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Escolas são importantes no combate à LGBTfobia, defendem especialistas

Repro­dução: © Tomaz Silva/Agência Brasil

Hoje é o Dia Internacional de Combate à Homofobia


Publicado em 17/05/2024 — 08:58 Por Mariana Tokarnia – Repórter da Agência Brasil — Rio de Janeiro

“Seu via­do”, “Fulano é mão que­bra­da”. Essas são algu­mas expressões que o pro­fes­sor de artes e teatro Ronei Vieira con­ta que já ouviu entre os estu­dantes. Expressões que muitas vezes são nat­u­ral­izadas, mas que são agres­si­vas e que podem ger­ar impactos pro­fun­dos na vida e na tra­jetória esco­lar de pes­soas LGBTQIA+.

“Eu acho que a esco­la ain­da é um ambi­ente muito hos­til à comu­nidade LGBT”, diz Vieira, que leciona no Cen­tro de Ensi­no em Perío­do Inte­gral Edmun­do Pin­heiro de Abreu, em Goiâ­nia

As impressões do pro­fes­sor são con­fir­madas em estu­dos que mostram que a esco­la muitas vezes não é um ambi­ente acol­he­dor. Por um lado, xinga­men­tos que começam como piad­in­has e chegam até mes­mo a agressões, podem ger­ar mar­cas pro­fun­das. Por out­ro, deixar de repreen­der con­du­tas pre­con­ceitu­osas pode faz­er com que essas práti­cas se per­petuem até a vida adul­ta, geran­do uma sociedade cada vez mais intol­er­ante.

No Brasil, a dis­crim­i­nação de pes­soas LGBTQIA+ é crime. Em 2019, o Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al (STF) equiparou a LGBT­fo­bia ao crime de racis­mo. Nas esco­las, de acor­do com a Lei de Dire­trizes e Bases da Edu­cação Nacional (LDB), Lei 9394/1996, a prin­ci­pal lei edu­ca­cional do Brasil, o ensi­no nas esco­las deve ser feito basea­do no “respeito à liber­dade e apreço à tol­erân­cia”.

Esse pre­ceito, no entan­to, nem sem­pre acon­tece. A Pesquisa Nacional sobre o Ambi­ente Edu­ca­cional no Brasil 2016 — As exper­iên­cias de ado­les­centes e jovens LGBT em nos­sos ambi­entes edu­ca­cionais, mostra que estu­dantes lés­bi­cas, gays, bis­sex­u­ais, trav­es­tis e tran­sex­u­ais relatam que são agre­di­dos den­tro das esco­las e que isso atra­pal­ha o rendi­men­to nos estu­dos. Alguns inclu­sive declar­am que já cog­i­taram tirar a própria vida por causa das agressões: 73% foram agre­di­dos ver­bal­mente e 36% foram agre­di­dos fisi­ca­mente.

Como pro­fes­sor, Vieira diz que deve repreen­der qual­quer tipo de pre­con­ceito. “A gente tem que repreen­der, con­ver­sar com o estu­dante, depen­den­do do nív­el. Se for uma agressão físi­ca, é [pre­ciso] chamar os pais. Se for mais grave ain­da, no sen­ti­do de uma agressão mais grave, você tem que chamar o batal­hão esco­lar pra inter­vir”, diz.

Mas, ao lon­go da car­reira, ele con­ta já ter pres­en­ci­a­do estu­dantes que bus­caram a coor­de­nação por estarem sofren­do bul­ly­ing e LGBT­fo­bia e acabarem sendo repreen­di­dos. A gestão dizia que isso ocor­ria por con­ta do com­por­ta­men­to da própria víti­ma.

“A gente tá viven­do uma sociedade con­ser­vado­ra e a esco­la, na ver­dade, é uma repro­dução desse mun­do que a gente vê aí fora, infe­liz­mente”, diz o pro­fes­sor. Ele defende que a esco­la deve ser capaz de tra­bal­har a edu­cação sex­u­al de for­ma inclu­si­va, como uma maneira de for­mar mel­hores cidadãos para o país e para o mun­do:

“Eu acho que você vai crian­do uma sociedade mais saudáv­el. Saudáv­el no sen­ti­do de lidar com o próprio cor­po, saudáv­el no sen­ti­do de saber lidar com o out­ro mel­hor, de respeitar a diver­si­dade de cor­pos e existên­cias, né? De for­mas de exi­s­tir no mun­do. E eu não vejo out­ra for­ma da gente cri­ar um mun­do mel­hor se não for olhan­do para essa diver­si­dade”.

Menos espaço nas escolas

No Brasil, no entan­to, temas como a LGBT­fo­bia tem gan­hado cada vez menos espaço nas insti­tu­ições de ensi­no. O total de esco­las públi­cas com pro­je­tos para com­bat­er racis­mo, machis­mo e homo­fo­bia caiu ao menor pata­mar em dez anos, segun­do lev­an­ta­men­to do Todos Pela Edu­cação, divul­ga­do em 2023.

Com base nos dados do Sis­tema Nacional de Avali­ação Bási­ca (Saeb), do Min­istério da Edu­cação, a orga­ni­za­ção mostrou que, em 2011, 34,7% das esco­las no país relataram ter ações voltadas para o com­bate ao machis­mo e a homo­fo­bia. Em 2017, essa por­cent­agem chegou a 43,7%. Em 2021, no entan­to, caiu para o menor pata­mar, 25,5%, o que sig­nifi­ca que três a cada qua­tro esco­las no Brasil não têm ações voltadas para com­bat­er esse tipo de pre­con­ceito.

“O cenário nun­ca foi o ide­al, mas o que a gente perce­beu é que de 2017 até 2021 hou­ve uma que­da nesse tipo de pro­je­to nas esco­las, o que é muito pre­ocu­pante. A gente dev­e­ria vir numa toa­da de aumen­tar o número de pro­je­tos, aumen­tar o número de esco­las que estão deba­ten­do ess­es assun­tos, tra­bal­han­do ess­es assun­tos com os alunos e, na ver­dade, a gente vem regredin­do”, diz a coor­de­nado­ra de Políti­cas Edu­ca­cionais do Todos pela Edu­cação, Daniela Mendes.

O pre­con­ceito, de acor­do com ela, pode impactar no proces­so de ensi­no e apren­diza­gem. “Se o ambi­ente não respei­ta, difi­cil­mente aque­la cri­ança, aque­le jovem vai quer­er con­tin­uar na esco­la e isso vai faz­er com que ele aban­done a esco­la e não con­clua a edu­cação bási­ca. Isso é um grande prob­le­ma, não só para a pes­soa indi­vid­ual­mente, mas para a nos­sa sociedade como um todo. Afi­nal de con­tas, já exis­tem estu­dos que mostram como a evasão esco­lar prej­u­di­ca eco­nomi­ca­mente o nos­so país”, diz.

No Rio de Janeiro, por exem­p­lo, o 1º Dos­siê anu­al do Obser­vatório de Vio­lên­cias LGBTI+ em Fave­las, mostrou que a pop­u­lação trav­es­tigênere – pes­soas trans, trav­es­tis e não-binárias – é a que mais sofre com a fal­ta de aces­so a serviços públi­cos, como a edu­cação.

Ao todo, 25,5% de trav­es­tigêneres aban­donaram a esco­la antes de con­cluir os estu­dos e sequer aces­sou o ensi­no médio, enquan­to entre o restante dos entre­vis­ta­dos, as pes­soas não trans, esse índice é de 8%. “Ninguém pode ser dis­crim­i­na­do e ter o seu dire­ito à edu­cação feri­do a par­tir de pre­con­ceito, dis­crim­i­nação em relação à ori­en­tação sex­u­al ou qual­quer out­ro grupo que essa pes­soa faça parte”, ressalta, Man­des.

Espaços de discussão

Maria Sofia Fer­reira, 16 anos, é um exem­p­lo de como ter espaços de dis­cussão sobre diver­si­dade nas esco­las faz com que estu­dantes se sin­tam seguros para se dedicar aos estu­dos. Ela fre­quen­ta a Esco­la de Refer­ên­cia em Ensi­no Médio Sil­va Jardim, no Recife.

Até o ano pas­sa­do, a esco­la con­ta­va com o núcleo de estu­dos de gênero Wilma Lessa. “Eu me inter­es­sei logo de cara, no meu primeiro ano, porque eu sen­ti que era um lugar de acol­hi­men­to, era um lugar que eu pode­ria me expres­sar as min­has dores, prin­ci­pal­mente sendo um ado­les­cente LGBT”, diz. O nome do grupo de estu­dos hom­e­nageia a jor­nal­ista Wilma Lessa, recon­heci­da no esta­do pela defe­sa dos dire­itos das mul­heres.

“Quan­to mais você é excluí­do de um espaço, quan­to mais você sofre nesse espaço, menos vai ser sua von­tade de estar nesse ambi­ente. Então, quan­do a gente encon­tra um local acol­he­dor, a gente sente que ali você pode fre­quen­tar. Então, real­mente, aju­da muito nos estu­dos, aju­da muito a você quer­er estar na esco­la, a par­tic­i­par de pro­je­tos, a sen­tir que você pode se expres­sar final­mente.”

Sofia está no 3º ano do ensi­no médio. Ela con­ta que na esco­la anti­ga, uma esco­la par­tic­u­lar, ela não con­ta­va com nen­hu­ma rede de apoio e eram fre­quentes os comen­tários LGBT­fóbi­cos. “Foi um proces­so muito difí­cil pra mim, porque foi um ambi­ente muito homofóbi­co, tan­to por parte da dire­to­ria, quan­to por parte dos alunos, dos estu­dantes mes­mo”.

Quan­do mudou de esco­la, Sofia sen­tiu a difer­ença no ambi­ente. “Eu me vi poden­do ser quem eu sou, sem me pre­ocu­par de ter que me escon­der, ter que me armar con­tra quem quisesse me atin­gir. Eu encon­trei ali um espaço com pes­soas iguais a mim e onde, jun­tos, a gente con­segue faz­er difer­ença”.

Uma das coisas que apren­deu no núcleo de estu­dos é que quan­do alguém expres­sa algum tipo de pre­con­ceito em um ambi­ente esco­lar, não se deve se afas­tar dessa pes­soa, mas trazê-la para per­to e bus­car con­ver­sar e apren­der jun­to.

Neste ano, por con­ta das mudanças cur­ric­u­lares, com a imple­men­tação do novo ensi­no médio, o núcleo foi desati­va­do. Sofia diz já sen­tir difer­ença no com­por­ta­men­to dos estu­dantes. “Um dos maiores impactos que eu vejo é a vol­ta do pre­con­ceito”, diz.

“São jovens car­rega­dos de pre­con­ceitos e den­tro da esco­la não se tem mais esse espaço, onde a gente vira em con­jun­to e fala ‘pô, mano, o que tu tá fazen­do não é legal. O que tu tá fazen­do tem que ser muda­do’”.

O pro­fes­sor Vieira tam­bém fala sabe o impacto do acol­hi­men­to entre os alunos. Por ser, ele mes­mo, um homem gay, ele con­ta que muitos alunos se sen­tem à von­tade e pro­te­gi­dos sim­ples­mente com a pre­sença dele. Ele diz que cer­ta vez foi abor­da­do por um estu­dante que per­gun­tou se ele era homos­sex­u­al. Ele respon­deu que sim.

“E ele me disse: ‘Eu gos­to de estu­dar nes­sa esco­la porque tem você e tin­ha mais dois pro­fes­sores gays e vocês falam muito tran­quil­a­mente sobre sex­u­al­i­dade e aí eu não sofro homo­fo­bia aqui na esco­la. Eu não sofro porque eu sei que tem quem vai inter­vir, quem vai, de algu­ma for­ma, pro­te­ger’. Nesse dia eu fiquei pen­san­do muito sobre isso, sobre a importân­cia de você ter uma refer­ên­cia, porque eu fui um meni­no gay que eu não tin­ha refer­ên­cia na esco­la, nem de pro­fes­sor, nem de estu­dantes gays”.

Abordagem

Gênero e sex­u­al­i­dade nas esco­las são temas que ger­am polêmi­ca no Brasil. Para a Orga­ni­za­ção das Nações Unidas para a Edu­cação, a Ciên­cia e a Cul­tura (Unesco) essas questões devem ser tratadas a par­tir do acol­hi­men­to da diver­si­dade. “Alguns país­es do mun­do, entre eles o Brasil, enfrentam alguns obstácu­los para enten­der o que é falar sobre gênero e sex­u­al­i­dade na esco­la. A per­spec­ti­va da Unesco é de acol­hi­men­to das diver­si­dades. Então, que pes­soas LGBT, seja por ori­en­tação sex­u­al, iden­ti­dade de gênero, pos­sam ser acol­hi­das e ten­ham dire­ito à edu­cação. Ou seja, ten­ham dire­ito a com­ple­tar a sua tra­jetória edu­ca­cional”, diz a ofi­cial de pro­gra­ma do setor de Edu­cação da Unesco no Brasil, Mar­i­ana Bra­ga.

Segun­do lev­an­ta­men­tos feitos pelo organ­is­mo inter­na­cional, muitas vezes estu­dantes sofrem pre­con­ceito por ser quem são e tam­bém por se assemel­har ao que seria um padrão LGBTQIA+.

“O fato de você se assemel­har com uma iden­ti­dade LGBT provo­ca dis­crim­i­nação. E, sobre­tu­do, pop­u­lação trans, elas são prati­ca­mente expul­sas da esco­la. Não há um acol­hi­men­to da comu­nidade esco­lar e aí dos pro­fes­sores, da dire­to­ria e dos próprios estu­dantes para que essa pop­u­lação per­maneça na esco­la. Então, o que a Unesco pre­coniza é o dire­ito à edu­cação dessas pop­u­lações e o dire­ito de per­manecer na esco­la.”

A orga­ni­za­ção elaborou o doc­u­men­to Ori­en­tações téc­ni­cas inter­na­cionais de edu­cação em sex­u­al­i­dade: uma abor­dagem basea­da em evidên­cias, que traz instruções sobre como essas questões podem ser abor­dadas na edu­cação a cada eta­pa de ensi­no.

“A per­spec­ti­va da Unesco é traz­er con­teú­dos basea­d­os no desen­volvi­men­to de cada indi­ví­duo. Então, traz­er os con­teú­dos apro­pri­a­dos à faixa etária, apro­pri­a­dos àquele nív­el de ensi­no, onde a cri­ança pos­sa enten­der, ter noção do seu cor­po, con­hecer o out­ro, se pre­venir da vio­lên­cia”, diz Mar­i­ana.

Uma das pre­ocu­pações é tam­bém com a vio­lên­cia no ambi­ente dig­i­tal. “A Unesco está muito pre­ocu­pa­da com as questões de vio­lên­cias on-line. Então, as meni­nas, e aí sobre­tu­do tam­bém meni­nas lés­bi­cas e trav­es­tis, são muito vio­len­tadas em espaços dig­i­tais. Então, a esco­la tam­bém tem um poder, um papel muito impor­tante de poder edu­car nesse sen­ti­do, edu­car para levar infor­mação basea­da em evidên­cias, infor­mações ver­dadeiras, para que ess­es estu­dantes se pro­te­jam, tan­to no espaço físi­co, quan­to no espaço vir­tu­al, que é um espaço de vio­lên­cia de gênero tam­bém cada vez maior”.

O dia 17 de maio é o Dia Inter­na­cional de Com­bate à Homo­fo­bia. Nes­ta data, em 1990, a Orga­ni­za­ção Mundi­al de Saúde (OMS) retirou o ter­mo homos­sex­u­al­is­mo da lista de dis­túr­bios men­tais do Códi­go Inter­na­cional de Doenças. Sem o sufixo “ismo”, que remete à doença, o ter­mo pas­sou a ser homos­sex­u­al­i­dade, que deixou de ser rela­ciona­da a qual­quer patolo­gia.

Edição: Denise Griesinger

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