...
sábado ,18 janeiro 2025
Home / Noticias / Escola pioneira no Espírito Santo vai formar 12 fotógrafos cegos

Escola pioneira no Espírito Santo vai formar 12 fotógrafos cegos

Repro­dução: © Fag­n­er Soares/ I Cia Poéti­cas da Cena

Curso começa hoje em Vitória


Pub­li­ca­do em 25/08/2022 — 07:05 Por Alana Gan­dra — Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

Ouça a matéria:

Começa hoje (25) no Insti­tu­to Luiz Braille do Espíri­to San­to, em Vitória (ES), cur­so de fotografia para pes­soas cegas. Maior nome da fotografia fei­ta por pes­soas com defi­ciên­cia visu­al no Brasil e duas vezes fotó­grafo ofi­cial dos Jogos Par­alímpi­cos, João Maia con­sid­era váli­do o pro­je­to que for­mará, de uma só vez, 12 fotó­grafos.

A maio­r­ia das 12 pes­soas cegas que par­tic­i­parão da exper­iên­cia é for­ma­da por alunos de can­to e teatro do pro­je­to Cena Diver­sa, do cole­ti­vo Com­pan­hia Poéti­cas da Cena Con­tem­porânea, que tra­bal­ha com cin­e­ma, teatro, fotografia e vídeo. O pro­je­to foi ide­al­iza­do e pro­pos­to por Rejane Arru­da, pres­i­dente da Asso­ci­ação Sociedade Cul­tura e Arte (SOCA Brasil) e dire­to­ra do cole­ti­vo e da Esco­la de Fotó­grafos Cegos (EFC). O pro­je­to tem patrocínio da ES Gás, por meio da Lei de Incen­ti­vo à Cul­tura Capix­a­ba.

O cur­so terá duração de oito meses e incluirá oito módu­los do ensi­no da fotografia, com ofic­i­nas, aulas, debates e imer­são dos par­tic­i­pantes na cap­tação de ima­gens. “O nos­so obje­ti­vo é a trans­mis­são do olhar e da poéti­ca de uma fotografia con­tem­porânea para eles. A gente apos­ta nes­sa trans­mis­são de uma poéti­ca visu­al para essas pes­soas que nun­ca enx­er­garam ima­gens”, disse Rejane. As aulas serão às quin­tas e sex­tas-feiras, com o acom­pan­hamen­to de uma equipe com­pos­ta por qua­tro fotó­grafos.

Serão feitas muitas descrições, pro­ced­i­men­tos práti­cos, nos quais ele­men­tos como o toque, a vivên­cia no espaço, metá­foras, serão usa­dos para trans­mi­tir essa poéti­ca aos alunos, “até o pon­to de, ao fim dos oito meses, eles se tornarem autônomos e con­seguirem con­stru­ir os próprios dis­pos­i­tivos para a exper­iên­cia fotográ­fi­ca”, esclare­ceu Rejane.

Inclusão

A SOCA Brasil tra­bal­ha com inclusão des­de 2019. Rejane comen­tou que as 12 pes­soas sele­cionadas nun­ca havi­am pen­sa­do antes em faz­er fotografia e, muito menos, em se trans­for­mar em fotó­grafos. “A ideia é for­mar 12 fotó­grafos cegos. É que eles perce­bam o que opera uma poéti­ca da imagem, por meio da escri­ta fotográ­fi­ca, e os próprios dis­pos­i­tivos para que, ao fim do cur­so, ten­ham autono­mia. Aos poucos, vão perceben­do que cada um pode ter um esti­lo, como autor de uma obra. A meta é a imagem como obra. Não uma fotografia instru­men­tal, mas fotografia arte. A gente apos­ta que eles são bons con­tribuintes, bons artis­tas, exata­mente por não enx­er­garem. Essa é a hipótese do pro­je­to. Porque não enx­ergam, eles fotografam mel­hor do que a gente. Eles têm uma impre­vis­i­bil­i­dade no olhar. Isso gera bons pro­du­tos, boas estéti­cas”, disse a pres­i­dente da SOCA Brasil.

Os 12 alunos rece­berão, durante o cur­so, bol­sa no val­or de R$ 360 por mês, con­ce­di­da pela ES Gás. Os futur­os fotó­grafos farão uma itin­erân­cia por espaços urbanos onde moram, que fre­quen­tam, onde cir­cu­lam, para tra­bal­har com a cidade. “A cidade vai ser cli­ca­da no cotid­i­ano dos alunos”, infor­mou Rejane Arru­da. A curado­ra Bár­bara Bra­ga­to sele­cionará 32 fotografias de toda a pro­dução fei­ta ao lon­go do cur­so, para estam­par estru­turas cúbi­cas que serão espal­hadas pelo Par­que do Moscoso, em Vitória. Com o títu­lo Quan­do fecho os olhos vejo mais per­to, a exposição ficará aber­ta ao públi­co durante um ano, a par­tir de jun­ho de 2023.

Referência

Refer­ên­cia nacional na fotografia para defi­cientes visuais, João Maia par­tic­i­pará de um bate-papo com os futur­os fotó­grafos, em data a ser agen­da­da. Em entre­vista à Agên­cia Brasil, Maia reit­er­ou a val­i­dade da Esco­la de Fotó­grafos Cegos, “porque o con­hec­i­men­to tem que ser com­par­til­ha­do. Se você tiv­er uma metodolo­gia que agregue con­hec­i­men­to, é muito impor­tante para as pes­soas com defi­ciên­cia”.

Atual­mente, João Maia dá ofic­i­nas de fotografia para pes­soas com e sem defi­ciên­cia, inclu­sive no exte­ri­or. “Temos que democ­ra­ti­zar a fotografia”. Ele lem­brou que, hoje, os ‘smart­phones’ têm aces­si­bil­i­dade e as câmeras dos celu­lares são muito mais acessíveis do que as profis­sion­ais. “Então, mex­e­mos aí com mui­ta autono­mia”. Isso não sig­nifi­ca entre­tan­to, que uma pes­soa com defi­ciên­cia visu­al não con­si­ga oper­ar um equipa­men­to profis­sion­al.

Con­sider­ou que ações como a da Esco­la de Fotó­grafos Cegos da SOCA Brasil são “impor­tan­tís­si­mas”. João Maia está con­cluin­do, no momen­to, pós-grad­u­ação em fotografia. “Acho que em qual­quer espaço pos­so estar”. Para ele, cabe ao pro­fes­sor que­brar par­a­dig­mas e se adap­tar às neces­si­dades de qual­quer aluno com defi­ciên­cia visu­al. “São sem­pre vál­i­das as ações que trazem con­hec­i­men­to para pes­soas com defi­ciên­cia”. Desta­cou que, no decor­rer da exper­iên­cia, se alguém quis­er inve­stir mais em sua capac­i­tação, fazen­do um cur­so téc­ni­co, bachare­la­do ou pós-grad­u­ação, esse aluno com defi­ciên­cia deve ficar à von­tade, porque não exis­tem bar­reiras. “Bar­reiras eu encon­tro todo dia no meu cam­in­ho, mas se eu for me pre­ocu­par com essa bar­reira, não vou crescer profis­sion­al­mente. Hoje, não paro de estu­dar porque o con­hec­i­men­to é que vai me difer­en­ciar de qual­quer out­ra pes­soa, com ou sem defi­ciên­cia”.

Emoção

João Maia enx­er­ga cores pelo olho esquer­do. Até 15 cen­tímet­ros, ele con­segue perce­ber o que tem à frente, emb­o­ra sem for­ma­to. Quan­to mais se dis­tan­cia, porém, mais perde a definição do que está ali. Quan­do via­ja para cobrir uma Par­alimpía­da, como ocor­reu na edição de 2020 no Japão, real­iza­da em 2021, Maia leva sem­pre um assis­tente para guiá-lo, descr­ev­er o ambi­ente. Mas toda a con­cepção da imagem e do que ele quer trans­mi­tir em ter­mos de emoção é de respon­s­abil­i­dade exclu­si­va sua. “Eu sou respon­sáv­el por isso”.

A emoção e o som, a comu­ni­cação entre os atle­tas, as equipes, são trans­for­ma­dos por Maia em ima­gens, como ocor­reu na final do fute­bol de 5 nas Par­alimpíadas de Tóquio, entre Brasil e Argenti­na. “Min­ha fotografia é muito sono­ra e eu ten­to traduzir toda essa emoção em min­has ima­gens. Eu fico feliz quan­do a gente tem ações que pos­si­bili­tam à pes­soa com defi­ciên­cia sair de sua zona de con­for­to. Nada impede que uma pes­soa com defi­ciên­cia visu­al fotografe para seu laz­er ou pos­sa, inclu­sive, ser um fotó­grafo profis­sion­al. Fiquei muito feliz de saber que o meu tra­bal­ho é refer­ên­cia no país e fora dele. Hoje, sou um fotó­grafo espe­cial­iza­do em esporte par­alímpi­co. Esse é o meu difer­en­cial”.

Na avali­ação de João Maia, a fotografia nada mais é do que emoção. “É memória, é algo que te traz sen­ti­men­tos. É usar os out­ros sen­ti­dos que estão tão aguça­dos, como audição, tato, olfa­to, pal­adar. A fotografia é isso”, afir­mou.

João Maia é con­sid­er­a­do refer­ên­cia na lista de fotó­grafos cegos, onde estão tam­bém, entre out­ros nomes, o esloveno nat­u­ral­iza­do francês Evgen Bav­car, pro­fes­sor de Estéti­ca na Uni­ver­si­dade de Sor­bonne e que já expôs em vários museus pelo mun­do; e o amer­i­cano Pete Eck­ert, que fez tra­bal­hos para a Volk­swa­gen e a Play­boy, além do autoral que o fez recon­heci­do inter­na­cional­mente com as suas light paint­ings (fisiogra­mas ou pin­turas de luz).

Edição: Graça Adju­to

LOGO AG BRASIL

Você pode Gostar de:

Fies: inscrições para o primeiro semestre começam em 4 de fevereiro

Inscrições gratuitas deve ser feitas exclusivamente pela internet Fabío­la Sin­im­bú – Repórter da Agên­cia Brasil …