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Estatuto da Pessoa Idosa faz 20 anos e demanda revisão

Repro­dução: © Mar­cel­lo Casal jr/Agência Brasil

Para pesquisadora, obrigações do Estado precisam ser reforçadas


Pub­li­ca­do em 30/09/2023 — 12:13 Por Luiz Clau­dio Fer­reira — Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

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Da vida de jovem à ter­ceira idade, foi como um instante. Na ado­lescên­cia, a mineira Maria de Fáti­ma Lopes son­ha­va ser pro­fes­so­ra, mas o pai proibiu. Ele disse à fil­ha que, como mais vel­ha, dev­e­ria largar a esco­la no ensi­no fun­da­men­tal para aju­dar a cuidar dos seus oito irmãos. Aos 21, pen­sou em voltar à esco­la. Dessa vez, a proibição veio do mari­do. Afi­nal, para ele, mul­her tin­ha como primeiro dev­er ficar com os fil­hos. O primeiro tra­bal­ho foi aos 28 como domés­ti­ca. Ela nun­ca mais voltou à esco­la, a não ser para reti­rar o lixo dos out­ros, lavar o chão, limpar a lousa e a parede.

Aos 60 anos de idade, a nova idosa, mul­her negra, que se mudou para o Para­noá, uma região per­iféri­ca do Dis­tri­to Fed­er­al, ain­da tem son­hos. “Fico triste quan­do me chamam de vel­ha”. Aos finais de sem­ana – os raros dias em que não está tra­bal­han­do como aux­il­iar de limpeza para uma empre­sa em Brasília –, pre­cisa cuidar dos netos. Durante a sem­ana, ela vive soz­in­ha em casa depois que vol­ta da lida, tra­bal­han­do das 6h às 15h. “Tem hora que bate a solidão. Me arrepen­do em não ter cuida­do um pouco mais de mim”.

Aliás, cuida­dos e dire­itos são palavras que se repetem no tex­to do Estatu­to da Pes­soa Idosa, doc­u­men­to que com­ple­ta, neste domin­go (1º), 20 anos. Quan­do foi aprova­do, a pop­u­lação idosa no Brasil era de aprox­i­mada­mente 15 mil­hões. Duas décadas depois, são mais de 33 mil­hões de pes­soas. Os desafios com pes­soas em vul­ner­a­bil­i­dade ain­da são do taman­ho de um país diver­so como o Brasil, con­forme expli­ca a pesquisado­ra Ana Amélia Cama­ra­no, do Insti­tu­to de Pesquisa Econômi­ca Apli­ca­da (Ipea).

“A própria Con­sti­tu­ição (1988) fala que os pais têm que cuidar dos fil­hos e os fil­hos devem cuidar dos pais. Mas, na ver­dade, o que se tem é que as mul­heres são as prin­ci­pais cuidado­ras. Mas, depois, não tem quem cuide delas”, afir­ma.

Essa relação de gênero abrange dis­pari­dades e car­ac­terís­ti­cas próprias que expõem machis­mo e racis­mo na sociedade. “As mul­heres, por exem­p­lo, vivem mais do que os home­ns. Mas elas pas­sam por um tem­po maior de frag­ili­dades físi­cas, men­tais, cog­ni­ti­vas. As mul­heres negras estão entre as mais vul­neráveis den­tro do grupo de idosos”, expli­ca.

Mes­mo sendo muito impor­tante como con­quista, a pesquisado­ra defende uma revisão do estatu­to em função das pro­fun­das mudanças da sociedade brasileira. Uma críti­ca que ela faz ref­ere-se ao doc­u­men­to con­sid­er­ar a pop­u­lação idosa homogênea. “Difer­enças por raça, gênero e class­es soci­ais dev­e­ri­am ser abor­dadas no estatu­to”.

Out­ra pon­der­ação fei­ta é que o doc­u­men­to atribui respon­s­abi­liza­ção crim­i­nal para famílias que não cuidam dos idosos, mas que não há a mes­ma eficá­cia para o papel do Esta­do.

Uma década a mais

Para exem­pli­ficar a diver­si­dade de real­i­dades, a pesquisado­ra Ana Amélia Cama­ra­no adiantou à Agên­cia Brasil dados de uma pesquisa que ela está con­cluin­do para com­por o Atlas da Vio­lên­cia, a ser divul­ga­do neste mês de out­ubro.

“Com base nos dados de 2021, idosos não negros mor­rem 6,4 anos mais tarde do que os negros. Ago­ra, se você con­sid­era uma mul­her não negra, o homem negro vive 10,9 anos a menos. O Estatu­to fala que os idosos têm dire­ito à vida, mas o alcance a esse dire­ito é difer­en­ci­a­do”. Ela acres­cen­ta que a mul­her negra morre 4,9 anos mais cedo do que a não negra.

Além da pop­u­lação negra, a pesquisado­ra enfa­ti­za que out­ros gru­pos vul­ner­a­bi­liza­dos pre­cisam ser espe­cial­mente pro­te­gi­dos pelo Esta­do, como é o caso de idosos da comu­nidade LBGT. “As pes­soas trans, por exem­p­lo, pre­cisam ser assis­ti­das. Existe ain­da muito pre­con­ceito e elas tam­bém vão pre­cis­ar de cuida­dos. São pop­u­lações mar­gin­al­izadas a vida inteira que sofrem vio­lên­cias ao lon­go da vida”.

Menos oportunidades

O secretário da Pes­soa Idosa, Alexan­dre Sil­va, con­cor­da que o desafio do Esta­do está rela­ciona­do prin­ci­pal­mente ao atendi­men­to dos dire­itos dos mais vul­neráveis. Ele sub­lin­ha que esse seg­men­to é o grupo social que mais cresce em nos­so país e que mais crescerá nos próx­i­mos anos. “O desafio maior é garan­tir que todos os gru­pos soci­ais, incluin­do pes­soas pre­tas, par­das, LGBTQIA+, ribeir­in­has, quilom­bo­las, ciganas, pri­vadas de liber­dade pos­sam ter os mes­mos dire­itos para envel­he­cer”.

Para ele, o estatu­to foi fun­da­men­tal para garan­tir as políti­cas públi­cas vigentes e os pro­gra­mas de assistên­cia aos idosos. “Falar da pes­soa idosa, sem dúvi­da, é enten­der que há papéis que cabem aos gov­er­nos fed­er­al, estad­ual e munic­i­pal, à comu­nidade e à família para aten­der mel­hor essa pes­soa”. Sil­va entende que alguns gru­pos mais vul­neráveis têm menos opor­tu­nidades de envel­he­cer com dig­nidade.

A negação ao envel­he­cer, inclu­sive, começa muito antes, até na infân­cia. O secretário tam­bém entende que deve ser con­sid­er­a­da a pos­si­bil­i­dade de uma revisão do Estatu­to da Pes­soa Idosa. “A gente tem, por exem­p­lo, uma situ­ação bem real do aumen­to da vio­lên­cia pat­ri­mo­ni­al e finan­ceira, aumen­to da longev­i­dade, desafios do cam­po profis­sion­al e neces­si­dade de inclusão dig­i­tal próprios de nos­sa época”, afir­ma Alexan­dre Sil­va.

“É preciso avançar”

Autor da lei aprova­da em 2003, o senador Paulo Paim (PT-RS), admi­tiu, em entre­vista à Agên­cia Brasil, que é pos­sív­el haver revisões do estatu­to, mas ele crê que os par­la­mentares têm demon­stra­do atenção com as atu­al­iza­ções do doc­u­men­to. “Algu­mas questões foram apri­moradas e hoje enten­do que está atu­al­iza­do. Mas sem­pre digo que não tem políti­ca per­fei­ta. Toda a ideia que ven­ha para pro­te­ger o idoso é muito impor­tante”.

Ele cita a neces­si­dade de val­oriza­ção do salário mín­i­mo, con­sideran­do que se tra­ta de uma mas­sa pop­u­la­cional que, em sua maio­r­ia, gan­ha no máx­i­mo dois salários.

“É pre­ciso avançar na defe­sa do estatu­to e de todos os dire­itos que estão ali asse­gu­ra­dos. O Brasil teve um aumen­to de 97% nos reg­istros de vio­lações dos dire­itos humanos con­tra a pes­soa idosa no primeiro trimestre de 2023”. No enten­der do senador, isso ocorre pela maior pos­si­bil­i­dade de real­iza­ção de denún­cias via min­istérios públi­cos e o serviço do Disque 100.

Para con­tex­tu­alizar, o par­la­men­tar de 73 anos expli­cou que o Japão é um exem­p­lo em que os dire­itos dos idosos são trata­dos inten­sa­mente com as cri­anças na esco­la. “A políti­ca de com­bate a todo tipo de pre­con­ceito em relação ao idoso e de vio­lên­cia tem que ser apri­mora­da. Eu diria que o estatu­to trouxe luz a essa parcela da pop­u­lação que esta­va esque­ci­da”.

Edição: Marce­lo Brandão

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