereiro, mais os 15 primeiros dias de março deste ano, foram anal­isadas 137 infor­mações que cir­cu­lam pelas redes soci­ais com con­teú­do fal­so.

A dengue é uma pau­ta pre­dom­i­nante nesse perío­do, com 28 posta­gens lis­tadas pela Lupa. São fal­sas notí­cias com receitas mila­grosas para a cura da doença, indi­cação de medica­men­tos como a iver­mecti­na – fár­ma­co para trata­men­to de par­a­sitoses, mas sem eficá­cia, e que fora recomen­da­da para o trata­men­to da covid durante a epi­demia da doença –, entre out­ros temas rela­ciona­dos, que chamam a atenção do cidadão e cri­am teo­rias con­spir­atórias que se propagam pelas redes soci­ais com infor­mações fal­sas.

Ain­da de acor­do com reg­istros da Lupa, em 2023 hou­ve a checagem de 4.009 posta­gens fal­sas com inúmeros con­teú­dos, o que per­faz uma média de 5,5 notí­cias desin­for­ma­ti­vas e manip­u­lado­ras por dia.

Circuito desinformativo

O ecos­sis­tema de desin­for­mação é retroal­i­men­ta­do por um cir­cuito onde as fake news trafegam e gan­ham cada vez mais espaço, sem que as pes­soas perce­bam.

“Tudo começa com um meme com desin­for­mação que viral­iza. Então esse meme é repli­ca­do por um veícu­lo de impren­sa nor­mal­mente atre­la­do ao cam­po da dire­i­ta ou extrema-dire­i­ta, que vai usar a infor­mação, faz­er entre­vis­tas, reper­cu­tir tal fato/caso. Na sequên­cia, um par­la­men­tar sobe na tri­buna da Câmara, em Brasília, ou nos esta­dos ou municí­pios, e faz um dis­cur­so sobre o mes­mo tema, dan­do legit­im­i­dade ao con­teú­do. É o que fal­ta­va para que a grande mídia faça matérias a respeito, ali­men­tan­do esse ecos­sis­tema de desin­for­mação”, expli­ca Mag­a­li Cun­ha.

Tudo isso é trans­for­ma­do em men­sagens, que são repeti­das à exaustão em gru­pos de What­sApp e em redes soci­ais. “Cria-se uma bol­ha infor­ma­cional na medi­da em que pes­soas com inter­ess­es pare­ci­dos com­par­til­ham entre si os mes­mos con­teú­dos”, chama a atenção a pesquisado­ra Eliara San­tana. Assim, o algo­rit­mo detec­ta essa ocor­rên­cia e aprende aqui­lo que o grupo entende ser impor­tante e quer rece­ber.

Brasília (DF) 19/03/2024 - Eliara Santana, pesquisadora associada do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência da Universidade Estadual de Campinas (CLE/Unicamp).Foto: Unicamp/Divulgação
Repro­dução: Eliara San­tana, pesquisado­ra asso­ci­a­da do Cen­tro de Lóg­i­ca, Epis­te­molo­gia e História da Ciên­cia da Uni­ver­si­dade Estad­ual de Camp­inas — Foto: Unicamp/Divulgação

Na práti­ca fun­ciona assim: um par­la­men­tar fed­er­al con­ser­vador de extrema dire­i­ta faz comen­tário sobre um tre­cho especí­fi­co de vídeo de debate na Con­fer­ên­cia Nacional de Edu­cação, real­iza­da em janeiro. Ele crit­i­ca a mil­itân­cia LGBT. Só que o tre­cho uti­liza­do na críti­ca é manip­u­la­do de modo a pare­cer que o gov­er­no fed­er­al tra­bal­ha para for­mar mil­itân­cia LGBT nas salas de aula.

Esse dep­uta­do pega um tre­cho do debate onde rep­re­sen­tante do movi­men­to LGBT diz ser pre­ciso ter os próprios mate­ri­ais e con­teú­do nas salas de aula e for­mar mil­i­tantes do movi­men­to. Mas nesse pon­to exa­to da fala, o vídeo é pau­sa­do e o dep­uta­do comen­ta em tom de denún­cia: “ele aca­ba de admi­tir que vão for­mar mil­i­tantes LGBT den­tro das esco­las”.

Essa fake news começa a ser espal­ha­da nas redes soci­ais por meio de gru­pos evangéli­cos, con­ser­vadores e vários out­ros. Atre­la­da a essa infor­mação fal­sa, surgem out­ras desin­for­mações, pro­movi­das pelo algo­rit­mo.

Uma dessas manobras desin­for­ma­ti­vas é refleti­da numa notí­cia de agos­to de 2023, na mídia de extrema-dire­i­ta. A matéria diz que o “gov­er­no Lula retoma edu­cação sex­u­al nas esco­las”. Uma out­ra desta­ca que o “Min­istério da Saúde vai lib­er­ar R$ 90 mil­hões para a ini­cia­ti­va”.

Assim, os comen­tários sobre ess­es posts se suce­dem sem­pre no tom escan­daloso de “como o gov­er­no Lula per­mite isso”, além de con­ter críti­cas, ofen­sas e xinga­men­tos. Tudo o que vai con­tribuir para a con­strução de uma má avali­ação do gov­er­no fed­er­al e para a cri­ação de imagem fal­sa sobre o tra­bal­ho na área de Edu­cação nas esco­las do país.

Fake News; Notícia Falsa; Celular; Notebook; Computador; Notícia - Nova onda de fake news no Brasil influencia a guerra digital. Foto: Pixabay
Repro­dução: Foto: Pix­abay

Agên­cia Lupa, ao checar os posts cita­dos aci­ma, e a supos­ta infor­mação de que “gov­er­no Lula retoma edu­cação sex­u­al nas esco­las”, com­pro­va a manip­u­lação no post desin­for­ma­ti­vo.

O fato real é que em 26 de jul­ho de 2023, o Min­istério da Saúde anun­ciou a retoma­da da pro­moção da edu­cação sex­u­al e repro­du­ti­va e da pre­venção de doenças sex­ual­mente trans­mis­síveis no Pro­gra­ma Saúde na Esco­la. A ini­cia­ti­va – con­forme a Por­taria nº 1.004/2023 – pre­vê a des­ti­nação de R$ 90,3 mil­hões para os municí­pios que aderi­ram ao pro­gra­ma para o ciclo 2023/2024.

Os gru­pos evangéli­cos, diz Mag­a­li Cun­ha, é uma das partes respon­sáveis por essa hege­mo­nia con­ser­vado­ra na propa­gação da desin­for­mação. “Mas os gru­pos católi­cos con­ser­vadores tam­bém atu­am com mui­ta inten­si­dade”, chama a atenção a pesquisado­ra. Ela cita ain­da jor­nal­is­tas, políti­cos, artis­tas e os chama­dos influ­encers como pon­tos base na dis­sem­i­nação de fake news.

O Códi­go Penal e o Poder Judi­ciário são impor­tantes respostas da sociedade para com­bat­er a desin­for­mação e fake news. “Mas a mel­hor respos­ta é o letra­men­to, o ensi­na­men­to sobre o que é desin­for­mação e suas con­se­quên­cias, além da divul­gação de fontes de infor­mação con­fiáveis e a val­oriza­ção da mídia tradi­cional e do tra­bal­ho de jor­nal­is­tas éti­cos e respeita­dos”, obser­va Solano de Camar­go, da OAB SP.

Brasília (DF) 24/07/2023 - A Superintendência de Comunicação Digital e Mídias Sociais da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) lançou neste domingo (23), no canal do youtube da TV Brasil, o minidocumentário Justiça no Digital. A produção, feita pela equipe da superintendência, traz histórias de pessoas que tiveram suas vidas impactadas por fake news, discurso de ódio, cyberbullying e a falta de uma internet mais segura. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Repro­dução: Foto: Joéd­son Alves/Agência Brasil

Pesquisa Senado

Pelo menos 76% da pop­u­lação brasileira foi expos­ta a infor­mações fal­sas sobre políti­ca no segun­do semes­tre de 2022. Essa é uma das con­statações reg­istradas no Panora­ma Políti­co 2023, uma pesquisa do Sena­do Fed­er­al que inves­tigou as opiniões sobre democ­ra­cia, sociedade e pri­or­i­dades do cidadão em um con­tex­to pós-eleitoral.

A pesquisa rev­el­ou que 89% dos entre­vis­ta­dos dis­ser­am ter tido con­ta­to com notí­cias fal­sas sobre políti­cas que acred­i­tavam ser fal­sas. Mais ain­da, entre os usuários de What­sApp e Telegram, 67% enten­dem que tiver­am aces­so a algum tipo de con­teú­do que pode ser desin­for­ma­ti­vo. Esse número sobe para 83% no Face­book, Insta­gram e Youtube.

Edição: Fer­nan­do Fra­ga

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