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Especialistas veem falta de transparência em crise dos trens no Rio

Repro­dução: © Tânia Rêgo/Agência Brasil

Empresa anunciou que vai entregar concessão da Supervia


Pub­li­ca­do em 04/05/2023 — 08:01 Por Léo Rodrigues — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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A roti­na diária de mil­hares de pas­sageiros está em jogo diante da decisão da empre­sa Gumi de entre­gar a con­cessão da Super­via, sis­tema de trens urbanos da região met­ro­pol­i­tana do Rio de Janeiro. Ape­sar da desistên­cia anun­ci­a­da na sem­ana pas­sa­da, sob ale­gação de difi­cul­dades finan­ceiras viven­ci­adas des­de o iní­cio da pan­demia de covid-19, ain­da não se sabe até quan­do a atu­al con­ces­sionária estará à frente do serviço.

Espe­cial­is­tas ouvi­dos pela Agên­cia Brasil acham que a fal­ta de transparên­cia em torno da gestão do serviço públi­co difi­cul­ta uma análise mais pre­cisa. No entan­to, con­sid­er­am que a má qual­i­dade do serviço tem peso na crise, que não pode ser rela­ciona­da inte­gral­mente à pan­demia de covid-19. Ao mes­mo tem­po, acred­i­tam que a situ­ação pode ser uma opor­tu­nidade para rev­er prob­le­mas anti­gos e dar um pas­so em direção a um serviço mais sat­is­fatório.

“Como era antes da pan­demia? As estações estavam em boa condição? Você já ouviu falar de um trem que não chega na hora pre­vista? Ou que a viagem não tem exata­mente aque­la duração pro­gra­ma­da? O sis­tema é ruim há muito tem­po. Todos os dias de man­hã eu acom­pan­ho o notí­cia­rio no rádio. Tem sem­pre um prob­le­ma em algum ramal. Então, não pode chegar e diz­er que o prob­le­ma está na pan­demia. Você já tin­ha antes um pés­si­mo serviço”, avalia Ronal­do Bal­as­siano, pro­fes­sor aposen­ta­do do Insti­tu­to Alber­to Luiz Coim­bra de Pós-Grad­u­ação e Pesquisa em Engen­haria da Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ).

Ape­sar dos bal­anços finan­ceiros divul­ga­dos pela Super­via em seu site, ele avalia que as infor­mações disponi­bi­lizadas não são sufi­cientes para com­preen­der o quan­to o serviço de má qual­i­dade reper­cute nas receitas e despe­sas. Seria difí­cil saber hoje, por exem­p­lo, quan­tos pas­sageiros que pode­ri­am usar o trem pref­er­em out­ros meios de trans­porte ou se há gas­tos asso­ci­a­dos a uma manutenção precária.

Para Lean­dro da Rocha Vaz, pro­fes­sor do Depar­ta­men­to de Con­strução Civ­il e Trans­portes da Uni­ver­si­dade do Esta­do do Rio de Janeiro (Uerj), os recor­rentes relatos de super­lotação de com­posições tor­nam ques­tionáv­el o dis­cur­so de redução de pas­sageiros, uma vez que nem a deman­da atu­al nos horários de pico seria aten­di­da de for­ma sat­is­fatória. “O que a gente percebe é que está fal­tan­do mais via­gens”, diz. Segun­do ele, um dos prin­ci­pais desafios desse tipo de serviço é man­ter o fun­ciona­men­to de for­ma reg­u­lar. “As par­al­isações con­stantes afe­tam o fluxo de pas­sageiros e ger­am impactos finan­ceiros”, acres­cen­ta.

No ano pas­sa­do, prob­le­mas foram lis­ta­dos em um lev­an­ta­men­to pro­duzi­do pela Agên­cia Reg­u­lado­ra de Serviços Públi­cos Con­ce­di­dos de Trans­portes (Age­transp), autar­quia lig­a­da ao gov­er­no flu­mi­nense que fis­cal­iza con­cessões de trans­porte fer­roviário, rodoviário e aqua­viário no esta­do. Na com­para­ção com o perío­do pré-pan­demia, estavam sendo real­izadas 69% a menos de via­gens expres­sas. A própria Age­transp tem apli­ca­do mul­tas à Super­via por des­cumpri­men­to de con­tra­to, inclu­sive por fal­ta de inves­ti­men­tos pre­vis­tos.

A bus­ca por soluções para prob­le­mas como super­lotação de vagões, atra­sos e aumen­to no tem­po de duração das via­gens vin­ha sendo pau­ta de encon­tros entre a Super­via e o esta­do. A notí­cia da entre­ga da con­cessão pela empre­sa Gumi se tornou públi­ca por meio do gov­er­nador Cláu­dio Cas­tro, após mais uma reunião, ocor­ri­da na últi­ma quin­ta-feira (27). Na ocasião, ele prom­e­teu uma tran­sição tran­quila, sem inter­rupção dos serviços, e avaliou que o atu­al mod­e­lo de con­cessão não fun­ciona. “Vamos par­tir para um novo mod­e­lo de con­cessão que aten­da aos anseios e respeite o dire­ito da pop­u­lação”, acres­cen­tou.

Modelo de concessão

A Super­via atende 12 dos 22 municí­pios da região met­ro­pol­i­tana do Rio. São 104 estações e 270 quilômet­ros de tril­hos, divi­di­dos em cin­co ramais e três exten­sões, pelos quais se deslo­cam prin­ci­pal­mente moradores da zona norte da cap­i­tal e de cidades da Baix­a­da Flu­mi­nense. Lean­dro disse esper­ar que um novo con­tra­to de con­cessão dê ao Poder Públi­co instru­men­tos efi­cazes para fis­calizar e exi­gir o cumpri­men­to das metas e obri­gações estip­u­ladas. Bal­as­siano defende que um novo mod­e­lo de con­cessão pre­cisa ser desen­volvi­do repen­san­do a ação do esta­do.

“O poder conce­dente, que no caso dos trans­portes urbanos é o esta­do ou o municí­pio, é quem deve diz­er o que que quer e como quer. E temos vis­to con­cessões que só priv­i­le­giam o oper­ador. E quan­do o oper­ador não faz o que dev­e­ria ser feito, o poder conce­dente não tem como resolver o prob­le­ma”.

De acor­do com o pro­fes­sor, o geren­ci­a­men­to do sis­tema de trens urbanos, mes­mo sendo uma con­cessão estad­ual, dev­e­ria con­tar com uma estru­tu­ra admin­is­tra­ti­va com a par­tic­i­pação de rep­re­sen­tantes dos municí­pios. Na sua opinião, o enfrenta­men­to dos desafios depende do enga­ja­men­to e da dis­tribuição de respon­s­abil­i­dades entre todos os inter­es­sa­dos.

“A coisa mais impor­tante na mobil­i­dade é o geren­ci­a­men­to da mobil­i­dade. Não se pode tratar cada modal iso­lada­mente. Até por isso pre­cisa ter o envolvi­men­to de todos. Esse trem tem que estar inte­gra­do com o ônibus de cada cidade, com o metrô, com o BRT”. Segun­do ele, não fal­ta capaci­dade téc­ni­ca para mel­ho­rar o serviço. “Nós temos téc­ni­cos, tan­to na Sec­re­taria de Esta­do de Trans­portes quan­to na prefeitu­ra do Rio, que são alta­mente qual­i­fi­ca­dos. Há muitas pes­soas que tra­bal­ham lá que pas­saram pela UFRJ. Fiz­er­am mestra­do e doutora­do”, acres­cen­ta.

Ele lem­bra que há questões de segu­rança que tam­bém exigem mobi­liza­ção cole­ti­va. Os con­stantes rou­bos de cabo têm sido cita­dos de for­ma recor­rente pela Super­via como fator que afe­ta o fun­ciona­men­to do serviço e causa pre­juí­zo. Ape­sar de recon­hecer respon­s­abil­i­dades do Poder Públi­co, Bal­as­siano con­sid­era que a empre­sa pre­cisa estar mel­hor prepara­da para defend­er seu patrimônio.

Histórico

A oper­ação dos trens urbanos da região met­ro­pol­i­tana do Rio foi con­ce­di­da à ini­cia­ti­va pri­va­da em 1998. Na época, o Con­sór­cio Bol­sa 2000, que assum­iu o con­t­role do sis­tema por 25 anos ao vencer o leilão com pro­pos­ta de R$ 279,7 mil­hões, criou a Super­via Trens Urbanos S.A.

Em 2010, o Grupo Ode­brecht assum­iu 61% do con­t­role acionário da empre­sa e nego­ciou com o gov­er­no estad­ual a ren­o­vação da con­cessão. Foi assi­na­do um adi­ti­vo esten­den­do o con­tra­to até 2043, com o com­pro­mis­so de inves­ti­men­tos de R$ 1,2 bil­hão em mel­ho­rias para aten­der à deman­da de pas­sageiros esper­a­da com a Copa do Mun­do de 2014 e os Jogos Olímpi­cos de 2016.

Enquan­to enfrenta­va denún­cias de cor­rupção, o Grupo Ode­brecht se des­fez em 2018 de maior parte das suas ações. Foi quan­do a Super­via foi assum­i­da pela empre­sa Gumi, sub­sidiária do grupo japonês Mit­sui, que pas­sou a respon­der por 88,67% do con­t­role acionário.

A Super­via ale­ga que trans­porta­va, em média, 600 mil pas­sageiros e que suas oper­ações foram dras­ti­ca­mente afe­tadas pela pan­demia. Mes­mo com o fim da crise san­itária, teria havi­do ape­nas uma recu­per­ação par­cial, o que não seria sufi­ciente para custear a manutenção das oper­ações. Em 2021, ain­da durante a pan­demia, foi aceito pela Justiça um pedi­do de recu­per­ação judi­cial apre­sen­ta­do pela Super­via. Suas dívi­das estavam esti­madas em R$ 1,2 bil­hão. Por meio da recu­per­ação judi­cial, empre­sas que se encon­tram em difi­cul­dades finan­ceiras con­seguem par­al­is­ar even­tu­ais pen­ho­ras e blo­queios em suas con­tas e gan­ham pra­zo para nego­ci­ação com os cre­dores.

Em agos­to do ano pas­sa­do, a con­ces­sionária ale­ga­va estar trans­portan­do cer­ca de 350 mil pas­sageiros por dia e obteve do gov­er­no estad­ual uma com­pen­sação finan­ceira. Por meio de adi­ti­vo con­trat­u­al, foi acer­ta­do ressarci­men­to emer­gen­cial no val­or de R$ 251,2 mil­hões.

Problema crônico

Bal­as­siano obser­va que o Rio de Janeiro acu­mu­la prob­le­mas crôni­cos asso­ci­a­dos ao trans­porte. O sucatea­men­to do serviço de ônibus do sis­tema BRT lev­ou a prefeitu­ra da cap­i­tal a realizar uma inter­venção no ano pas­sa­do. O Grupo CCR, que opera o serviço das bar­cas que fazem a trav­es­sia da Baía da Gua­n­abara, já ameaçou devolver a con­cessão algu­mas vezes. O Aero­por­to do Galeão tam­bém pas­sa por uma crise que tem ger­a­do dis­cussões para aumen­tar do número de voos.

“É pre­ciso levar a mobil­i­dade um pouco mais a sério. É fun­da­men­tal para o desen­volvi­men­to da cidade. Uma mel­hor mobil­i­dade urbana vai pro­por­cionar mel­hor comér­cio, mel­hor indús­tria. A pes­soa chega des­cansa­da para tra­bal­har se via­jou sen­ta­da no ônibus ou no trem. Se ela sabe quan­to tem­po vai levar a viagem, ela sabe que horas pre­cisa sair de casa. Ela vai tra­bal­har muito mel­hor. Não chegam atrasadas, cansadas, mal-humoradas”, afir­ma.

Ele vê com bons olhos as medi­das ado­tadas em relação ao BRT. Após a inter­venção, a prefeitu­ra con­seguiu um acor­do com as empre­sas: todos os ônibus seri­am mon­i­tora­dos em tem­po real, e o municí­pio faria um repasse adi­cional des­de que a oper­ação este­ja ocor­ren­do na fre­quên­cia con­trata­da e da maneira cor­re­ta.

Para Bal­as­siano, sub­sí­dios podem ser usa­dos des­de que o con­tra­to este­ja equi­li­bra­do e se com­pro­ve a neces­si­dade. “Muitas vezes fal­ta clareza. O con­tra­to pre­vê 200 via­gens em deter­mi­na­do corre­dor, o oper­ador faz só 100 e fica por isso mes­mo”.

Edição: Graça Adju­to

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