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Estudo mostra relação entre dependência da internet e ideação suicida

Repro­dução: © Marce­lo Camargo/Agência Brasil

Ambiente virtual também pode ser ferramenta de prevenção ao suicídio


Publicado em 14/09/2024 — 09:16 Por Ana Lúcia Caldas — Repórter da Rádio Nacional — Brasília

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A uni­ver­sitária Mile­na Dias cur­sa jor­nal­is­mo, em Brasília, e diz que todo mun­do estran­ha o fato de ela não ter rede social. A estu­dante acred­i­ta que, em algum momen­to, isso vai mudar, mas, por enquan­to, gos­ta de não faz­er parte do ambi­ente vir­tu­al.

“Não sin­to fal­ta de postar fotos min­has, não sin­to fal­ta de ver as posta­gens dos out­ros, [porque] é um mun­do sep­a­ra­do da real­i­dade. É difer­ente da vida real, é um mun­do muito de estereóti­pos e, mais do que isso, de mui­ta exposição.”

Já para a estu­dante de nutrição Maria Eduar­da Nestali, que tam­bém mora na cap­i­tal fed­er­al, as redes soci­ais são impor­tantes: “Eu ten­ho What­sApp, Insta­gram, Tik­Tok, mas sou bem cri­te­riosa com os con­teú­dos que eu assis­to”, pon­dera Maria Eduar­da.

Estu­dos indicam que o impacto da inter­net na saúde men­tal pode ser tan­to pos­i­ti­vo quan­to neg­a­ti­vo, depen­den­do da for­ma como ela é uti­liza­da. A neces­si­dade de per­manecer conec­ta­do à rede mundi­al de com­puta­dores pre­ocu­pa espe­cial­is­tas, que apon­tam a relação entre o con­sumo exces­si­vo das platafor­mas online e transtornos men­tais como depressão e ansiedade.

Foi bus­can­do uma respos­ta para o que acon­te­cia com estu­dantes da Uni­ver­si­dade Estad­ual de Ciên­cias da Saúde de Alagoas (Uncisal) que a pro­fes­so­ra Ire­na Pen­ha Duprat resolveu aliar o inter­esse pelo uso exces­si­vo da inter­net à pesquisa sobre a chama­da ideação sui­ci­da. Este ano, ela defend­eu, na Uni­ver­si­dade de São Paulo (USP), a tese O Papel da Inter­net na Saúde Men­tal de Jovens Uni­ver­sitários e sua Relação com Ideação Sui­ci­da.

Ire­na Duprat obser­vou, em 2017 e 2018, um aumen­to no número de alunos com prob­le­mas de saúde men­tal, como depressão e ansiedade, e algu­mas ten­ta­ti­vas de suicí­dio, o que, segun­do ela, era muito pre­ocu­pante. “Que­ria saber se o uso exces­si­vo influ­en­ci­a­va no pen­sa­men­to sui­ci­da do estu­dante”, expli­ca.

Foram entre­vis­ta­dos 503 alunos de seis cur­sos da área de saúde. “Eles respon­der­am alguns ques­tionários e, entre eles, um teste sobre dependên­cia de inter­net e um sobre ideação sui­ci­da, além da questão sociode­mográ­fi­ca para con­hecer o per­fil de cada estu­dante”, con­ta Ire­na.

Cer­ca de 51% dos estu­dantes foram clas­si­fi­ca­dos com algum tipo de dependên­cia: leve, quan­do a pes­soa usa muito a inter­net, mas tem a per­cepção dis­so e con­segue parar; e mod­er­a­da e grave, quan­do já não há essa per­cepção. Ire­na expli­ca que, ness­es dois últi­mos casos, a dependên­cia é com­para­da a qual­quer out­ra, sem lim­ites. “No caso da ideação sui­ci­da, no ques­tionário, a gente teve uma prevalên­cia de 12,5% de estu­dantes com ideação pre­sente”, rev­ela.

Onze dos entre­vis­ta­dos com sin­tomas depres­sivos apre­sen­taram maior fre­quên­cia de ideação sui­ci­da, assim como aque­les com nív­el de ansiedade alto. Ain­da de acor­do com a pesquisa, a ideação sui­ci­da foi maior entre estu­dantes que repor­taram dependên­cia mod­er­a­da ou grave da inter­net.

“O uso da inter­net [é] como um mecan­is­mo de fuga para diver­sas situ­ações da vida deles. Prin­ci­pal­mente aque­les que relataram prob­le­mas como depressão, ansiedade, estresse. Eles usavam na ver­dade a inter­net como um refú­gio para fugir dos prob­le­mas”, apon­ta a pro­fes­so­ra Ire­na Duprat.

O impacto neg­a­ti­vo tam­bém é sen­ti­do no caso da exposição em mídias soci­ais como Insta­gram e Face­book, sobre­tu­do na saúde men­tal das mul­heres. A pro­fes­so­ra diz que, para as jovens, é “algo que influ­en­ci­a­va na questão do pen­sa­men­to sui­ci­da, prin­ci­pal­mente em relação a ess­es con­teú­dos que podem ger­ar sen­ti­men­tos de infe­ri­or­i­dade, baixa autoes­ti­ma”.

“Por quê? Porque a gente olha aque­las redes soci­ais, as influ­encers, e as pes­soas pare­cem ter uma feli­ci­dade. As mul­heres apre­sen­tam o ide­al de beleza que quem está olhan­do muitas vezes não se sente assim”, ressalta.

» Ouça mais: o impacto das redes sociais na saúde mental

Internet como aliada

A psicólo­ga Karen Scav­aci­ni, do Insti­tu­to Vita Alere, que se ded­i­ca ao tra­bal­ho de pre­venção e de posvenção (apoio nos proces­sos de luto) ao suicí­dio, tam­bém avalia que o uso da tec­nolo­gia pode ser pos­i­ti­vo ou neg­a­ti­vo.

“É difí­cil a gente esta­b­ele­cer o que começa antes, se um uso exces­si­vo da tec­nolo­gia que leva a questões de saúde men­tal ou influ­en­cia as questões de saúde men­tal; ou se as pes­soas já estão lidan­do com questões de saúde men­tal e acabam fazen­do um uso exces­si­vo das redes, por con­ta dis­so”, desta­ca a psicólo­ga Karen Scav­aci­ni.

Karen acred­i­ta que os impactos depen­dem da vul­ner­a­bil­i­dade das pes­soas, se elas estão pas­san­do por situ­ações del­i­cadas, com algum transtorno men­tal não trata­do ou não diag­nos­ti­ca­do. Têm relação tam­bém com as horas de uso e como é esse uso – se é mais pas­si­vo ou mais ati­vo.

Brasília (DF), 13/09/2024 - Setembro Amarelo. Psicóloga Karen Scavacini . Foto: Vita Alere/Divulgação
Repro­dução: Psicólo­ga Karen Scav­aci­ni diz que inter­net pode ser fer­ra­men­ta de pre­venção ao suicí­dio — Vita Alere/Divulgação

Out­ro fator que merece atenção é o que a rede tem ofer­e­ci­do para os usuários depen­den­do dos con­teú­dos que eles bus­cam, a par­tir dos algo­rit­mos. “Se ela vai e procu­ra depressão, o que ela recebe de infor­mação? Se ela procu­rar autolesão, se ela procu­rar suicí­dio, o que que ela encon­tra? Então, o que as redes ofer­e­cem em ter­mos de con­teú­do.”

A psicólo­ga lem­bra que, em muitos casos, as pes­soas recor­rem às redes para bus­car gru­pos de per­tenci­men­to, com quem con­ver­sar e pedir aju­da. Ela cita pesquisas recentes que mostram que muitos jovens, por exem­p­lo, têm bus­ca­do na inter­net infor­mações sobre saúde men­tal e como super­ar o pre­con­ceito e o estig­ma em relação ao assun­to.

Insti­tu­to Vita Alere ofer­ece mate­ri­ais educa­tivos gra­tu­ito de aces­so livre. Des­de um bar­al­ho que pode ser usa­do em sala de aula por pro­fes­sores para abor­dar o tema da pre­venção do suicí­dio na inter­net, até uma car­til­ha para pais e edu­cadores sobre tem­po de uso. No ano pas­sa­do, o insti­tu­to abriu um cen­tro de ino­vação para estu­dos em saúde men­tal, tec­nolo­gia e sui­ci­dolo­gia.

O insti­tu­to ofer­ece ain­da o Mapa da Saúde Men­tal, um mapea­men­to nacional dos locais de atendi­men­to em saúde men­tal gra­tu­itos no país. Os inter­es­sa­dos podem aces­sar o Mapa da Tec­nolo­gia, que mostra locais de aju­da especí­fi­cos para pes­soas que estão pas­san­do ou pas­saram por algu­ma vio­lên­cia online.

Karen Scav­aci­ni desta­ca que, hoje em dia, a tec­nolo­gia pode fun­cionar como ali­a­da e cita, por exem­p­lo, aplica­tivos que indicam onde bus­car infor­mações e out­ros tipos de aju­da para pes­soas em sofri­men­to.

» Ouça mais: como a internet pode ser ferramenta de prevenção ao suicídio

Out­ro exem­p­lo são as ter­apias vir­tu­ais desen­volvi­das para alguns tipos de atendi­men­to especí­fi­cos, como no caso de pes­soas com transtorno de estresse pós-traumáti­co, além do uso de games para aju­dar cri­anças com transtorno de déficit de atenção e hiper­a­tivi­dade. “A tec­nolo­gia ofer­ece novos trata­men­tos tam­bém e for­mas alter­na­ti­vas ou com­ple­mentares de trata­men­to para a saúde men­tal”, apon­ta.

A psicólo­ga ori­en­ta os inter­es­sa­dos a bus­carem fontes con­fiáveis, como a Orga­ni­za­ção Mundi­al da Saúde (OMS), a Asso­ci­ação Brasileira de Pre­venção ao Suicí­dio, a Asso­ci­ação Brasileira de Sobre­viventes Enlu­ta­dos por Suicí­dio e o próprio Insti­tu­to Vita Alere.

Para Ire­na Duprat, que fez o estu­do sobre inter­net e ideação sui­ci­da de uni­ver­sitários, é pre­ciso uma con­sci­en­ti­za­ção sobre o uso das redes. Afi­nal, a tec­nolo­gia veio para ficar.

“É inevitáv­el que a inter­net faz parte da vida de todo mun­do. Ela traz bene­fí­cio, a gente não pode pen­sar só no lado neg­a­ti­vo. Ela é uma das maiores rev­oluções tec­nológ­i­cas dos últi­mos 20 anos, mas, como tudo em exces­so pode traz­er algo prej­u­di­cial, ela tam­bém pode Então, a gente pre­cisa é tra­bal­har essa con­sci­en­ti­za­ção do uso com mod­er­ação. É saber até onde esse uso pode real­mente traz­er bene­fí­cios ou male­fí­cios”, defende.

A dependên­cia da inter­net pode ser trata­da com psi­coter­apia e, em alguns casos, com med­icação, asso­ci­a­da a trata­men­tos para depressão e ansiedade.

Saúde mental dos estudantes

Algu­mas uni­ver­si­dades têm ini­cia­ti­vas voltadas para a saúde men­tal dos estu­dantes. É o caso da Uni­ver­si­dade Fed­er­al Flu­mi­nense em Cam­pos dos Goy­ta­cazes (UFF Cam­pos).

Bruna Oliveira Sil­va é estu­dante do últi­mo ano de psi­colo­gia. Para ela, a vida uni­ver­sitária não é fácil. “Estar no ambi­ente acadêmi­co, em que muitas vezes a gente está sub­meti­da a roti­nas exaus­ti­vas, rela­cionadas à pressão das dis­ci­plinas, com pra­zos para cumprir. O fato de estar longe do nos­so núcleo famil­iar, como é o caso de muitos alunos do nos­so polo. É  muito difí­cil e requer muito esforço men­tal dos estu­dantes.”

Com o aumen­to de queixas asso­ci­adas à saúde men­tal dos estu­dantes, iden­ti­fi­ca­do pela assistên­cia estu­dan­til, a UFF Cam­pos desen­volveu, em 2017, o pro­je­to Cuca Legal, uma parce­ria da equipe de assis­tentes soci­ais e de pro­fes­sores do Depar­ta­men­to de Psi­colo­gia.

No Cuca Legal, o aluno pode falar de suas angús­tias e dúvi­das, além de apren­der algu­mas habil­i­dades necessárias para o ambi­ente uni­ver­sitário, como desta­ca a pro­fes­so­ra do Depar­ta­men­to de Psi­colo­gia Ana Lúcia Novais Car­val­ho. O pro­je­to tem encon­tros men­sais, ofic­i­nas sem­anais e man­tém um per­fil no Insta­gram.

Brasília (DF), 13/09/2024 - Setembro Amarelo. Ana Lúcia Novais Carvalho. Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação
Reproidução: Pro­fes­so­ra Ana Lúcia Novais Car­val­ho diz que, pelo Insta­gram do Cuca Legal, equipe do pro­je­to iden­ti­fi­ca deman­das dos alunos — Arqui­vo pessoal/Divulgação

Nesse caso, segun­do Ana Lúcia, a rede social é uma espé­cie de inter­venção psi­coed­uca­ti­va, “onde a gente iden­ti­fi­ca, quais são os temas mais fre­quente­mente abor­da­dos pelos alunos”. “Por exem­p­lo, a questão do sono. A gente, às vezes, pode val­orizar muito pouco a neces­si­dade de sono, mas o sono pode impactar de for­ma impor­tante mes­mo a própria saúde men­tal.”

Os alunos que pre­cisam têm um cuida­do indi­vid­ual da assistên­cia estu­dan­til. Uma psicólo­ga faz os atendi­men­tos. O encam­in­hamen­to é feito den­tro da própria insti­tu­ição, quan­do necessário, e se for o caso, para a rede estad­ual de saúde.

» Ouça mais: projeto da UFF foca na saúde mental dos universitários

O Sis­tema Úni­co de Saúde (SUS) pos­sui a Rede de Atenção Psi­cos­so­cial (RAPS), ded­i­ca­da a cuidar da saúde men­tal.

Setembro Amarelo

De acor­do com a Orga­ni­za­ção Mundi­al da Saúde (OMS), de 2000 a 2019, o suicí­dio foi a quar­ta causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos em todo o mun­do.

Durante todo o mês de setem­bro, profis­sion­ais de saúde inten­si­fi­cam as ações voltadas para a saúde men­tal e a con­sci­en­ti­za­ção rela­ciona­da à importân­cia da preser­vação da vida. É a cam­pan­ha Setem­bro Amare­lo, de con­sci­en­ti­za­ção sobre a importân­cia da pre­venção do suicí­dio.

A psicólo­ga Karen Skavaci­ni ressalta a neces­si­dade de as esco­las par­tic­i­parem desse proces­so e desta­ca a importân­cia de se falar aber­ta­mente sobre o assun­to. “Quan­do a gente fala aber­ta­mente sobre um assun­to, a gente tem a capaci­dade de mudar as coisas com relação a ele, então eu diria para a gente aproveitar este mês para refle­tir o nos­so papel e para expandir esse con­hec­i­men­to e esse cuida­do para todos os out­ros meses.”

Quem estiv­er pas­san­do por um momen­to difí­cil pode encon­trar aju­da nos cen­tros de Atenção Psi­cos­so­cial (CAPs) e nas unidades bási­cas de Saúde, ou no Cen­tro de Val­oriza­ção da Vida (CVV), que atende pelo tele­fone 188 ou pela inter­net.

Edição: Juliana Andrade

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