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Entidades LGBTI+ criticam Meta: “patologização de identidades é grave”

Crescimento da homofobia e dos discursos de ódio também preocupam

Léo Rodrigues – Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 11/01/2025 — 10:04
Rio de Janeiro
Brasília (DF) 27/11/2024 – Detalhe do nome Facebook em um olho de uma mulher. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Repro­dução: © Joéd­son Alves/Agência Brasil

Diante das alter­ações nas regras do Face­book e do Insta­gram anun­ci­adas na últi­ma terça-feira (7), difer­entes enti­dades e cole­tivos que con­gregam pes­soas LGBTI+ têm man­i­fes­ta­do temor com um pos­sív­el cresci­men­to no vol­ume dos dis­cur­sos de ódio e de men­sagens homofóbi­cas nas duas platafor­mas dig­i­tais. Os ativis­tas cobram do gov­er­no brasileiro e do Con­gres­so Nacional a adoção de medi­das para res­guardar os dire­itos humanos.

“É necessário revis­ar a atu­ação do Grupo Meta no país e, se cabív­el, impor sanções para asse­gu­rar que o ambi­ente dig­i­tal não seja pal­co para retro­ces­sos democráti­cos e vio­lações de dire­itos”, reg­is­tra nota divul­ga­da na quin­ta-feira (9) pela Aliança Nacional LGBTI+ e pela Asso­ci­ação Brasileira de Famílias Homo­transafe­ti­vas (ABRAFH).

Uma das maiores pre­ocu­pações das enti­dades envolvem a dis­sem­i­nação de dis­cur­sos que clas­si­fi­cam a homos­sex­u­al­i­dade ou a trans­gener­i­dade como doença men­tal, ape­sar do con­sen­so cien­tí­fi­co atu­al rejeitar tais teses. Nos Esta­dos Unidos, as mudanças já foram apli­cadas. Pelas novas regras, insul­tos homofóbi­cos, xenó­fo­bos e mis­ógi­nos que antes eram fil­tra­dos, estão sendo lib­er­a­dos.

As mudanças foram anun­ci­adas por meio de um pro­nun­ci­a­men­to em vídeo de Mark Zucker­berg, pres­i­dente exec­u­ti­vo da Meta, que con­tro­la as duas platafor­mas. A prin­ci­pal mudança é o fim da checagem de fatos, que tem como obje­ti­vo detec­tar e apon­tar erros, impre­cisões e men­ti­ras nas posta­gens. Na práti­ca, sig­nifi­ca que não será mais real­iza­do nen­hum tra­bal­ho para con­fir­mar e com­pro­var infor­mações veic­u­ladas pelos usuários do Insta­gram e do Face­book. Zucker­berg infor­mou que será ado­ta­do um mod­e­lo de notas da comu­nidade, sim­i­lar ao da platafor­ma X con­tro­la­da pelo empresário Elon Musk. Através desse mod­e­lo, os próprios usuários podem agre­gar infor­mações con­te­s­tando a veraci­dade de deter­mi­na­da con­teú­do.

Zucker­berg tam­bém anun­ciou mudanças envol­ven­do mod­er­ação de con­teú­do, como a redução no uso de fil­tros que bus­cam por con­teú­dos que vio­lam os ter­mos de uso. “É uma tro­ca. Sig­nifi­ca que vamos mapear menos coisas ruins, mas tam­bém vamos reduzir o número de posta­gens de pes­soas inocentes que der­rubamos aci­den­tal­mente”, disse.

Para a Aliança Nacional LGBTI+ e a ABRAFH, a situ­ação é alar­mante. “Essa decisão vio­la os princí­pios dos dire­itos humanos, retroce­den­do con­quis­tas históri­c­as e reforçan­do estig­mas que colo­cam vidas em peri­go. É essen­cial recor­dar que, des­de 1990, a Orga­ni­za­ção Mundi­al da Saúde não recon­hece a homos­sex­u­al­i­dade como doença, posição cor­rob­o­ra­da por trata­dos inter­na­cionais que o Brasil sub­screve”, reg­is­tra a nota.

As duas enti­dades con­sid­er­am que as mudanças rep­re­sen­tam grave retro­ces­so na luta con­tra a desin­for­mação, poden­do com­pro­m­e­ter avanços democráti­cos e atin­gir dire­itos fun­da­men­tais no Brasil. “Essa decisão amplia a dis­sem­i­nação de con­teú­dos fal­sos, que ali­men­tam dis­cur­sos de ódio, pre­con­ceitos e vio­lên­cias, colo­can­do em risco a segu­rança e a dig­nidade das pes­soas LGBTI+, além de ameaçar a coesão social.”

As enti­dades tam­bém chamam a atenção para a importân­cia das dis­cussões no âmbito do Judi­ciário e do Leg­isla­ti­vo. Está em cur­so no Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al (STF) o jul­ga­men­to de ações nas quais se dis­cute se as redes soci­ais são respon­sáveis por con­teú­dos de usuários, caso deix­em de tomar as providên­cias necessárias para remover posta­gens com teor crim­i­noso. Além dis­so, no Con­gres­so Nacional, a reg­u­lação de con­teú­do das platafor­mas dig­i­tais é tema de um pro­je­to de lei que ficou con­heci­do como PL das Fake News. A Aliança Nacional LGBTI+ e a ABRAFH defen­d­em a neces­si­dade de aprovação de um mar­co legal sobre o assun­to.

“A ausên­cia de leg­is­lação especí­fi­ca tem per­mi­ti­do que empre­sas como o Grupo Meta tomem decisões arbi­trárias e prej­u­di­ci­ais ao inter­esse públi­co, como o encer­ra­men­to da checagem de notí­cias fal­sas e a per­mis­são de con­teú­dos que patol­o­gizam a trans­gener­i­dade e a homos­sex­u­al­i­dade. É indis­pen­sáv­el que o Con­gres­so assuma seu papel na defe­sa da democ­ra­cia, com­bat­en­do a desin­for­mação e asse­gu­ran­do que os dire­itos humanos sejam preser­va­dos em ambi­entes vir­tu­ais, por meio de mecan­is­mos claros de reg­u­lação e respon­s­abi­liza­ção. A resistên­cia à desin­for­mação e aos dis­cur­sos de ódio é um com­pro­mis­so que tran­scende inter­ess­es indi­vid­u­ais”, acres­cen­tam.

Patologização

Na opinião do pres­i­dente do Grupo de Tra­bal­ho Memória e Ver­dade LGBT, Renan Quinal­ha, o sinal verde dado pela Meta aos dis­cur­sos de patol­o­giza­ção das iden­ti­dades LGBTI+ é extrema­mente grave. Em uma postagem veic­u­la­da na sex­ta-feira (10) em suas redes soci­ais, Quinal­ha criti­cou as mudanças anun­ci­adas. “Durante muito tem­po, fomos con­sid­er­a­dos não só pecadores, pelas igre­jas, e crim­i­nosos, pelos Esta­dos, mas tam­bém doentes. O estig­ma que nos foi impos­to pelo saber médi­co é dos mais pro­fun­dos, porque sem­pre se ben­efi­ciou da legit­im­i­dade e do prestí­gio da ciên­cia. Não por out­ra razão, uma de nos­sas batal­has mais anti­gas tem sido pre­cisa­mente pela despa­tol­o­giza­ção, ou seja, para não haver essa asso­ci­ação das existên­cias LGBTI+ a uma doença.”

Rio de Janeiro (RJ) - O professor de direito da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Renan Quinalha, fala sobre os esforços para documentar, registrar, investigar e esclarecer violências históricas praticadas contra a população LGBTQIA+. Um grupo de trabalho (GT) inédito está sendo designado tanto para realizar a documentação histórica. Foto: Fábio Audi/Divulgação
Repro­dução: O pro­fes­sor de dire­ito da Uni­ver­si­dade Fed­er­al de São Paulo (Unife­sp), Renan Quinal­ha. Fábio Audi/Divulgação

Quinal­ha cita casos de inter­nação com­pul­sória em hos­pi­tais psiquiátri­cos e man­icômios judi­ciários. “Fomos sub­meti­dos a vio­lên­cias como choques elétri­cos, lobot­o­mia, insulinoter­apia e con­vul­soter­apia. Escrever­am trata­dos com fotos e diag­nós­ti­co. Fiz­er­am lau­dos e pre­screver­am difer­entes trata­men­tos. Graças a um abaixo assi­na­do ini­ci­a­do em 1981 no Brasil, nos­so país despa­tol­o­gi­zou a homos­sex­u­al­i­dade em 1985. A Orga­ni­za­ção Mundi­al da Saúde o fez em 1990. As existên­cias trans só em 2018 – e com ressal­vas. Órgãos de classe profis­sion­al como os con­sel­hos fed­erais de Med­i­c­i­na e de Psi­colo­gia vedam essas práti­cas de ter­apias de cura gay”, acres­cen­ta.

No entan­to, ele obser­va que se tra­ta de uma con­quista ain­da recente no Brasil e que até hoje não foi alcança­da em alguns país­es e aler­ta que, sem a mod­er­ação das platafor­mas, a remoção dos dis­cur­sos de patol­o­giza­ção que estiverem em cir­cu­lação nas redes soci­ais só será pos­sív­el acio­nan­do o Judi­ciário.

“É muito grave. Porque o tem­po da Justiça é lento. Porque nos onera mais uma vez a nos defend­er soz­in­hos e por nos­sa con­ta dos ataques. O estra­go já vai ter sido – e já está sendo – feito. Vão viralizar memes e fal­sas pesquisas que nos clas­si­fi­cam como doentes. E mui­ta gente vai acred­i­tar. É assim que se con­stroem pre­con­ceito e dis­crim­i­nação. Não podemos per­mi­tir que as platafor­mas ampli­fiquem dis­cur­sos de ódio impune­mente”, escreveu.

Reações

Ao anun­ciar as mudanças nas regras do Face­book e do Insta­gram, Mark Zucker­berg disse que a recente eleição de Don­ald Trump nos Esta­dos Unidos é um pon­to de inflexão. Ele fez acenos ao novo pres­i­dente dos Esta­dos Unidos, que tomará posse no dia 20 deste mês. Ao mes­mo tem­po, assum­iu argu­men­tos encam­pa­dos por Trump e por out­ros líderes mundi­ais de extrema-dire­i­ta, que clas­si­fi­cam a checagem de fatos como cen­sura. “É hora de voltar para nos­sas raízes de livre expressão no Face­book e no Insta­gram”, afir­mou.

O pres­i­dente exec­u­ti­vo da Meta ain­da acu­sou gov­er­nos e veícu­los da mídia tradi­cional de serem favoráveis à cen­sura.

Nos últi­mos dias, o dis­cur­so ger­ou reações de difer­entes chefes de Esta­do. Os pres­i­dentes do Brasil, Luiz Iná­cio Lula da Sil­va, e da França, Emmanuel Macron, abor­daram o tema em uma con­ver­sa tele­fôni­ca na sex­ta-feira. Os gov­er­nos dos dois país­es com­par­til­ham posi­ciona­men­to sim­i­lar e man­i­fes­taram pre­ocu­pação com o risco de uma ampli­ação na dis­sem­i­nação de notí­cias fal­sas. No Brasil, a Advo­ca­cia-Ger­al da União (AGU) noti­fi­cou a Meta para esclare­cer dúvi­das em até 72 horas. Expli­cações tam­bém foram cobradas pelo Min­istério Públi­co Fed­er­al (MPF), que esta­b­ele­ceu, no entan­to, um pra­zo mais elás­ti­co: 30 dias.

Na quin­ta-feira (9), o por­ta-voz da Comis­são Europeia, Thomas Reg­nier, defend­eu que a Lei de Serviços Dig­i­tais seja respeita­da pela Meta. Reg­nier afir­mou que a leg­is­lação não autor­iza remoção de con­teú­do legal das platafor­mas e sim aque­les que podem ser nocivos para cri­anças ou para o anda­men­to das democ­ra­cias da União Europeia.

Em uma pub­li­cação nas redes soci­ais, o alto comis­sário da Orga­ni­za­ção das Nações Unidas (ONU) para os Dire­itos Humanos, Volk­er Türk, afir­mou que per­mi­tir dis­cur­so de ódio tem con­se­quên­cias no mun­do real. “Reg­u­lar tal con­teú­do não é cen­sura. Meu gabi­nete pede respon­s­abil­i­dade e gov­er­nança no espaço dig­i­tal, em lin­ha com os dire­itos humanos”, escreveu.

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