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Especialistas apontam desafios para restrição de celular nas escolas

No geral, professores apoiam a medida adotada pelo governo federal

Mar­i­ana Tokar­nia — Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 13/01/2025 — 18:23
Rio de Janeiro
 Uso contínuo de celular com a cabeça inclinada para baixo pode gerar problemas na cervical.
Repro­dução: © Rove­na Rosa/Agência Brasil

Colo­car em práti­ca as restrições ao uso dos celu­lares nas esco­las de todo o país será um desafio, segun­do pro­fes­sores e estu­dantes. Emb­o­ra a proibição seja bem vista por grande parte da sociedade e da comu­nidade esco­lar, a lei san­ciona­da nes­ta segun­da-feira (13) encon­trará desafios como a fal­ta de infraestru­tu­ra nas insti­tu­ições de ensi­no, para por exem­p­lo, guardar os celu­lares em segu­rança; de for­mação dos pro­fes­sores, para que não aban­donem o uso pedagógi­co das novas tec­nolo­gias; e de ensi­no, para que as aulas sejam atra­ti­vas para os alunos.

Após trami­tar pelo Con­gres­so Nacional, a lei que proíbe o uso dos celu­lares nas esco­las públi­cas e pri­vadas, tan­to nas salas de aula quan­to no recreio e nos inter­va­l­os, foi san­ciona­da pelo pres­i­dente Luiz Iná­cio Lula da Sil­va. Os apar­el­hos seguem sendo per­mi­ti­dos para o uso pedagógi­co, ou seja, quan­do autor­iza­do pelos pro­fes­sores como instru­men­to para a aula.

A prin­ci­pal jus­ti­fica­ti­va para a nova lei é pro­te­ger as cri­anças e ado­les­centes dos impactos neg­a­tivos das telas para a saúde men­tal, físi­ca e psíquica deles. A medi­da não é exclu­si­va do Brasil, país­es como França, Espan­ha, Gré­cia, Dina­mar­ca, Itália e Holan­da já têm leg­is­lações que restringem uso de celu­lar em esco­las.

Segun­do o pres­i­dente da Con­fed­er­ação Nacional dos Tra­bal­hadores em Edu­cação (CNTE), Heleno Araújo, os pro­fes­sores, no ger­al, apoiam a proibição dos celu­lares nas salas de aula, mas apon­tam alguns desafios para colo­car a medi­da em práti­ca: “Onde vai ficar esse equipa­men­to? Em que momen­to da aula você pre­cisa do celu­lar para que o con­teú­do chegue com facil­i­dade para entendi­men­to por parte do estu­dante? Em que momen­to ele vai ser uti­liza­do? Em que momen­to ele vol­ta a ser guarda­do? E aí você vem para a esco­la públi­ca e per­gun­ta, a esco­la públi­ca está equipa­da para isso? Tem segu­rança em guardar o equipa­men­to do aluno sem estra­gar, sem perder o equipa­men­to? Tem condições de faz­er um plane­ja­men­to onde sabe que momen­to o equipa­men­to pode ser uti­liza­do para apri­morar o con­hec­i­men­to e que momen­to ele não deve ser uti­liza­do?”, ques­tiona Araújo.

Segun­do Araújo, dev­e­ria haver uma dis­cussão maior nas redes de ensi­no. “Tudo isso pre­cis­aria de um apro­fun­da­men­to. Uma lei que vem de cima para baixo, sem um for­t­alec­i­men­to da gestão democráti­ca da esco­la, sem um for­t­alec­i­men­to da par­tic­i­pação dos seg­men­tos da comu­nidade esco­lar dis­cutin­do o tema, vai ficar inviáv­el, porque você vai cri­ar mais prob­le­mas, não vai con­seguir cumprir a lei como ela deter­mi­na”, diz.

Falta de interesse

Para os estu­dantes, não bas­ta ape­nas proibir o celu­lar, é pre­ciso que a esco­la e as aulas sejam mais atra­ti­vas. “Não é proibir o celu­lar na sala de aula que vai garan­tir que os estu­dantes ten­ham mais atenção nas aulas ou que se inter­essem mais pela esco­la. O que vai traz­er essa solução que a gente tan­to bus­ca, que é traz­er de novo o inter­esse da nos­sa tur­ma para den­tro da sala de aula, é traz­er um ambi­ente mais tec­nológi­co para a esco­la, den­tro da sala de aula, é mel­ho­rar a dinâmi­ca e a didáti­ca das nos­sas aulas, é garan­tir uma for­mação mais lúdi­ca dos nos­sos estu­dantes”, defende o pres­i­dente da União Brasileira dos Estu­dantes Secun­daris­tas (Ubes), Hugo Sil­va.

“Com toda certeza, eu vou preferir, enquan­to estu­dante, olhar dez Tik­Toks do que assi­s­tir uma aula que eu acho cha­ta ou que eu acho que não me agre­ga em nada. Então, acho que a gente pre­cisa faz­er essa dis­cussão. Se a aula é inter­es­sante, mais inter­es­sante que o Tik­Tok, se a dis­ci­plina que eu estou apren­den­do ali eu con­sidero mais impor­tante do que assi­s­tir ess­es dez Tik­Toks, é claro que eu vou aban­donar o celu­lar e vou prestar atenção na sala de aula”, diz o estu­dante.

Segun­do Sil­va, restringir o uso de celu­lar pode tam­bém con­tribuir para o aumen­to de desigual­dade, sobre­tu­do entre esco­las públi­cas e par­tic­u­lares, em locais de maior vul­ner­a­bil­i­dade e menos aces­so à tec­nolo­gia. “A gente acred­i­ta, inclu­sive, que em muitos ter­ritórios e em muitos lugares, a úni­ca tec­nolo­gia que os estu­dantes secundários têm aces­so é através do celu­lar. Se a gente reti­ra esse apar­el­ho das salas de aula, a gente pode, inclu­sive, faz­er com que ess­es estu­dantes não ten­ham aces­so a nen­hum tipo de tec­nolo­gia”.

Entenda a nova lei

As dis­cussões sobre a proibição legal do uso dos celu­lares se esten­dem por mais de uma déca­da. O pro­je­to de lei que ago­ra foi san­ciona­do foi orig­i­nal­mente pro­pos­to na Câmara dos Dep­uta­dos pelo dep­uta­do fed­er­al Alceu Mor­eira (MDB/RS), em 2015. O tex­to foi, por sua vez, inspi­ra­do em out­ro pro­je­to pro­pos­to pelo dep­uta­do Pom­peo de Mat­tos (PDT/RS), que chegou a ser aprova­do pela Comis­são de Edu­cação e Cul­tura e a rece­ber pare­cer favoráv­el do rela­tor na Comis­são de Con­sti­tu­ição e Justiça e de Cidada­nia. Em 2010, como fim da leg­is­latu­ra, não ten­do sido aprova­do pela Casa, acabou sendo arquiv­a­do.

O tex­to orig­i­nal proib­ia o uso de apar­el­hos eletrôni­cos portáteis nas salas de aula dos esta­b­elec­i­men­tos de edu­cação tan­to bási­ca quan­to supe­ri­or, per­mitin­do ape­nas o uso pedagógi­co autor­iza­do pelos pro­fes­sores.

O tex­to aprova­do pelo Sena­do Fed­er­al, que ago­ra virou lei, restringe a proibição para a edu­cação bási­ca, ou seja, da edu­cação infan­til ao ensi­no médio. O tex­to tam­bém apre­sen­ta exceções, per­mitin­do o uso dos apar­el­hos por estu­dantes nas esco­las para garan­tir a aces­si­bil­i­dade, a inclusão, para aten­der condições de saúde e garan­tir dire­itos fun­da­men­tais.

O tex­to estip­u­la ain­da que as redes de ensi­no e as esco­las devem elab­o­rar estraté­gias para lidar com o sofri­men­to psíquico e saúde men­tal das cri­anças e ado­les­centes, bem como com o aces­so a con­teú­dos impróprios. As esco­las dev­erão esta­b­ele­cer ambi­entes de escu­ta para estu­dantes que apre­sen­tem sofri­men­to em decor­rên­cia de nomo­fo­bia, que é o medo de estar longe do celu­lar.

Já em prática

A restrição, que ago­ra se tor­na nacional, já é real­i­dade em alguns locais e esco­las. O esta­do de São Paulo aprovou medi­da semel­hante no final do ano pas­sa­do, para valer a par­tir deste ano.

Na cidade do Rio de Janeiro, a proibição vale des­de agos­to de 2024, por con­ta de decre­to da prefeitu­ra. O celu­lar fica guarda­do e só pode ser usa­do para ativi­dades pedagóg­i­cas, com a autor­iza­ção dos pro­fes­sores.

Segun­do o pres­i­dente do Sindi­ca­to dos Pro­fes­sores do Municí­pio do Rio de Janeiro e Região (Sin­pro­Rio), Elson Simões de Pai­va, a medi­da favorece a social­iza­ção:

“A gente sabe que hoje tem esco­las que proíbem o uso até na hora do recreio, para poder pos­si­bil­i­tar que a cri­ança e o jovem voltem a faz­er o que ele não está fazen­do mais, que é a social­iza­ção. A social­iza­ção dele está sendo fei­ta através de celu­lar, não está sendo mais de pes­soa com pes­soa. Então, é impor­tante essa questão tam­bém do uso do celu­lar ser mais con­tro­la­do den­tro das esco­las”.

Assim como Araújo, ele tam­bém teme que ago­ra com a proibição nacional, haja uma sobre­car­ga dos pro­fes­sores. “Quem vai con­tro­lar isso? Porque os pro­fes­sores, ou eles dão aula, ou eles vigiam se o aluno está usan­do o celu­lar ou não”, diz e acres­cen­ta: “[O pro­fes­sor] solici­ta que naque­le dia o celu­lar ven­ha a ser uti­liza­do na sala de aula. Mas e depois? Como é que vai ser esse con­t­role para o aluno devolver esse celu­lar ou deixar de usar o celu­lar em uma out­ra aula que não vai uti­lizar esse mate­r­i­al, esse instru­men­to?”

Nas esco­las par­tic­u­lares do municí­pio, de acor­do com o dire­tor do Sindi­ca­to dos Esta­b­elec­i­men­tos de Edu­cação Bási­ca do Municí­pio do Rio de Janeiro (Sinepe Rio), Lucas Macha­do, as restrições já eram feitas antes mes­mo do decre­to munic­i­pal. “No Rio de Janeiro, essa novi­dade é inex­is­tente, porque o proces­so das esco­las par­tic­u­lares é muito tran­qui­lo, e isso já vin­ha adotan­do, já vin­ha acon­te­cen­do há mais de um ano. Muitas das esco­las par­tic­u­lares, des­de o ano pas­sa­do, pelo menos, já proib­i­am, de acor­do com os seus reg­i­men­tos esco­lares, o uso de celu­lar na sala de aula, para fins não pedagógi­cos”.

Macha­do ressalta, no entan­to, que uma lei nacional pode enri­je­cer as diver­sas real­i­dades encon­tradas nas esco­las. “Quan­do você gen­er­al­iza, você está difi­cul­tan­do os reg­i­men­tos das esco­las”, diz. “De acor­do com os reg­i­men­tos exis­tentes, você tin­ha, por exem­p­lo, a práti­ca de cri­anças com algum tipo de defi­ciên­cia, algum tipo de difi­cul­dade, você pode­ria, no seu reg­i­men­to, ajus­tar isso para que pudesse aten­der essas neces­si­dades dessas cri­anças. Era muito fácil de tra­bal­har com isso. Ago­ra, partin­do de uma lei fed­er­al, talvez haja algum tipo de restrição em que a gente tem que tomar cuida­do para poder aten­der a neces­si­dade da lei”.

Falhamos em incorporar as tecnologias

Segun­do o pro­fes­sor da Fac­ul­dade de Edu­cação da Uni­ver­si­dade de Brasília Gilber­to Lac­er­da San­tos, as restrições tan­to no Brasil quan­to em out­ros país­es são, na ver­dade, uma fal­ha dos sis­temas edu­ca­cionais e da sociedade em enten­der e con­seguir incor­po­rar na edu­cação de fato os poten­ci­ais da tec­nolo­gia.

“É um auto recon­hec­i­men­to de uma falên­cia das insti­tu­ições esco­lares, da sociedade como um todo, em enten­der as tec­nolo­gias e o seu poten­cial na edu­cação, e, sobre­tu­do, de inte­grá-las na for­mação de pro­fes­sores. Porque todo o prob­le­ma reside no fato de que nos­sos pro­fes­sores não sabem lidar com a tec­nolo­gia na sala de aula e com tudo que a tec­nolo­gia ofer­ece”, diz.

De acor­do com San­tos, as tec­nolo­gias dão ao cidadão comum “um poder que ele nun­ca teve. Um poder de se infor­mar mais e autono­ma­mente. Um poder de se comu­nicar livre­mente. E, sobre­tu­do, um poder de se expres­sar. Acon­tece que, para que nós con­sig­amos nos infor­mar de uma maneira con­dizente com princí­pios éti­cos, para que nós pos­samos nos comu­nicar ade­quada­mente, e, sobre­tu­do, para que nós pos­samos nos expres­sar ade­quada­mente, nós pre­cisamos de uma exce­lente edu­cação de base. A edu­cação de base nos fal­ta. Então nós não sabe­mos usar as tec­nolo­gias, nós acabamos nos tor­nan­do escravos dela. Os jovens estão com­ple­ta­mente per­di­dos, cli­can­do, curtin­do, curtin­do, com­par­til­han­do notí­cias sem veraci­dade, porque fal­ta edu­cação de base. E esse é um prob­le­ma-chave que a gente não con­seguiu resolver ain­da enquan­to sociedade”.

Para San­tos, a solução é inve­stir cada vez mais na for­mação dos pro­fes­sores. “O pro­fes­sor é um ele­men­to chave para o suces­so da esco­la. Então nós pre­cisamos faz­er o que não foi feito, o que nós não temos con­segui­do faz­er, que é instru­men­tá-lo ade­quada­mente, for­má-lo ade­quada­mente, remu­nerá-lo ade­quada­mente, para que ele é o ator inter­mediário para o uso inteligente, inter­es­sante da tec­nolo­gia”, defende.

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