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Entenda o papel do Estado no combate ao racismo no Brasil

Repro­dução: © Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

População negra mantém piores indicadores sociais e econômicos


Pub­li­ca­do em 20/11/2023 — 10:00 Por Lucas Pordeus León — Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

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O Brasil foi o últi­mo país do plan­e­ta a abolir a escravidão e, ao invés de reparar os ex-escrav­iza­dos, criou difi­cul­dades para inclusão do negro na nova econo­mia basea­da no tra­bal­ho assalari­a­do. A imi­gração europeia para as áreas econômi­cas mais prósperas do país e a Lei de Ter­ras, de 1850, que lim­i­tou o aces­so à ter­ra da pop­u­lação pobre, con­tribuíram para impedir a ascen­são social da pop­u­lação negra.  

“Com a imi­gração mas­si­va, os ex-escravos vão se jun­tar aos con­tin­gentes de tra­bal­hadores nacionais livres que não têm opor­tu­nidades de tra­bal­ho senão nas regiões eco­nomi­ca­mente menos dinâmi­cas, na econo­mia de sub­sistên­cia das áreas rurais ou em ativi­dades tem­porárias, for­tu­itas, nas cidades”, expli­cou Mário Theodoro, pro­fes­sor do pro­gra­ma de pós-grad­u­ação em dire­itos humanos da Uni­ver­si­dade de Brasília (UnB) que estu­dou a for­mação do mer­ca­do de tra­bal­ho no Brasil sob a óti­ca racial.

A ausên­cia da reparação pelos mais de 350 anos de escravidão no Brasil e as estatís­ti­cas que com­pro­vam que a pop­u­lação negra man­tém os piores indi­cadores soci­ais e econômi­cos são os argu­men­tos usa­dos para que o Esta­do assuma seu papel na luta pela igual­dade racial.

Brasília (DF) 20/11/2023 – Pesonagem Mário Theodoro - Entenda o papel do Estado no combate ao racismo no Brasil Foto: Mário Theodoro/Arquivo Pessoal
Repro­dução: Brasília — O pro­fes­sor Mário Theodoro estu­dou a for­mação do mer­ca­do de tra­bal­ho no Brasil sob a óti­ca racial — Foto Mário Theodoro/Arquivo Pes­soal

Para a rep­re­sen­tante da Coal­izão Negra por Dire­itos Ingrid Farias, o Esta­do tem papel cen­tral no com­bate ao racis­mo e à desigual­dade. “É o Esta­do quem reg­u­la nos­sas relações soci­ais. O Esta­do está lig­a­do à nos­sa dinâmi­ca de mobil­i­dade urbana, de saúde, está lig­a­do à dinâmi­ca ter­ri­to­r­i­al den­tro dos nos­sos bair­ros, a econo­mia tam­bém é o Esta­do que reg­u­la em parce­ria com o mer­ca­do”, jus­ti­fi­cou.

A pesquisado­ra de gênero, raça e par­tic­i­pação políti­ca na Améri­ca Lati­na acres­cen­tou que sem o Esta­do não é pos­sív­el influ­en­ciar as estru­turas da sociedade. “Por exem­p­lo, várias empre­sas hoje têm políti­cas afir­ma­ti­vas de con­tratação de pes­soas negras e isso é fru­to da reflexão que o Esta­do vem provo­can­do jun­to com a sociedade e que a sociedade vem provo­can­do jun­to ao Esta­do brasileiro”, obser­vou.

Brasília (DF) 20/11/2023 – Pesonagem Ingrid Farias - Entenda o papel do Estado no combate ao racismo no Brasil Foto: Ingrid/Arquivo Pessoal
Repro­dução: Brasília — Ingrid Farias é rep­re­sen­tante da Coal­izão Negra por Dire­itos — Foto Ingrid Farias/Arquivo Pes­soal

Institucionalização da política contra o racismo

Ape­sar de algu­mas ini­cia­ti­vas leg­isla­ti­vas e da cri­ação de con­sel­hos locais con­tra o racis­mo, foi somente 115 anos após a abolição que o Brasil criou um órgão fed­er­al para elab­o­ração e exe­cução de políti­cas con­tra o racis­mo. Em março de 2003, foi inau­gu­ra­da a Sec­re­taria de Políti­cas de Pro­moção da Igual­dade Racial (Sep­pir).

“De fato, mex­er com políti­cas públi­cas para a questão racial foi com a Sep­pir. Antes dis­so não tin­ha nada. Havia algu­mas intenções, algu­mas leg­is­lações, mas não exis­ti­am órgãos que mex­i­am com políti­ca públi­ca. Tin­ha alguns con­sel­hos estad­u­ais, como o de São Paulo, mas órgãos e sec­re­tarias não exis­ti­am”, desta­cou.

Desmonte da política racial

Lev­an­ta­men­to do Insti­tu­to de Estu­dos Socioe­conômi­cos (Inesc) mostrou que as políti­cas para igual­dade racial foram reduzi­das pelo gov­er­no de Jair Bol­sonaro. O Plano Pluri­an­u­al (PPA) de 2019 a 2023, que con­tem­pla os pro­gra­mas e ações do gov­er­no para o perío­do, excluiu a temáti­ca da igual­dade racial, que teve os pro­gra­mas absorvi­dos por out­ras políti­cas mais amplas de dire­itos humanos.

Já o orça­men­to exe­cu­ta­do para igual­dade racial caiu de R$ 18,7 mil­hões, em 2019, para R$ 6,94 mil­hões, em 2022. “Enquan­to o gov­er­no deixou de finan­ciar a políti­ca de igual­dade racial, o Brasil seguiu com os piores indi­cadores para a pop­u­lação negra, que, com o pas­sar dos anos, não têm mel­ho­ra­do. A pop­u­lação negra rep­re­sen­ta 75% no grupo dos 10% mais pobres, sendo que com­põe 56% da pop­u­lação total”, afir­ma o Inesc.

Ministério da Igualdade Racial

Com a posse do pres­i­dente Luiz Iná­cio Lula da Sil­va, a questão racial voltou a fig­u­rar no primeiro escalão por meio da cri­ação do Min­istério da Igual­dade Racial (MIR). Enquan­to no PPA ante­ri­or não exis­tia menção ao públi­co negro e ao racis­mo, o pro­je­to de PPA para 2024 a 2027 con­tem­plou o tema em 39 pro­gra­mas.

O novo PPA pre­vê que a igual­dade racial seja uma agen­da trans­ver­sal que deve estar pre­sente em todas as políti­cas públi­cas. Para 2024, a pre­visão é que o MIR ten­ha um orça­men­to de R$ 110 mil­hões, segun­do pro­je­to envi­a­do pelo gov­er­no ao Con­gres­so.

A asses­so­ra do Inesc Carmela Zigo­ni con­sid­era que “é um recur­so extrema­mente pequeno con­sideran­do o taman­ho do prob­le­ma e tam­bém o taman­ho do orça­men­to públi­co. É um recur­so insu­fi­ciente se con­sid­er­ar­mos os tril­hões do orça­men­to”.

Por out­ro lado, Zigo­ni pon­der­ou que o MIR é um min­istério meio, que tem o papel de artic­u­lar e fomen­tar políti­cas antir­racis­tas com os min­istérios que prestam serviço em mas­sa para pop­u­lação, como os da Saúde, Edu­cação e Justiça e Segu­rança Públi­ca.

“Qual­quer políti­ca públi­ca pre­cisa pen­sar nos impactos que ela vai ger­ar no enfrenta­men­to ao racis­mo. Todos os min­istérios têm que estar pre­ocu­pa­dos com isso e não só o MIR. É impor­tante o MIR exi­s­tir para coor­denar e fomen­tar a igual­dade racial com as out­ras pas­tas”, desta­cou.

A coor­de­nado­ra da Artic­u­lação de Orga­ni­za­ções de Mul­heres Negras Brasileiras (AMNB), Cleusa Sil­va, defend­eu que as políti­cas con­tra o racis­mo devem ter orça­men­to com­patív­el com o taman­ho da pop­u­lação negra do país. Dados recentes do IBGE indicam que cer­ca de 57% da pop­u­lação se declar­am pre­tos ou par­dos no Brasil.

Coordenadora da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), Cleusa Silva. Foto: Arquivo Pessoal
Repro­dução: Coor­de­nado­ra da Artic­u­lação de Orga­ni­za­ções de Mul­heres Negras Brasileiras (AMNB), Cleusa Sil­va. Foto Arqui­vo pes­soal

“É pre­ciso ago­ra ter orça­men­to que, de fato, con­tem­ple essa desigual­dade crôni­ca e sistêmi­ca exis­tente na pop­u­lação negra brasileira. Você elab­o­ra uma políti­ca públi­ca, mas ela é mal dimen­sion­a­da e não tem o orça­men­to públi­co que garan­ta sua efe­tivi­dade”, afir­mou.

Edição: Graça Adju­to

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