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Entenda o que é sionismo, movimento que dá origem ao Estado de Israel

Repro­dução: © Wiki­me­dia Commons/Pixabay

Agência Brasil conversou com dois professores sobre o conceito


Pub­li­ca­do em 25/10/2023 — 15:36 Por Lucas Pordeus León – Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

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O con­fli­to no Ori­ente Médio tem entre seus prin­ci­pais ele­men­tos a bus­ca de Israel por con­sol­i­dar-se como um Esta­do. A base políti­ca-ide­ológ­i­ca que deu origem à con­strução desse Esta­do é chama­da de sion­is­mo. Por isso, para enten­der o atu­al con­fli­to no Ori­ente Médio é pre­ciso voltar no tem­po.

O sion­is­mo é um movi­men­to surgi­do no sécu­lo 19 na comu­nidade judia na Europa que bus­ca­va uma solução para a questão judaica. Naque­la época, o anti­s­semitismo – que é a dis­crim­i­nação con­tra os povos semi­tas, entre os quais, está o povo judeu – esta­va em cresci­men­to no con­ti­nente.

Foi o sion­is­mo enquan­to movi­men­to políti­co que deu cor­po à cri­ação do Esta­do de Israel, em 1947, logo após o Holo­caus­to na Europa, quan­do cer­ca de 6 mil­hões de judeus foram assas­si­na­dos, prin­ci­pal­mente em cam­pos de con­cen­tração da Ale­man­ha nazista. O ter­mo sion­is­mo faz refer­ên­cia ao Monte Sião, nome de uma das col­i­nas de Jerusalém e usa­do como sinôn­i­mo de ter­ra prometi­da, ou ter­ra de Israel.

A definição do con­ceito sion­is­mo gera divergên­cias entre estu­diosos e mil­i­tantes de movi­men­tos favoráveis e con­trários à cri­ação de um Esta­do judeu. Enquan­to algu­mas cor­rentes de pen­sa­men­to apon­tam para o caráter laico do sion­is­mo, out­ros acred­i­tam que o movi­men­to é nec­es­sari­a­mente basea­do na religião judaica.

Além dis­so, enquan­to seus defen­sores apelam para a neces­si­dade de se esta­b­ele­cer um local seguro para a pop­u­lação judaica, após as perseguições sofridas ao lon­go dos sécu­los, seus críti­cos con­sid­er­am que a ide­olo­gia políti­ca por trás desse movi­men­to é racista e colo­nial, sendo um obstácu­lo para a paz no Ori­ente Médio.

Para enten­der mel­hor o movi­men­to políti­co por trás da cri­ação do Esta­do de Israel, a Agên­cia Brasil entre­vis­tou dois espe­cial­is­tas sobre o tema.

A primeira entre­vis­ta­da é pro­fes­so­ra de pós-grad­u­ação em Relações Inter­na­cionais da Pon­tif­í­cia Uni­ver­si­dade Católi­ca (PUC) de Minas Gerais Rash­mi Singh. De origem indi­ana, ela estu­da a questão árabe-israe­lense há mais de 20 anos e se espe­cial­i­zou em temas como ter­ror­is­mo, rad­i­cal­iza­ção, crimes transna­cionais e vio­lên­cia políti­ca.

O segun­do entre­vis­ta­do é his­to­ri­ador e pro­fes­sor do Depar­ta­men­to de Soci­olo­gia da Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Rio de Janeiro (UFRJ) Michel Gher­man. Judeu, ele tam­bém é asses­sor do Insti­tu­to Brasil-Israel e estu­da temas como o anti­s­semitismo e o sion­is­mo.

Con­fi­ra tre­chos da entre­vista:

Agên­cia Brasil: O que é o sion­is­mo e como podemos defi­ni-lo?
Rash­mi Singh: O sion­is­mo é uma religião-políti­ca. É um jeito de pen­sa­men­to que tira con­ceitos que são reli­giosos e colo­ca ess­es con­ceitos den­tro de uma real­i­dade mod­er­na para obje­tivos con­tem­porâ­neos e especí­fi­cos.

É um movi­men­to fun­da­do na religião para obje­tivos políti­cos e mod­er­nos. Essa conexão entre religião e políti­ca é uma religião-políti­ca. Isso é a difer­ença entre judaís­mo, que é religião, e sion­is­mo, que é a com­bi­nação da fé e do pen­sa­men­to reli­gioso com obje­tivos políti­cos – nesse caso, o esta­b­elec­i­men­to do Esta­do de Israel.

O sion­is­mo mod­er­no começou em 1896 com um livro escrito pelo Theodor Her­zl. Ele começou a falar do dire­ito de os judeus terem um Esta­do próprio para viv­er em paz com sua iden­ti­dade. O local foi a Palesti­na porque tem uma lig­ação históri­ca e bíbli­ca.

Michel Gher­man: Em resumo, eu diria que o sion­is­mo é um movi­men­to que se con­sti­tui pela con­strução da iden­ti­dade nacional do povo judeu. Note que eu não falo sobre Esta­do de Israel quan­do defi­no o sion­is­mo porque algu­mas cor­rentes do sion­is­mo, que é um movi­men­to diver­so, não têm como obje­ti­vo final a con­strução do Esta­do de Israel.

Tem cor­rentes que falavam sobre uma con­fed­er­ação nacional árabe-judaica, algu­mas cor­rentes falavam sobre autono­mia nacional judaica e há cor­rentes hegemôni­cas que falavam sobre um Esta­do nacional judaico.

Essa definição que eu dei é uma definição que ten­ta ocu­par todos os espaços do sion­is­mo, que dá con­ta de todos os pro­je­tos sion­istas. O sion­is­mo é influ­en­ci­a­do por out­ros nacional­is­mos para ofer­e­cer uma respos­ta para a seguinte per­gun­ta: qual a mel­hor solução para a questão judaica?

A gente pode enten­der que o sion­is­mo se con­soli­dou como respos­ta mais cor­re­ta porque os judeus que saíram da Europa para con­stru­ir um Esta­do-nação sobre­viver­am, os judeus que per­manece­r­am na Europa falan­do das out­ras alter­na­ti­vas foram víti­mas do Holo­caus­to.

24/10/2023, Rashmi Singh, professora de relações internacionais da PUC Minas, durante entrevista a TV Assembleia MG. Foto: Frame/TV Assembleia MG
Repro­dução: Rash­mi Singh, pro­fes­so­ra de relações inter­na­cionais da PUC-MG – Frame/TV Assem­bleia MG

Agên­cia Brasil: Como se expli­ca o êxi­to da cri­ação do Esta­do de Israel? Por que o sion­is­mo foi vito­rioso na região da Palesti­na?
Rash­mi Singh: O con­ceito de sion­is­mo é muito basea­do na Europa e dev­i­do à perseguição que os judeus sofri­am na Europa. Então, Theodor Her­zl fomen­tou uma orga­ni­za­ção sion­ista que pro­moveu a migração judia para a Palesti­na para con­stru­ir um Esta­do para os judeus. Nes­sa época (final do sécu­lo 19), era uma orga­ni­za­ção para jun­tar fun­dos e com­prar ter­ritórios na Palesti­na para colo­car as comu­nidades de judeus da Europa nesse local. Mas eles não con­seguiram com­prar mui­ta ter­ra porque já era uma área ocu­pa­da.

A situ­ação começou a mudar depois da 1ª Guer­ra Mundi­al com a cri­ação do Manda­to da Palesti­na do Reino Unido. Antes mes­mo do Reino Unido gan­har o con­t­role do ter­ritório palesti­no, o gov­er­no britâni­co lançou a Declar­ação de Bal­four, em 1917, que deu apoio total ao esta­b­elec­i­men­to dos judeus nesse local. A par­tir daí, temos enormes migrações de judeus europeus para a Palesti­na e, ao mes­mo tem­po, começou uma reação dos árabes con­tra essa migração.

Eles emi­graram e começaram a com­prar ter­ritórios e tin­ham um con­ceito de pro­priedade que não exis­tia na Palesti­na. Os palesti­nos não tin­ham pro­priedade da ter­ra. Nas décadas de 1920 a 1940 ocorre uma escal­a­da da ten­são entre os judeus e os árabes na região.

Por isso, as pes­soas que estu­dam o con­fli­to cat­e­go­rizam Israel como um Esta­do col­o­nizador porque ele surge de uma ide­olo­gia europeia. Os palesti­nos não aceitaram a Res­olução 181 das Nações Unidas [que sug­ere a cri­ação de dois Esta­dos, um para os judeus e out­ro para os palesti­nos] porque o Esta­do seria uma imposição dos col­o­nizadores no ter­ritório que era his­tori­ca­mente deles.

Então, as pes­soas falam que a religião é a raiz do prob­le­ma. Mas religião é a des­cul­pa, é uma parte para enten­der o con­fli­to, mas a raiz do con­fli­to é o ter­ritório.

Michel Gher­man: São vários motivos. O primeiro é a hege­mo­niza­ção den­tro do movi­men­to sion­ista de uma cor­rente especí­fi­ca que foi hegemôni­ca até os anos de 1970, que é o sion­is­mo migratório de esquer­da. É uma cor­rente tra­bal­hista e social-democ­ra­ta que tem como ideia prin­ci­pal a migração judaica da Europa e de out­ros país­es para a Palesti­na.

O obje­ti­vo era faz­er essa migração sem acor­do com as potên­cias, prin­ci­pal­mente ingle­ses e tur­cos, e tam­bém sem chegar a um acor­do com os palesti­nos. Tin­ha que migrar e faz­er com que as coisas acon­te­cessem depois da migração por causa de duas questões: a dis­pu­ta das potên­cias naque­la região enfraque­ce­ria o pro­je­to sion­ista e tam­bém pelo cresci­men­to do anti­s­semitismo.

A que se hege­mo­ni­zou foi a cor­rente migratório social-democ­ra­ta por causa das condições conc­re­tas da real­i­dade. Primeiro, porque eles con­seguiram pro­duzir uma migração por con­ta do anti­s­semitismo na Europa que aumen­ta­va muito e os judeus não tin­ham para onde ir porque as fron­teiras foram fechadas, tan­to nos Esta­dos Unidos, no Canadá, na Aus­trália, na Argenti­na e no Brasil. Então, o des­ti­no palesti­no era o úni­co pos­sív­el para os judeus naque­la época.

E, segun­do, por causa do nazis­mo que provou que a úni­ca alter­na­ti­va conc­re­ta era a cri­ação de um Esta­do judeu na Palesti­na. A descober­ta dos crimes nazis­tas foi tão forte que acabou impon­do essa decisão do Esta­do judeu.

» Leia mais: Israel, Hamas, Palesti­na: enten­da a guer­ra no Ori­ente Médio

Agên­cia Brasil: O Esta­do de Israel priv­i­le­gia os judeus? Há ple­na cidada­nia para out­ros povos den­tro de Israel?
Rash­mi Singh: É uma per­gun­ta difí­cil porque você tem uma parte de árabes-israe­lens­es den­tro de Israel, mas eles têm, com certeza, menos dire­itos. Mas é difí­cil falar sobre isso porque não é uma coisa clara, tem muitas exceções. Mas, no ger­al, o que vemos, clara­mente, é que você tem essa divisão entre os judeus e a pop­u­lação árabe den­tro de Israel.

Você vê tam­bém clara­mente difer­enças entre judeus den­tro de Israel. Em ger­al, o Esta­do tem menos espaço e menos opor­tu­nidades para judeus não europeus, como judeus africanos e asiáti­cos. Mas, com certeza, Israel é o local onde qual­quer judeu pode migrar e se inte­grar à sociedade.

Michel Gher­man: A própria questão entre os judeus, de quem pode e não pode ter cidada­nia ple­na, é prob­lemáti­ca entre os próprios judeus porque o sion­is­mo é um movi­men­to pro­fun­da­mente sec­u­lar e rad­i­cal­mente não reli­gioso na sua hege­mo­nia. Sion­is­mo não tem nada a ver com iden­ti­dade reli­giosa, tem a ver com iden­ti­dade nacional. Então, a questão reli­giosa é uma questão mal resolvi­da den­tro do Esta­do de Israel.

É claro que há uma difer­ença entre cidadãos judeus e cidadãos árabes pelo próprio movi­men­to nacional que – como qual­quer movi­men­to nacional – pro­duz essa difer­ença entre os vence­dores e der­ro­ta­dos do pro­je­to, prin­ci­pal­mente movi­men­tos nacionais que têm refer­ên­cias étni­co-nacional, que é o caso de Israel.

Nos últi­mos anos, a par­tir da déca­da de 2000, tem se con­sol­i­da­do a cor­rente revi­sion­ista de dire­i­ta que pro­duz uma refer­ên­cia de que o Esta­do judeu tem que priv­i­le­giar cidadãos judeus, e um judeu de tipo especí­fi­co: os reli­giosos-orto­dox­os.

Isso tem se con­sol­i­da­do mais nos últi­mos cin­co anos porque o [primeiro-min­istro de Israel] Netanyahu tem cam­in­hado para a extrema-dire­i­ta sion­ista e ela imple­men­tou, há 4 anos, a lei nacional que colo­cou o priv­ilé­gio da lín­gua hebraica e do lar nacional judaico.

Professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e assessor do Instituto Brasil-Israel, o historiador Michel Gherman
Repro­dução: His­to­ri­ador Michel Gher­man, pro­fes­sor do Depar­ta­men­to de Soci­olo­gia da Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Rio de Janeiro (UFRJ) e asses­sor do Insti­tu­to Brasil-Israel – Michel Gherman/Arquivo Pes­soal

Agên­cia Brasil: Como explicar o movi­men­to de judeus anti­s­sion­istas?
Rash­mi Singh: Todos os sion­istas são judeus, mas nem todos os judeus são sion­istas. Por muito tem­po, qual­quer críti­ca con­tra Israel foi pin­ta­da como anti­s­semitismo.

Exis­tia antes, em Israel, uma época em que uma parte dos sion­istas eram de esquer­da e tin­ham uma políti­ca mais mod­er­a­da com espaço para nego­ci­ação entre palesti­nos e judeus. Ago­ra, com a vio­lên­cia entre Israel e Palesti­na, temos vis­to é que essa parte de esquer­da está total­mente destruí­da.

Ago­ra, temos uma dire­i­ta mais rad­i­cal com apoio e pre­sença da extrema-dire­i­ta. A extrema-dire­i­ta não quer a solução de dois Esta­dos. Eles querem um ter­ritório maior do que a fron­teira de hoje em dia. Do lado palesti­no, vemos tam­bém cada vez menos espaço para políti­cos mod­er­a­dos.

Michel Gher­man: Entre as cor­rentes anti­s­sion­istas têm as ultra­orto­doxas, que são con­tra a noção de Esta­do porque o Esta­do não é um con­ceito judeu na sua origem.

Mas há tam­bém os que não são hostis à ideia de Esta­do, mas não são parte do movi­men­to sion­ista. Estão no Esta­do, até par­tic­i­pam do par­la­men­to, mas não são adep­tos do movi­men­to sion­ista.

Tem ain­da as cor­rentes lib­erais que con­sid­er­am que a iden­ti­dade judaica é basi­ca­mente uma iden­ti­dade reli­giosa e são con­trários à con­strução de um Esta­do nacional judaico. Essa hoje é muito fra­ca, mas já foi forte até os anos 1960.

Tem out­ra cor­rente de esquer­da que diz que a con­strução do Esta­do-nação vai priv­i­le­giar um grupo e prej­u­dicar out­ros. Então, você tem uma tradição judaica muito poderosa do movi­men­to anti­s­sion­ista que vai des­de a esquer­da até os ultra­orto­dox­os.

Agên­cia Brasil: Hou­ve uma época em que cristãos, judeus e mulçu­manos viver­am em paz na região da Palesti­na?
Rash­mi Singh: Com certeza. Nós sem­pre tive­mos uma pop­u­lação de cristãos e judeus por causa de Jerusalém, que é uma cidade sagra­da para as três religiões. Exis­tem tam­bém os judeus árabes. Você tin­ha uma pop­u­lação enorme de judeus no Iraque e em out­ros país­es árabes.

Ago­ra, uma pop­u­lação enorme saiu  dos país­es árabes por causa da cri­ação do Esta­do de Israel, que virou um grande prob­le­ma no Ori­ente Médio e criou muito ódio entre comu­nidades que exi­s­ti­ram, na maior parte do tem­po, em paz.

Obvi­a­mente, não foi uma situ­ação de paz con­stante, tín­hamos pon­tos com guer­ras e perseguições, mas não tin­ha essa coisa de guer­ra per­ma­nente como vemos ago­ra.

Michel Gher­man: Tem mui­ta nar­ra­ti­va ide­ológ­i­ca sobre isso. Há uma nar­ra­ti­va que diz que quem criou a ini­mizade entre judeus e palesti­nos foi o sion­is­mo.

Eu acho que é um exagero porque o Império Tur­co-Otomano garan­tia a autono­mia cul­tur­al medi­ante o paga­men­to de impos­tos, mas foi jus­ta­mente nes­sa época que você começou a ter os primeiros ten­sion­a­men­tos entre judeus e árabes na Palesti­na a par­tir da per­cepção de que essas autono­mias cul­tur­ais cri­avam movi­men­tações em direção a, por exem­p­lo, o nacional­is­mo judaico.

É claro que a cri­ação de um Esta­do naque­la região é moti­vo de ten­sion­a­men­to, mas os primeiros judeus mor­tos naque­la região foram jus­ta­mente judeus não sion­istas durante a déca­da de 1920.

Edição: Denise Griesinger

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