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Estudo alerta para alta incidência de suicídio na adolescência

Repro­dução: © Marce­lo Camargo/Agência Brasil

Dados são da Sociedade Brasileira de Pediatria


Pub­li­ca­do em 29/09/2023 — 11:02 Por Alana Gan­dra — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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Cer­ca de mil cri­anças e ado­les­centes, na faixa etária entre 10 e 19 anos de idade, come­tem suicí­dio no Brasil a cada ano, de acor­do com a série históri­ca lev­an­ta­da pela Sociedade Brasileira de Pedi­a­tria (SBP) entre 2012 e 2021. O dado se baseia em reg­istros do Sis­tema de Infor­mação sobre Mor­tal­i­dade (SIM), do Min­istério da Saúde.

A pres­i­dente do Depar­ta­men­to Cien­tí­fi­co de Pre­venção e Enfrenta­men­to das Causas Exter­nas na Infân­cia e Ado­lescên­cia da SBP, Luci Pfeif­fer, disse que, “com certeza” há um número muito maior sub­no­ti­fi­ca­do. “São aque­les casos [da cri­ança ou ado­les­cente] como se caísse, tomou remé­dio a mais, e ali tin­ha o dese­jo de morte”, expli­cou a pedi­atra nes­ta quin­ta-feira (28) à Agên­cia Brasil.

Ao todo, no perío­do pesquisa­do, o Brasil reg­istrou 9.954 casos de suicí­dio ou morte por lesões auto­provo­cadas inten­cional­mente. “Todo dia mor­rem três cri­anças por suicí­dio no Brasil”, disse Luci Pfeif­fer, aler­tan­do para a existên­cia de todo um arse­nal de estí­mu­los nas redes soci­ais de autoa­gressão e do suicí­dio como uma saí­da. “Daí a importân­cia de se falar sobre isso, dos sinais de aler­ta para procu­rar aju­da, “porque há um prob­le­ma a tratar”.

A maio­r­ia dos casos está con­sol­i­da­da entre os ado­les­centes. Foram 8.391 óbitos (84,29%) na faixa etária de 15 a 19 anos; e 1.563 mortes (15,71%) na faixa de 10 a 14 anos de idade. “Na ver­dade, até os 26 anos, é o maior número de casos no país e no mun­do tam­bém”.

Prevalência

De acor­do com os números apu­ra­dos pela SBP, a maior prevalên­cia de suicí­dio ocorre entre os jovens do sexo mas­culi­no. Ao lon­go da série históri­ca, de 2012 a 2021, os rapazes rep­re­sen­tam mais que o dobro de casos sendo home­ns 6.801 episó­dios (68,32%) e mul­heres 3.153 (31,68%). Já pela dis­tribuição geográ­fi­ca, os esta­dos que apre­sen­tam as maiores taxas, engloban­do meni­nos e meni­nas, são São Paulo (1.488), segui­do de Minas Gerais (889); Rio Grande do Sul (676); Paraná (649); e Ama­zonas (578).

Luci Pfeif­fer disse que há uma fal­ha grande nos reg­istros das ten­ta­ti­vas de suicí­dio. “Difi­cil­mente uma cri­ança ou ado­les­cente chega à morte na primeira ten­ta­ti­va. E elas devem ser lev­adas muito a sério”, aler­ta.

Na avali­ação da espe­cial­ista, muitas famílias con­sid­er­am ess­es episó­dios como algo que a cri­ança ou o jovem fez para chamar a atenção. “De modo ger­al, são cometi­das duas ou três ten­ta­ti­vas até que eles con­sigam chegar à morte. Por isso, nós teríamos ain­da um tem­po de pre­venção secundária”.

Segun­do a médi­ca, as meni­nas são as que mais ten­tam o suicí­dio, enquan­to os meni­nos o fazem de for­ma mais efi­ciente e com agres­sivi­dade dire­ta. Os pais, respon­sáveis, médi­cos e profis­sion­ais que tra­bal­ham com a pop­u­lação pediátri­ca devem estar aten­tos aos primeiros sinais. “Porque isso vem já de algum tem­po”, obser­vou a douto­ra.

Violência intrafamiliar

Segun­do a espe­cial­ista, exis­tem fatores de risco muito impor­tantes como, por exem­p­lo, a vio­lên­cia intrafa­mil­iar, não ape­nas como espan­ca­men­tos. “Muitas vezes, os pais, sem perce­ber, agri­dem o fil­ho com palavras como “você não devia ter nasci­do”, “você é insu­portáv­el” ou “você não serve para nada”. Isso acon­tece em todas as class­es soci­ais. Existe uma vio­lên­cia físi­ca que fatal­mente colo­ca na cri­ança ou ado­les­cente a fal­ta de lugar, a fal­ta de amor dos pais, que são pilares da per­son­al­i­dade”.

Luci Pfeif­fer expli­cou que, hoje, há um enfraque­c­i­men­to dos vín­cu­los reais entre pais e fil­hos. “Muitos pais só sabem que o fil­ho está desistin­do da vida na primeira ten­ta­ti­va. Há sinais, con­tu­do, que podem des­per­tar o aler­ta. Cri­anças tristes, que deix­am de brin­car, são um exem­p­lo”.

“O dese­jo de morte vai faz­er com que essa cri­ança ou ado­les­cente cada vez se afaste dos seus pares, dos praz­eres da vida, como brin­car, jog­ar, namorar, de ter cole­gas e ami­gos. Primeiro, há o iso­la­men­to e o afas­ta­men­to da família, depois iso­la­men­to dos seus pares, das fontes que dão sat­is­fação, até que, cada vez mais, eles bus­cam ati­tudes de risco. Aí, vêm as autoa­gressões de muitas for­mas, como cortes, anorex­ia, bulim­ia”, aler­ta a espe­cial­ista.

De acor­do com Luci Pfeif­fer, a causa do suicí­dio de cri­anças e ado­les­centes é mul­tifa­to­r­i­al. Tem sem­pre algo da família, do desen­volvi­men­to, “e uma exigên­cia exces­si­va de todos os can­tos”.

“Atual­mente, as mídias e redes soci­ais não só estim­u­lam a autoa­gressão, como colo­cam padrões de nor­mal­i­dade de per­tencer a gru­pos com exigên­cias, a par­tir de cri­anças de 7 a 8 anos, como bater na pro­fes­so­ra, faz­er mais fal­tas no jogo de fute­bol. E essas exigên­cias têm um con­trapon­to de família e esco­la, que leva a cri­ança ou ado­les­cente a ten­tar a morte porque não supor­ta mais a dor de não ser impor­tante para ninguém ou de não se sen­tir impor­tante”.

Esse iso­la­men­to leva à ideia de que o sofri­men­to aca­ba com a morte. “Eu sem­pre per­gun­to para eles: quem garante? O que vai acon­te­cer depois? Não seria mel­hor lutar pela vida ago­ra?”.

Luci Pfeif­fer asse­gu­ra que não existe nen­hu­ma med­icação no mun­do que ten­ha inter­rompi­do o cam­in­ho da vio­lên­cia, que é a autoa­gressão. O bul­ly­ing na esco­la já é o segun­do pas­so para uma sequên­cia de vio­lên­cia e para a cri­ança ou ado­les­cente começar a pen­sar no suicí­dio como uma saí­da. “E aqui­lo cresce como em um funil. Eles vão colo­can­do a insat­is­fação dos pais e da família, o fra­cas­so na esco­la, o fra­cas­so com os par­ceiros e com os pares, até que eles entram na parte final do funil. Aí é bem mais rápi­do. Vão se con­cen­tran­do todas as pos­si­bil­i­dades, até que eles plane­jam como mor­rer”.

Proteção

A pres­i­dente do Depar­ta­men­to Cien­tí­fi­co de Pre­venção e Enfrenta­men­to das Causas Exter­nas na Infân­cia e Ado­lescên­cia da SBP lamen­tou que não haja no Brasil leis que pro­te­jam as cri­anças e ado­les­centes das mídias soci­ais, que fazem um mar­ket­ing de con­sumo e prop­i­ci­am meios para o suicí­dio, emb­o­ra isso seja um crime pelo arti­go 122 do Códi­go Penal.

A recomen­dação da espe­cial­ista é que, aos primeiros sinais, a cri­ança deve ser lev­a­da a um pedi­atra para uma avali­ação ger­al, inclu­sive por uma equipe inter­dis­ci­pli­nar e por profis­sion­ais da saúde men­tal, como psicól­o­go, psi­canal­ista, psiquia­tra, espe­cial­is­tas em infân­cia e ado­lescên­cia. Como se tra­ta, ao mes­mo tem­po, de uma vio­lên­cia, é pre­ciso chamar tam­bém a rede de pro­teção, coisa que, difi­cil­mente, as pes­soas fazem. A ten­ta­ti­va de suicí­dio é de noti­fi­cação obri­gatória, desta­cou.

Frente a sus­peitas de sofri­men­to psíquico, a rede de pro­teção, integra­da pelo con­jun­to da esco­la, pais e unidades de assistên­cia à saúde, como os Cen­tros de Refer­ên­cia da Assistên­cia Social (Cras) e Cen­tros de Refer­ên­cia de Assistên­cia Social (Creas), pre­cisa ser aciona­da, inde­pen­dente do padrão econômi­co e socio­cul­tur­al da família, para se saber que out­ras ori­gens pode estar o dese­jo de morte. “E lev­an­tar o históri­co des­de a gravidez e do dese­jo do fil­ho até para onde ele chegou. Os pais e a esco­la pre­cisam bus­car aju­da e acom­pan­hamen­to médi­co, tan­to de profis­sion­ais da saúde men­tal e do pedi­atra que coor­dene essa equipe inter­dis­ci­pli­nar, para que a gente pos­sa pro­te­ger o que nós temos de mais valioso, que é a vida de cri­anças e ado­les­centes”.

Edição: Fer­nan­do Fra­ga

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