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Entenda o processo eleitoral dos Estados Unidos

Especialistas explicam eleição do chefe do Executivo norte-americano

Pedro Peduzzi – Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 03/11/2024 — 12:33
 — Atu­al­iza­do em 03/11/2024 — 12:47
Brasília
Repro­dução: Agên­cia Brasil / EBC

Apon­ta­dos como “a maior democ­ra­cia do mun­do”, os Esta­dos Unidos (EUA) não elegem seu pres­i­dente por meio do voto dire­to. E nem sem­pre o eleito é aque­le que con­quista a maio­r­ia dos votos. Algo difí­cil de ser enten­di­do pelos brasileiros, que tiver­am, como mote para a retoma­da da democ­ra­cia, nos anos 80, o lema Dire­tas Já.

“Não são só eleições dire­tas que car­ac­ter­i­zam uma democ­ra­cia. A democ­ra­cia tem out­ras insti­tu­ições que a car­ac­ter­i­zam, como, por exem­p­lo, o Judi­ciário e os dire­itos do cidadão, como liber­dade de expressão e dire­ito ao voto, ain­da que de for­ma indi­re­ta. Vejo como prob­le­ma maior o fato de o sis­tema eleitoral dos EUA ser exclu­dente e eiva­do de vícios, com um monte de prob­le­mas. Por exem­p­lo, o fato de não haver, lá, um órgão cen­tral­izador do proces­so, como o nos­so TSE [Tri­bunal Supe­ri­or Eleitoral]”, expli­cou à Agên­cia Brasil o pesquisador do Insti­tu­to Nacional de Estu­dos sobre os EUA (Ineu) Rober­to Goulart Menezes.

Segun­do o pro­fes­sor do Depar­ta­men­to de História da Uni­ver­si­dade de Brasília (UnB) Virgílio Caix­e­ta Arraes, o proces­so que faz a escol­ha indi­re­ta para a presidên­cia norte-amer­i­cana “foi assim definido como for­ma de evi­tar can­di­dat­uras demagóg­i­cas ou pop­ulis­tas com pro­postas sedu­toras, porém inviáveis, ou desagre­gado­ras. Arraes disse à Agên­cia Brasil que, na época, avali­a­va-se que os del­e­ga­dos teri­am mais exper­iên­cia ou amadurec­i­men­to políti­co que o restante do eleitora­do.

As difer­enças entre os proces­sos eleitorais de Brasil e Esta­dos Unidos têm, como pon­to de par­ti­da, as car­tas mag­nas dos dois país­es. Com uma Con­sti­tu­ição bem mais sim­pli­fi­ca­da do que a brasileira, os EUA del­egam boa parte de suas leis às nor­mas locais, dan­do, aos esta­dos, mais autono­mia, pre­rrog­a­ti­vas, poderes e respon­s­abil­i­dades. Dessa for­ma, muitas tip­i­fi­cações crim­i­nais e penas são esta­b­ele­ci­das a par­tir de leis estad­u­ais.

Doutor em ciên­cia políti­ca pela Uni­ver­si­dade de São Paulo (USP) e pro­fes­sor do Insti­tu­to de Relações Inter­na­cionais da UnB, Goulart Menezes expli­cou que as eleições pres­i­den­ci­ais são orga­ni­zadas pelos gov­er­nos estad­u­ais, o que aca­ba resul­tan­do em algu­mas difi­cul­dades que não ocor­rem em país­es como o Brasil, onde o proces­so é cen­tral­iza­do.

De acor­do com Menezes, há esta­dos que trazem, para o proces­so eleitoral local, algu­mas de suas car­ac­terís­ti­cas históri­c­as que podem ser con­sid­er­adas ques­tionáveis. “Na Geór­gia, por exem­p­lo, esta­do de maio­r­ia negra, uma lei local que tira o dire­ito ao voto de pes­soas com três ou mais con­de­nações na Justiça. Com isso, muitos abu­sos cometi­dos por poli­ci­ais acabam por reti­rar o dire­ito a voto de negros [e lati­nos]”, ressaltou o pesquisador.

Como funciona

Como a votação é indi­re­ta, nen­hum dos eleitores votará, nes­ta terça-feira (5), dire­ta­mente nos can­didatos Kamala Har­ris, do Par­tido Democ­ra­ta, ou em Don­ald Trump, do Par­tido Repub­li­cano. “Eles votarão em del­e­ga­dos de seus esta­dos, e estes, sim, votarão nos can­didatos à Presidên­cia dos Esta­dos Unidos”, acres­cen­tou Menezes.

O colé­gio eleitoral dos EUA é for­ma­do por 538 del­e­ga­dos. O número de del­e­ga­dos por esta­do é pro­por­cional ao taman­ho da pop­u­lação, o que define tam­bém seus rep­re­sen­tantes no Leg­isla­ti­vo.

“O número de del­e­ga­dos é revis­to peri­odica­mente, a cada duas eleições. A Cal­ifór­nia, por exem­p­lo, tin­ha, em 2016, 55 del­e­ga­dos. Em 2024, terá 54”, disse Menezes, referindo-se ao esta­do com maior número de del­e­ga­dos.

O segun­do esta­do com mais del­e­ga­dos é o Texas (40), segui­do da Flóri­da (30), Nova York (28 ) e de Illi­nois e Pen­sil­vâ­nia (19, cada um). Os com menor número são Dako­ta do Norte, Delaware, Dako­ta do Sul, Ver­mont, Wyoming, dis­tri­to de Colum­bia e Alas­ca (3 del­e­ga­dos, cada); Maine, Mon­tana, Ida­ho, New Hamp­shire, Virgí­nia Oci­den­tal, Rhode Island e Havaí (4 del­e­ga­dos, cada).

The winner takes it all

Todos os esta­dos, menos Maine e Nebras­ka, usam o sis­tema de eleição de del­e­ga­dos con­heci­do como “the win­ner takes all”, no qual “o vence­dor leva tudo”. No caso, todos os votos dos del­e­ga­dos do esta­do.

Dessa for­ma, o sis­tema ofer­ece pos­si­bil­i­dades reais de que seja eleito o can­dida­to menos vota­do, caso ten­ha ven­ci­do a dis­pu­ta nos esta­dos mais pop­u­losos – por­tan­to, com maior número de del­e­ga­dos.

Isso, inclu­sive, já ocor­reu em alguns pleitos, como o de 2016, quan­do o repub­li­cano Trump foi eleito ten­do quase 3 mil­hões de votos a menos que a democ­ra­ta Hillary Clin­ton.

Situ­ação sim­i­lar ocor­reu em 2000, favore­cen­do tam­bém o Par­tido Repub­li­cano, no embate que colo­cou, na Presidên­cia dos EUA, George W. Bush – mes­mo com seu adver­sário, o democ­ra­ta Al Gore, ten­do rece­bido quase 500 mil votos a mais.

As duas situ­ações foram pos­síveis porque, ape­sar de a maior parte dos votos ter ido para os democ­ratas, quem obteve a maior parte de votos entre os 538  del­e­ga­dos foram os repub­li­canos.

Estados Pêndulo

Se, por um lado, exis­tem esta­dos em que o resul­ta­do da dis­pu­ta cos­tu­ma ser mais pre­visív­el, com eleitores his­tori­ca­mente apoiadores de um ou out­ro par­tido, por out­ro, há esta­dos em que, tam­bém his­tori­ca­mente, não há maio­r­ia abso­lu­ta nas intenções de votos. São os chama­dos swing states – em tradução livre, “esta­dos pen­du­lares”, onde qual­quer par­tido pode sair vito­rioso.

Com isso, ess­es esta­dos acabam sendo alvo pref­er­en­cial das cam­pan­has eleitorais, com grandes chances de definir o resul­ta­do final do pleito. Sete esta­dos são con­sid­er­a­dos pên­du­los: Ari­zona, Car­oli­na do Norte, Geór­gia, Michi­gan, Neva­da, Pen­sil­vâ­nia e Wis­con­sin.

Segun­do Goulart Menezes, quan­do as eleições são muito aper­tadas, os can­didatos cos­tu­mam focar tam­bém nos dois úni­cos esta­dos onde o sis­tema eleitoral não segue a lin­ha do “the win­ner takes it all” – Maine e Nebras­ka. “Mes­mo sendo pequenos e com pouco peso, é pos­sív­el que o voto deci­si­vo ven­ha dali, prin­ci­pal­mente em caso de eleições acir­radas”, desta­cou Goulart Menezes.

A luta pela maio­r­ia dos votos não para aí. “Uma estraté­gia ado­ta­da para for­mar maio­r­ia em algu­mas local­i­dades é definir o desen­ho dos dis­tri­tos eleitorais, de for­ma a for­mar maio­r­ia para esta ou aque­la tendên­cia e, na con­tabi­liza­ção final, favore­cer um lado, con­tabi­lizan­do todos os votos dos del­e­ga­dos para o can­dida­to da prefer­ên­cia do gov­er­nador estad­ual”, detal­hou o pesquisador.

“Isso é algo ater­rador porque, em muitos casos, esse desen­ho não segue nen­hu­ma lóg­i­ca, e tem por trás muitos inter­ess­es. O desen­ho do dis­tri­to eleitoral é definido pelo gov­er­nador a par­tir de infor­mações sobre como vota uma deter­mi­na­da área. O obje­ti­vo é faz­er uma dis­tribuição que resulte em maio­r­ia para seu par­tido”, acres­cen­tou.

Voto antecipado

Out­ra pecu­liari­dade do sis­tema eleitoral norte-amer­i­cano é que alguns esta­dos per­mitem o voto ante­ci­pa­do, mecan­is­mo ado­ta­do sob a jus­ti­fica­ti­va de evi­tar lon­gas filas e tumul­to no dia das eleições.

Pelo proces­so ante­ci­pa­do, o eleitor pode man­dar seu voto pelos Cor­reios, até mes­mo do exte­ri­or, ou depositá-lo em locais pre­de­ter­mi­na­dos. Quase 50 mil­hões de eleitores já votaram dessa for­ma para o próx­i­mo pleito.

Goulart Menezes disse que o pro­ced­i­men­to do voto a dis­tân­cia tem sido usa­do pelo atu­al can­dida­to do Par­tido Repub­li­cano para dis­sem­i­nar desin­for­mação e notí­cias fal­sas (fake news). “Trump tem dito que o voto pelos Cor­reios de lá pos­si­bili­ta voto dup­lo de alguns eleitores, nova­mente lançan­do dúvi­das improce­dentes sobre o proces­so eleitoral, crian­do mais uma pos­si­bil­i­dade de insurgên­cia, caso per­ca as eleições.”

Segun­do o pro­fes­sor, isso não pro­cede porque, para enviar o voto por via postal, o eleitor, antes, tem de se reg­is­trar na inter­net. Para cada cédu­la rece­bi­da, há um códi­go cor­re­spon­dente, o que invi­a­bi­liza, ao eleitor, votar mais de uma vez.

“Até mes­mo essa situ­ação de votos incen­di­a­dos antes de serem con­tabi­liza­dos não gera prob­le­mas, porque, reg­istra­dos, os eleitores que não tiver­am seus votos chegan­do ao des­ti­no poderão fazê-lo pos­te­ri­or­mente. Nen­hum voto, por­tan­to, é per­di­do”, esclare­ceu Menezes.

Prévias eleitorais

A definição sobre quem serão os can­didatos nos par­tidos norte-amer­i­canos é fei­ta por meio de uma pro­gra­mação com­plexa e demor­a­da, denom­i­na­da prévias eleitorais. Ao lon­go de vários meses – em ger­al, mais de sete meses –, dezenas de can­didatos dos prin­ci­pais par­tidos, além dos inde­pen­dentes, dis­putam o voto pop­u­lar.

Como se tra­ta de uma orga­ni­za­ção cara, que exige dos par­tidos o fun­ciona­men­to de máquina opera­cional em todos os esta­dos norte-amer­i­canos, só os democ­ratas e os repub­li­canos con­seguem con­cluir o proces­so com pos­si­bil­i­dades reais de chegar à Casa Bran­ca, sede do gov­er­no dos Esta­dos Unidos.

As prévias têm mod­e­los difer­entes em cada esta­do: em alguns, qual­quer eleitor pode votar em qual­quer eleição primária. Out­ros esta­dos exigem que o eleitor mostre a fil­i­ação par­tidária para votar nas primárias da área em que está reg­istra­do.

Além de escol­hi­dos pelas prévias, os can­didatos pre­cisam, tam­bém, ter a can­di­datu­ra ofi­cial­iza­da em con­venções par­tidárias. As con­venções duram em média qua­tro dias e nun­ca ocor­rem em Wash­ing­ton, cap­i­tal norte-amer­i­cana.

Resultados

A autono­mia dos esta­dos para definir suas leis eleitorais cos­tu­ma ger­ar algu­ma impre­vis­i­bil­i­dade com relação ao tem­po em que o resul­ta­do do pleito pres­i­den­cial é anun­ci­a­do. Em 2000, dev­i­do a polêmi­cas na Flóri­da, o proces­so de con­tagem dos votos demor­ou mais de um mês. Já em 2008, dev­i­do à boa van­tagem de Barack Oba­ma em muitos esta­dos, o democ­ra­ta já era o pres­i­dente eleito no final do dia da votação.

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