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Entenda o que foi a Nakba, a catástrofe do povo palestino

Repro­dução: © Reuters/Majdi Fathl

Palestinos tiveram de viver como refugiados com criação de Israel


Pub­li­ca­do em 04/11/2023 — 10:11 Por Lucas Pordeus León — Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

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O con­fli­to no Ori­ente Médio envol­ven­do palesti­nos e israe­lens­es tem entre suas raízes a cri­ação do Esta­do de Israel que — para os palesti­nos – cau­sou o que eles chamam de Nak­ba, que em árabe sig­nifi­ca “catástrofe” ou “desas­tre”. Por isso, para com­preen­der a guer­ra trava­da na região é pre­ciso enten­der esse episó­dio que segue vivo na memória do povo palesti­no.  

A Nak­ba é lem­bra­da todo 15 de maio, dia seguinte ao da Inde­pendên­cia de Israel. O Esta­do de Israel foi declar­a­do em 1948, a par­tir da Res­olução 181 das Nações Unidas, que recomen­dou a par­til­ha da Palesti­na entre árabes e judeus.

Em con­se­quên­cia, eclodiu o que ficou con­heci­da como a 1ª guer­ra “árabe-israe­lense”, quan­do Síria, Jordâ­nia, Egi­to, Líbano e Iraque ini­cia­ram uma ofen­si­va con­tra o novo país. Como resul­ta­do desse con­fli­to, esti­ma-se que de 700 mil a 800 mil palesti­nos foram expul­sos de suas ter­ras e entre 400 e 500 vilas palesti­nas foram destruí­das, êxo­do força­do que pas­sou a ser con­heci­do como Nak­ba.

Por isso, seis meses depois, em dezem­bro de 1948, a Assem­bleia-Ger­al da ONU aprovou a Res­olução 194, dan­do dire­ito aos palesti­nos refu­gia­dos voltarem paras suas ter­ras se assim dese­jassem. Porém, essa res­olução nun­ca foi cumpri­da.

Segun­do a rela­to­ra espe­cial das Nações Unidas para a Palesti­na Ocu­pa­da, Francesca Albanese, cer­ca de 40% dos palesti­nos da Cisjordâ­nia são refu­gia­dos des­de 1948 “que fugi­ram da vio­lên­cia que acom­pan­hou a cri­ação do Esta­do de Israel”. Além dis­so, a maio­r­ia dos res­i­dentes da Faixa de Gaza é de refu­gia­dos ou descen­dentes de refu­gia­dos, segun­do a espe­cial­ista da ONU.

Des­de 1998, o pres­i­dente da Autori­dade Nacional Palesti­na, Yass­er Arafat, tornou o Nak­ba uma data ofi­cial no cal­endário palesti­no. Em 2011, o Par­la­men­to israe­lense aprovou uma lei que per­mite a sus­pen­são de recur­sos para insti­tu­ições que cel­e­bram o Nak­ba.

Para enten­der como o povo palesti­no enx­er­ga a cri­ação do Esta­do de Israel, a Agên­cia Brasil entre­vis­tou dois espe­cial­is­tas sobre o tema.

A primeira é Soraya Mis­leh, fil­ha de um sobre­vivente e refu­gia­do do Nak­ba, a jor­nal­ista palesti­no-brasileira é mestre e douto­ra em estu­dos árabes e dire­to­ra do Insti­tu­to da Cul­tura Árabe. O pai de Mis­leh, Abder Raouf, tin­ha ape­nas 13 anos quan­do foi expul­so jun­to com toda a família da aldeia Qaqun, na Palesti­na.

O segun­do entre­vis­ta­do é o pro­fes­sor de História da Uni­ver­si­dade Fed­er­al Flu­mi­nense (UFF), Bernar­do Kocher, espe­cial­ista em história con­tem­porânea.

» Veja as entre­vis­tas abaixo:

 

Agên­cia Brasil: O que foi a Nak­ba?

Soraya Mis­leh: A pedra fun­da­men­tal da Nak­ba é a for­mação do Esta­do de Israel medi­ante limpeza étni­ca plane­ja­da. A con­strução dessa Nak­ba é um pro­je­to colo­nial que começou no fim do sécu­lo 19 com o surg­i­men­to do sion­is­mo políti­co mod­er­no e que visa­va a con­quista da ter­ra e do tra­bal­ho na Palesti­na históri­ca, via o que eles chamavam de trans­fer­ên­cia pop­u­la­cional. Afi­nal, no  final do sécu­lo 19, tin­ha só 6% de judeus na Palesti­na.

 

Jornalista palestino-brasileira Soraya Misleh
Repro­dução; Jor­nal­ista palesti­no-brasileira Soraya Mis­leh — Rove­na Rosa/Agência Brasil

O que acon­te­cia? Cada vez que eles chegavam lá con­sti­tuíam um colona­to, um assen­ta­men­to, expul­san­do os palesti­nos nativos. Além dis­so, cada vez que se esta­b­ele­cia uma fábri­ca ou um serviço, o tra­bal­ho era exclu­si­vo para judeus. Teve várias revoltas con­tra isso. Em 1947, a ONU recomen­dou a par­til­ha da Palesti­na.

A res­olução [181 da ONU] foi o sinal verde para que aque­les planos de limpeza étni­ca fos­sem exe­cu­ta­dos. Em segui­da, começou a fase mais agres­si­va da expul­são dos palesti­nos. Teve vários genocí­dios.

O caso clás­si­co era o que acon­te­ceu com a aldeia da min­ha família, que tin­ha 2 mil habi­tantes e vivia de agri­cul­tura de sub­sistên­cia. Eles cer­cavam as aldeias por três lados e deixan­do uma úni­ca saí­da para as pes­soas irem emb­o­ra. Em segui­da, bom­bardeavam o cen­tro da aldeia — que era a praça onde esta­va a esco­la, a Mesqui­ta, a vida comu­nitária — matavam algu­mas pes­soas, tam­bém teve casos de estupros. Em con­se­quên­cia, foram 800 mil palesti­nos expul­sos e mais de 500 aldeias destruí­das. Des­de então, a sociedade está inteira­mente frag­men­ta­da e se ini­ciou o prob­le­ma dos refu­gia­dos.

» Enten­da o que é o sion­is­mo, movi­men­to que dá origem ao Esta­do de Israel

Bernar­do Kocher: É um con­trapon­to à feli­ci­dade que os israe­lens­es demon­straram ao cri­ar seu Esta­do nacional. Com a par­til­ha da ONU em maio de 1947, foi declar­a­da a inde­pendên­cia de Israel e as ter­ras que os israe­lens­es rece­ber­am tin­ham 50% de árabes. Com isso, os palesti­nos e o mun­do árabe ques­tionaram, como é que pode um Esta­do judeu cri­a­do com a metade da pop­u­lação de não judeus?

A res­olução da par­til­ha, da qual o Brasil pre­sid­iu com o min­istro Oswal­do Aran­ha, foi um equívo­co bru­tal. Ela deu as mel­hores ter­ras aos israe­lens­es e, a par­tir de 1947, os israe­lens­es, que já vin­ham fazen­do isso lenta­mente, acel­er­aram o proces­so de expul­são de palesti­nos e de invasão de aldeias com mas­sacres e ações ter­ror­is­tas. Por­tan­to, israe­lens­es apre­sen­tam isso como um feito e os palesti­nos, que foram expul­sos, começaram a chamar a Inde­pendên­cia de Israel como Nak­ba.

É uma for­ma de man­ter essa memória porque muitas matanças foram feitas, aldeias inteiras foram diz­imadas. Um dos exem­p­los mais con­heci­dos foi o mas­sacre da aldeia de Deyr Yassin por gru­pos ter­ror­is­tas. Vários dess­es gru­pos ter­ror­is­tas depois foram incor­po­ra­dos ao Exérci­to de Israel. A Nak­ba é a for­ma dos palesti­nos chamarem o iní­cio de sua diás­po­ra.

 

Agên­cia Brasil: E a comu­nidade inter­na­cional como reag­iu a ess­es fatos?

Soraya Mis­leh: Infe­liz­mente, o mun­do saudou a col­o­niza­ção que resul­tou na catástrofe palesti­na. O mun­do havia acaba­do de sair das atro­ci­dades do nazis­mo na Europa e me parece que os europeus, para expi­ar sua própria cul­pa pelo que acon­te­ceu no Holo­caus­to, decidi­ram que as vidas palesti­nas não impor­tavam.

Foi uma decisão que não lev­ou em con­ta a vida dos palesti­nos. Infe­liz­mente, a cumpli­ci­dade inter­na­cional em relação ao que acon­tece com os palesti­nos é históri­ca, des­de antes de 1948, e con­tin­ua até hoje.

03/10/2023, Professor de Relações Internacionais Bernardo Kocher comenta ataque em Nice. Foto: Frame/ TV Brasil
Repro­dução: pro­fes­sor de Relações Inter­na­cionais Bernar­do Kocher. Foto: Frame/ TV Brasil

Kocher: Se não faz nada hoje, você acha que em 1948 que não havia meios de comu­ni­cação faria? O silên­cio foi ain­da maior, porque Israel teve o apoio inclu­sive da União Soviéti­ca, que enx­er­ga­va o Esta­do de Israel como uma oposição ao impe­ri­al­is­mo inglês.

Os Esta­dos Unidos apoiavam, mas não tin­ham o poder que têm hoje. A Europa, por causa do prob­le­ma de con­sciên­cia do Holo­caus­to, tam­bém apoia­va; o Brasil apoiou, a Améri­ca Lati­na apoiou.

Naque­la época, pare­cia uma coisa pro­gres­sista. Então, a questão Palesti­na foi invis­i­bi­liza­da e acabou trata­da por país­es como Egi­to, a Jordâ­nia e a Síria, que eram os maiores inimi­gos de Israel. Mas, com o tem­po, eles foram neu­tral­iza­dos ou der­ro­ta­dos por Israel. A questão Palesti­na ficou aban­don­a­da até a cri­ação da Orga­ni­za­ção pela Lib­er­tação da Palesti­na (OLP), na déca­da de 1960.

 

Agên­cia Brasil: Qual a importân­cia e o sig­nifi­ca­do que o povo palesti­no dá a Nak­ba?

Soraya Mis­leh: Sig­nifi­ca o pre­sente na vida dos palesti­nos. A Nak­ba não acabou. O pas­sa­do para os palesti­nos é o pre­sente. Essa Nak­ba con­tin­ua pre­sente todos os dias e é a ameaça de apaga­men­to exis­ten­cial do futuro. Meu pai con­ta­va como era a Palesti­na antes de 1948. Meu pai é uma víti­ma e um sobre­vivente da Nak­ba.

Ele fala­va sem­pre como eles lev­avam uma vida sim­ples, mas feliz. Não tin­ha tran­ca nas por­tas e a gente cor­ria por aque­le verde, tudo o que a gente pre­cisa­va a ter­ra dava. Era uma vida muito comu­nitária.

Kocher: Você já deve ter vis­to os palesti­nos por­tan­do aque­las grandes chaves anti­gas. É a chave de casa que eles esper­am algum dia voltar. Eles enx­ergam esse proces­so de uma for­ma muito lúci­da, sem nen­hu­ma ilusão.

Nós que esta­mos longe desse con­fli­to, e os europeus que fin­gem que não veem, olhá­va­mos para a situ­ação de uma for­ma muito roman­ti­za­da sobre o que é Israel.

Para os palesti­nos, não foi dado esse dire­ito de roman­ti­zar essa história e todos eles têm uma con­sciên­cia muito clara do que se pas­sou.

Agên­cia Brasil: Acred­i­ta que a deman­da de retorno dos palesti­nos expul­sos na Nak­ba invi­a­bi­liza um acor­do de paz com Israel?

Soraya Mis­leh: Sim, mas isso é um dire­ito inalienáv­el e inego­ciáv­el do povo palesti­no recon­heci­do pela ONU na sua Res­olução 194. Israel não quer a paz. Não existe paz sem justiça para a total­i­dade do povo palesti­no. Você tem 6 mil­hões de palesti­nos em cam­pos de refu­gia­dos, mil­hares na diás­po­ra, e se você não recon­hece o dire­ito humano inter­na­cional ao retorno à ter­ra, não há qual­quer tipo de acor­do.

O his­to­ri­ador israe­lense Ilan Pap­pé está falan­do há muitos anos que essa apre­goa­da solução de dois Esta­dos está mor­ta pela expan­são colo­nial agres­si­va israe­lense.

Kocher: Os judeus foram expul­sos no sécu­lo 3 antes de Cristo da Palesti­na pelos romanos e voltaram 2 mil anos depois. Os palesti­nos foram expul­sos há 75 anos, por que eles não podem voltar? A questão não é o retorno, mas sim que Israel vai ter que abdicar de ter­ras e é um vol­ume de ter­ras muito grande.

A gente está con­ver­san­do aqui e eles estão ocu­pan­do algum pedaço da Cisjordâ­nia ou de Jerusalém Ori­en­tal. Como faz­er os israe­lens­es pararem e devolverem as ter­ras? Não sei exata­mente como isso vai ser feito.

Edição: Car­oli­na Pimentel

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