...
segunda-feira ,14 outubro 2024
Home / Educação / Estudo alerta para o aumento de cursos de pós-graduação em medicina

Estudo alerta para o aumento de cursos de pós-graduação em medicina

Repro­dução: © Julia Koblitz/ Unsplash

Trabalho diz que isso pode significar perda na qualidade da formação


Publicado em 17/09/2024 — 08:28 Por Guilherme Jeronymo — Repórter da Agência — São Paulo

ouvir:

A Fac­ul­dade de Med­i­c­i­na da Uni­ver­si­dade de São Paulo (FMUSP) e a Asso­ci­ação Médi­ca Brasileira (AMB) divul­gar­am um recorte da pesquisa Demografia Médi­ca no Brasil 2025 no qual adi­antam dados rela­ciona­dos aos cur­sos de espe­cial­iza­ção.

Segun­do os pesquisadores 41,2% dos cur­sos médi­cos de espe­cial­iza­ção no Brasil, na modal­i­dade Pós-Grad­u­ação Lato Sen­su (PGLS), são inteira­mente a dis­tân­cia, out­ros fun­cionam na modal­i­dade de ensi­no a dis­tân­cia (EAD) e 11,1% em regime semi­pres­en­cial.

O dado escala em relevân­cia pois, para as enti­dades, há per­da con­sid­eráv­el de qual­i­dade na for­mação dos estu­dantes, o que motivou a divul­gação ante­ci­pa­da do estu­do. A ínte­gra da pesquisa será divul­ga­da em 2025.

Os pesquisadores anal­is­aram 2.148 cur­sos de PGLS em med­i­c­i­na ofer­ta­dos por 373 insti­tu­ições. Eles perce­ber­am que os cur­sos ofer­e­ci­dos somente em EAD são mais cur­tos (média de 9,7 meses) em com­para­ção com cur­sos pres­en­ci­ais (15,4 meses) e semi­pres­en­ci­ais (13,9 meses). A maior parte da ofer­ta de cur­sos EAD está con­cen­tra­da em insti­tu­ições pri­vadas (90%) e no Sud­este (60%), sendo 32,8% somente em São Paulo.

O lev­an­ta­men­to apon­ta uma hipótese pre­ocu­pante de que o aumen­to na ofer­ta está rela­ciona­do a uma práti­ca pre­datória, com cur­sos que dão a ideia fal­sa de serem espe­cial­i­dades médi­cas e podem induzir ao erro a pop­u­lação e mes­mo profis­sion­ais.

No Brasil o títu­lo de médi­co espe­cial­ista só pode ser des­ti­na­do a quem ten­ha pas­sa­do pela for­mação em Residên­cia Médi­ca (RM), cuja duração varia de dois a cin­co anos, cre­den­ci­a­dos pela Comis­são Nacional de Residên­cia Médi­ca (CNRM/ MEC) ou por meio das sociedades de espe­cial­i­dades, fil­i­adas à Asso­ci­ação Médi­ca Brasileira (AMB), enquan­to as PGLSs só exigem reg­istro no Min­istério da Edu­cação jun­to a uma Insti­tu­ição de Ensi­no Supe­ri­or cadastra­da. Alguns dos cur­sos cobram até R$ 30 mil dos estu­dantes.

Para o Dr. Mário Schef­fer, pro­fes­sor do Depar­ta­men­to de Med­i­c­i­na Pre­ven­ti­va da Fac­ul­dade de Med­i­c­i­na USP e coor­de­nador da pesquisa, o aumen­to tem relação dire­ta com a aber­tu­ra de esco­las médi­cas sem qual­quer plane­ja­men­to.

“Hou­ve imen­so aumen­to da ofer­ta de grad­u­ação sem expan­são de vagas de residên­cia médi­ca, que é a modal­i­dade mais apro­pri­a­da de se for­mar um médi­co espe­cial­ista. É pre­ciso reg­u­la­men­tar e definir o papel dess­es cur­sos, sep­a­ran­do o joio do tri­go e, ao mes­mo tem­po, ampli­ar e reforçar a Residên­cia Médi­ca”, expli­cou.

Segun­do o lev­an­ta­men­to, “os cur­sos de PGLS estu­da­dos man­têm prox­im­i­dade com a nomen­clatu­ra das espe­cial­i­dades médi­cas e áreas de atu­ação em med­i­c­i­na legal­mente recon­heci­das, o que pode ger­ar, jun­to aos médi­cos, empre­gadores e sociedade, impre­cisões quan­to à sua final­i­dade e val­i­dade. A par­tir dos dados anal­isa­dos, não ficam claras a iden­ti­dade e a função dos cur­sos de PGLS na for­mação dos médi­cos, na aquisição ou atu­al­iza­ção de con­hec­i­men­tos e habil­i­dades”.

Em resumo, se pas­sam por cur­sos com maior exigên­cia para dar a fal­sa impressão de qual­i­dade. Os Con­sel­hos Region­ais de Med­i­c­i­na (CRMs) con­ce­dem o Reg­istro de Qual­i­fi­cação de Espe­cial­ista (RQE) ao médi­co que con­cluiu RM ou obteve o títu­lo via AMB. O médi­co que tem ape­nas cer­ti­fi­ca­do de cur­so de PGLS não pode se apre­sen­tar como espe­cial­ista. O estu­do esti­ma que 200 mil médi­cos não pos­suíam títu­lo de espe­cial­ista no Brasil em 2024.

Essa defasagem entre for­mação como espe­cial­ista e ofer­ta das RMs abre espaço para um uso pouco sério de parte dos cur­sos Lato Sen­su. Segun­do o estu­do den­tre os 2.148 cur­sos de PGLS em med­i­c­i­na estu­da­dos, em 1.943 (90,5%) foi pos­sív­el iden­ti­ficar a modal­i­dade de ensi­no. Dess­es, 927 cur­sos (47,7%) são pres­en­ci­ais.

Chama a atenção que 800 cur­sos (41,2%) são em for­ma­to EAD e out­ros 216 (11,1%), em modal­i­dade semi­pres­en­cial. Dos 1.653 cur­sos com espe­cial­i­dade médi­ca e modal­i­dade de ensi­no infor­madas, aque­las com mais cur­sos à dis­tân­cia foram endocrinolo­gia e metabolo­gia (106 cur­sos), hema­tolo­gia e hemo­ter­apia (63 cur­sos), radi­olo­gia e diag­nós­ti­co por imagem (56 cur­sos) e med­i­c­i­na do tra­bal­ho (56 cur­sos).

O caráter de negó­cio desse tipo de cur­so tam­bém fica claro para os pesquisadores, que indicam que a ofer­ta é con­cen­tra­da em gru­pos empre­sari­ais de edu­cação, onde são “com­er­cial­iza­dos por um mes­mo con­glom­er­a­do que tem esco­las médi­cas de grad­u­ação, cur­sos preparatórios de residên­cia médi­ca, platafor­mas dig­i­tais, telemed­i­c­i­na e out­ros serviços. Em jargões do mer­ca­do, são chama­dos ‘ecos­sis­temas de edu­cação médi­ca’ ou ‘onestop shop para médi­cos’. Por tam­bém guardarem conexões com planos de saúde, hos­pi­tais pri­va­dos e indús­tria far­ma­cêu­ti­ca, devem ser anal­isa­dos no con­tex­to mais amp­lo da pri­va­ti­za­ção do sis­tema de saúde brasileiro”, segun­do o estu­do.

O prob­le­ma dessa dis­pari­dade é que ela con­tribui para dis­tan­ciar os profis­sion­ais for­ma­dos do atendi­men­to no Sis­tema Úni­co de Saúde (SUS). Para Schef­fer, fica claro que “Os cur­sos de PGLS são um negó­cio majori­tari­a­mente pri­va­do, ofer­ta­do por insti­tu­ições pri­vadas e volta­dos ao mer­ca­do pri­va­do, sem conexão com as pri­or­i­dades e neces­si­dades do SUS. Por isso, tam­bém há maior ofer­ta em áreas mais ren­táveis como estéti­ca e ema­grec­i­men­to. Já no caso da saúde men­tal, um grande prob­le­ma de saúde públi­ca, a maior procu­ra de cur­sos PGLS pode indicar a neces­si­dade de se inve­stir mais na Residên­cia Médi­ca em Psiquia­tria, com aumen­to de bol­sas e vagas”.

Out­ro detal­he notáv­el é que parte dos egres­sos tem bus­ca­do a equiv­alên­cia para o títu­lo de espe­cial­ista, judi­cial­izan­do o tema, com reg­istro de algu­mas vitórias por parte dos estu­dantes, em quan­ti­dade que os pesquisadores não especi­ficaram.

Para o pres­i­dente da AMB, Dr. Cesar Eduar­do Fer­nan­des, a má-for­mação de médi­cos vem afe­tan­do dire­ta­mente a vida dos pacientes, resul­tan­do em atendi­men­to de baixa qual­i­dade. “Não se faz espe­cial­ista em cur­so de final de sem­ana, muito menos em ensi­no a dis­tân­cia. Você pre­cisa ter um apren­diza­do práti­co sóli­do, em que se adquira as com­petên­cias, as habil­i­dades e as ati­tudes per­mi­ti­das para que, enfim, pos­sa ser reg­istra­do como um espe­cial­ista”, afir­ma. Por isso, ele defende a cri­ação de um exame de profi­ciên­cia, que dê segu­rança à pop­u­lação.

Edição: Aécio Ama­do

LOGO AG BRASIL

Você pode Gostar de:

Dia das Crianças na Flip: Sesc propõe mais histórias e menos telas

Programação tem contação para crianças e debate para adultos Rafael Car­doso Pub­li­ca­do em 12/10/2024 — …