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Entidades civis pedem mudança na apuração da violência policial no Rio

Repro­dução: © Tomaz Silva/Agência Brasil

Punição de envolvidos em violações de direitos é uma das demandas


Pub­li­ca­do em 24/02/2024 — 14:50 Por Cristi­na Indio do Brasil – Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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“As polí­cias foram respon­sáveis por 35,4% da letal­i­dade na região met­ro­pol­i­tana do Rio de Janeiro nos últi­mos três anos – ou seja, mais de um terço das mortes vio­len­tas ocor­ri­das foram decor­rentes de ações poli­ci­ais”. Este é um dos prin­ci­pais pon­tos da Car­ta Com­pro­mis­so com as Famílias Víti­mas de Vio­lên­cia do Esta­do para as Autori­dades, que resul­tou da Escu­ta Pop­u­lar sobre a Letal­i­dade Poli­cial e seus Impactos nas Infân­cias Negras.

Orga­ni­za­do pela platafor­ma de Dire­itos Humanos Dhesca Brasil [Dire­itos Humanos, Econômi­cos, Soci­ais, Cul­tur­ais e Ambi­en­tais], com apoio das orga­ni­za­ções fil­i­adas ao Insti­tu­to Brasileiro de Anális­es Soci­ais e Econômi­cas (Ibase) e da Justiça Glob­al, o encon­tro reuniu na terça-feira (20) inte­grantes de movi­men­tos soci­ais, defen­sores de dire­itos humanos, pesquisadores e par­entes de víti­mas na sede da Ação da Cidada­nia, na Gam­boa, região por­tuária do Rio.

Rio de Janeiro (RJ), 20/02/2024 – Evento Escuta popular sobre letalidade policial e o impacto na infância, na Gamboa, na zona portuária do Rio de Janeiro. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Repro­dução: Camise­tas expostas em even­to no Rio lem­bram jovens víti­mas da vio­lên­cia poli­cial no esta­do — Tomaz Silva/Agência Brasil

“O acir­ra­men­to das oper­ações poli­ci­ais nas fave­las e per­ife­rias do Rio de Janeiro tem ger­a­do um cotid­i­ano de mortes e vio­lações de dire­itos, com o uso de um enorme apara­to béli­co colo­can­do a vida de mil­hares de pes­soas em risco, sus­penden­do o dire­ito de ir e vir dos moradores, sub­me­tendo-os a invasões de casas, tor­tu­ran­do e assas­si­nan­do cen­te­nas de pes­soas. Tra­ta-se de um mod­e­lo basea­do no uso da força, que pro­move, em nome de uma supos­ta “guer­ra ao trá­fi­co”, inúmeras vio­lações de dire­itos humanos à morado­ras e moradores, sobre­tu­do jovens e cri­anças das fave­las do Esta­do”, diz out­ro  tre­cho da car­ta.

O doc­u­men­to pede a punição de poli­ci­ais envolvi­dos em vio­lações de dire­itos de moradores de per­ife­rias e fave­las, o for­t­alec­i­men­to dos inquéri­tos, a apu­ração dos crimes e real­iza­ção de perí­cias no local, além de reparações obje­ti­vas e finan­ceiras e garan­tia de trata­men­to de saúde para par­entes de víti­mas de tais situ­ações. “Ao nos torn­ar­mos víti­mas do Esta­do, nós, mães e famil­iares, não con­ta­mos com o apoio do Esta­do, que nos deve assistên­cia psi­cos­so­cial, reparação finan­ceira e o acom­pan­hamen­to das inves­ti­gações dos casos”, enfa­ti­za a Car­ta.

Out­ra cobrança é de mais rig­or no con­t­role exter­no das ações poli­ci­ais. “Nós, famil­iares de víti­mas da vio­lên­cia do Esta­do, vimos a públi­co cobrar que o con­t­role exter­no da ativi­dade poli­cial seja feito com mais rig­or, exigin­do das polí­cias a redução da letal­i­dade e do uso da força e colab­o­ran­do para a diminuição de oper­ações e ações vio­len­tas por parte das polí­cias Civ­il e Mil­i­tar, que sus­pen­dem diari­a­mente os dire­itos dos moradores de fave­las, expon­do suas vidas à vio­lên­cia do Esta­do.”

Atingidos

A car­ta com­pro­mis­so repro­duz números lev­an­ta­dos pelo Insti­tu­to Fogo Cruza­do, con­sid­er­a­dos alar­mantes pelas enti­dades orga­ni­zado­ras da escu­ta pop­u­lar. “De jul­ho de 2016 a jul­ho de 2023, 286 cri­anças e ado­les­centes foram atingi­dos por armas de fogo durante oper­ações poli­ci­ais, resul­tan­do na morte de 112 e deixan­do out­ras 174 feri­das.”

Con­forme o Insti­tu­to, no perío­do de agos­to de 2016 a 31 de jul­ho de 2023, hou­ve 283 chaci­nas poli­ci­ais no Grande Rio, que ter­mi­naram em 1.137 civis mor­tos, o que rep­re­sen­ta média de três chaci­nas por dia den­tro do perío­do de sete anos. “Dezoito dessas chaci­nas ocor­reram após a morte de um poli­cial, sendo con­sid­er­adas como um ato de vin­gança”, diz o Fogo Cruza­do.

De acor­do com dados do relatório men­sal da insti­tu­ição, o bair­ro do Jacarez­in­ho, na zona norte do Rio, teve em 2024 o pior começo de ano dos últi­mos oito anos. Foram 20 tiroteios e dis­paros de arma de fogo em janeiro. “O número é o maior dos últi­mos oito anos, o equiv­a­lente a 14% do total mapea­do na cidade do Rio de Janeiro, que con­cen­trou 132 tiroteios em janeiro.”

O lev­an­ta­men­to mostra ain­da que o Jacarez­in­ho con­cen­trou número de balea­d­os maior do que toda cidade de São João de Mer­i­ti, na Baix­a­da Flu­mi­nense, segun­do municí­pio com mais tiroteios mapea­d­os em janeiro. Des­de 2022, o Jacarez­in­ho é ocu­pa­do pelo Cidade Integra­da, um pro­je­to do gov­er­no do esta­do.

“Após a ocu­pação pela polí­cia, a região viu o número de tiroteios crescer 79%”, diz a car­ta com­pro­mis­so, ressaltan­do que isso ocorre tam­bém em out­ros locais e ambi­entes, como a Maré, a Baix­a­da Flu­mi­nense, Acari, Can­delária e áreas per­iféri­c­as.

Rio de Janeiro (RJ), 20/02/2024 – A diretora-executiva do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Rita Corrêa Brandão durante o evento Escuta popular sobre letalidade policial e o impacto na infância, na Gamboa, na zona portuária do Rio de Janeiro. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Repro­dução: A dire­to­ra exec­u­ti­va do Ibase, Rita Cor­rêa Brandão, em even­to sobre letal­i­dade poli­cial no Rio — Tomaz Silva/Agência Brasil

A dire­to­ra do Ibase, Rita Cor­reia Brandão, disse acred­i­tar que a par­tic­i­pação de rep­re­sen­tantes do Leg­isla­ti­vo flu­mi­nense e de inte­grantes de diver­sos órgãos e insti­tu­ições no proces­so da escu­ta pop­u­lar pode garan­tir um com­pro­mis­so dessas partes para a rever­são do quadro de vio­lên­cia sofri­da por moradores de fave­las e espaços pop­u­lares.

Rita lem­brou que as chaci­nas de Acari e da Can­delária ocor­reram há 30 anos e ain­da não tiver­am res­olução. “O que a gente espera da reunião de tan­tas instân­cias do Par­la­men­to, de insti­tu­ições e de justiça – tem Defen­so­ria e Min­istério Públi­co – é que saia daqui um grande pacto para acabar com a letal­i­dade poli­cial e con­stru­ir reparação para ess­es famil­iares”, disse.

Cobrança de justiça

Rita Brandão comen­tou ain­da relatos de famil­iares de víti­mas que cobram maior pre­sença da justiça tan­to no acom­pan­hamen­to das inves­ti­gações quan­to no cumpri­men­to das penal­i­dades.

“O caso do Maicom, um meni­no de 2 anos, foi enquadra­do como auto de resistên­cia. Dá para ter justiça? Quan­do eles falam dis­so, falam de inves­ti­gação séria e de uma punição ade­qua­da, em que os dire­itos sejam preser­va­dos. A pop­u­lação tem dire­ito de não ter sua casa inva­di­da, de não ter seus fil­hos mor­tos. Este é um caso emblemáti­co se a gente pen­sa em justiça. O caso foi arquiv­a­do porque foi enquadra­do em auto de resistên­cia. Só que ele tin­ha 2 anos de idade”, afir­mou.

Deise Sil­va de Car­val­ho, que perdeu o fil­ho Andreu Luiz Sil­va de Car­val­ho, em 2008, na época com 17 anos, foi por­ta-voz de alguns par­entes de víti­mas da vio­lên­cia e comen­tou o caso do meni­no. “A morte do pequeno Maicon é um exem­p­lo do exter­mínio da pop­u­lação negra nas fave­las e per­ife­rias. A bru­tal­i­dade do Esta­do con­tra cri­anças e ado­les­centes no Brasil pre­cisa ter punição na esfera do poder judi­ciário e inter­na­cional­mente. Esper­amos que as comis­sões inter­na­cionais de dire­itos humanos pos­sam garan­tir a justiça da qual o Esta­do brasileiro se omite e falou em pro­mover para Maicon e sua família”, afir­mou Deise.

Respostas

Em respos­ta à Agên­cia Brasil, a Sec­re­taria de Polí­cia Civ­il do Rio de Janeiro disse que lamen­ta pro­fun­da­mente o grande número de víti­mas da vio­lên­cia no esta­do, “prin­ci­pal­mente pela atu­ação de orga­ni­za­ções crim­i­nosas armadas extrema­mente vio­len­tas” e que, por isso, se sol­i­dariza com os famil­iares de cada uma e reafir­ma o com­pro­mis­so dos poli­ci­ais civis em defe­sa da segu­rança e dos dire­itos humanos da pop­u­lação.

A sec­re­taria diz que que cumpre “rig­orosa­mente toda a leg­is­lação rel­a­ti­va à ativi­dade poli­cial, às oper­ações poli­ci­ais e ao emprego da força poli­cial em suas ações” e que “atua em situ­ações de extrema difi­cul­dade e alto risco, em oper­ações em que a prob­a­bil­i­dade de con­fron­to é muito alta, dev­i­do à pre­sença de crim­i­nosos forte­mente arma­dos no Rio de Janeiro”.

Para a Polí­cia Civ­il, as facções crim­i­nosas que exis­tem no país desafi­am o esta­do. “No caso do Rio de Janeiro, as polí­cias enfrentam uma ver­dadeira insurgên­cia crim­i­nal, ou uma megavi­o­lên­cia orga­ni­za­da, de acor­do com estu­diosos do assun­to”, com­ple­tou. “Não se tra­ta ape­nas de um prob­le­ma de segu­rança públi­ca, mas de uma ver­dadeira guer­ra assimétri­ca, em que aque­les que desafi­am o Esta­do con­sti­tuí­do menosprezam o Esta­do Con­sti­tu­cional de Dire­ito”.

A Polí­cia Civ­il con­testou as acusações de vio­lações de dire­itos nas oper­ações. “Sem a dev­i­da con­tex­tu­al­iza­ção sobre o ambi­ente em que ocor­rem as oper­ações da Polí­cia Civ­il, é impos­sív­el ter uma dimen­são real dos prob­le­mas enfrenta­dos, o que abre espaço para nar­ra­ti­vas opor­tunistas que acusam a polí­cia de vio­lações de dire­itos humanos e de uso despro­por­cional da força.”

A insti­tu­ição defend­eu ain­da o uso de helicópteros e veícu­los blinda­dos durante as oper­ações nas comu­nidades do Rio. “O número de poli­ci­ais feri­dos ou mor­tos em ações com o emprego de aeron­aves é próx­i­mo de zero e inex­is­tem reg­istros de inocentes mor­tos por dis­paros equiv­o­ca­dos de aeron­aves, dados que reforçam que as aeron­aves são necessárias à preser­vação da vida. De igual for­ma, reduz-se dras­ti­ca­mente o risco de con­fron­tos durante as oper­ações.”

De acor­do com a Polí­cia Civ­il, o emprego de helicópteros e veícu­los blinda­dos da força nas oper­ações de segu­rança públi­ca “é impre­scindív­el para lev­an­ta­men­to de infor­mações de áreas con­flagradas, trans­porte e desem­bar­que de equipes em locais de risco ou de difí­cil aces­so, ori­en­tação em tem­po real das equipes de solo e cober­tu­ra aprox­i­ma­da da pro­gressão de poli­ci­ais, além do res­gate e evac­uação de feri­dos”.

A Polí­cia Civ­il infor­mou que, des­de 22 de janeiro, os agentes da Coor­de­nado­ria de Recur­sos Espe­ci­ais usam as câmeras opera­cionais portáteis, seguin­do crono­gra­ma aprova­do pelo Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al (STF) e recon­hece que a medi­da é impor­tante para dar maior transparên­cia às ativi­dades real­izadas durante as oper­ações.

Polícia Militar

A Sec­re­taria de Esta­do de Polí­cia Mil­i­tar disse que as ações da cor­po­ração são pau­tadas por critérios estratégi­cos e téc­ni­cos, sem­pre sendo con­duzi­das den­tro do pre­vis­to na leg­is­lação vigente. “O coman­do da cor­po­ração ressalta que não cor­rob­o­ra com o come­ti­men­to de exces­sos ou crimes por parte de seus entes, punin­do com rig­or os envolvi­dos quan­do con­stata­dos os fatos”, afir­mou.

A PM infor­mou ain­da que a ouvi­do­ria da cor­po­ração está sem­pre à dis­posição da pop­u­lação por meio do tele­fone (21) 2334–6045 ou por este e‑mail.

“Vale destacar que, de acor­do com os dados com­pi­la­dos pelo Insti­tu­to de Segu­rança Públi­ca (ISP), o indi­cador estratégi­co de morte por inter­venção de agente do Esta­do apre­sen­tou diminuição de 35% em 2023 com relação ao ano ante­ri­or. Este foi o menor índice para o acu­mu­la­do des­de 2015”, infor­mou a PM, desta­can­do que quase 13 mil câmeras de uso cor­po­ral estão sendo usadas pelo efe­ti­vo nas ruas.

Até o fechamen­to dessa reportagem, o Min­istério Públi­co do Esta­do do Rio de Janeiro e o Tri­bunal de Justiça do Rio de Janeiro não tin­ham respon­di­do aos pedi­dos de declar­ação encam­in­hados pela Agên­cia Brasil.

Edição: Nádia Fran­co

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