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Exposição de Zanele Muholi celebra comunidade LGBTQIAPN+ em São Paulo

Mostra traz mais de 100 obras da artista sul-africana

Elaine Patrí­cia Cruz — Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 22/02/2025 — 09:54
São Paulo
São Paulo- 21/02/2025 - Exposição da Zanele Muholi, artista e ativista da África do Sul, que se identifica como uma pessoa não binária e é um dos nomes mais aclamados da fotografia atual. Fotos Zanele Muholi
Repro­dução: © Zanele Muholi/Divulgação

“Tudo o que eu quero ver é ape­nas a beleza. E beleza não sig­nifi­ca que você ten­ha que sor­rir, mostrar os dentes ou se esforçar mais. Bas­ta exi­s­tir”. É aci­ma de duas fotografias col­ori­das de pes­soas da comu­nidade LGBTQIAPN+, em uma das pare­des do sex­to andar do Insti­tu­to Mor­eira Salles (IMS), na cap­i­tal paulista, que a frase de Zanele Muholi foi colo­ca­da.

A frase demon­stra como o con­ceito de beleza per­me­ia o tra­bal­ho de Muholi, artista e ativista da África do Sul que se iden­ti­fi­ca como uma pes­soa não binária e é um dos nomes mais acla­ma­dos da fotografia atu­al. Em seu tra­bal­ho a beleza não é apre­sen­ta­da como uma qual­i­dade, mas se trans­for­ma em um ato políti­co, colo­can­do em evidên­cia e destaque pes­soas que geral­mente são postas à margem da sociedade ou da história.

Em Zanele Muholi: Beleza Valente, a nova mostra em car­taz a par­tir deste sába­do (22) no IMS Paulista, são apre­sen­ta­dos mais de 100 tra­bal­hos de Muholi que foram con­ce­bidos des­de os anos 2000 até hoje, incluin­do tra­bal­hos inédi­tos pro­duzi­dos no Brasil. Além de fotografias, o con­jun­to apre­sen­ta ain­da vídeos, pin­turas e uma escul­tura em bronze colo­ca­da na entra­da do edifí­cio.

A mostra faz um panora­ma de Muholi, mostran­do como sua obra funde arte e ativis­mo e pro­duz uma nova visão sobre a arte do retra­to e sobre o con­ceito de beleza.

“É um tra­bal­ho que vai falan­do muito sobre a pos­si­bil­i­dade da beleza como fer­ra­men­ta de resistên­cia e empodera­men­to”, descreveu Daniele Queiroz, uma das curado­ras da exposição jun­to a Thya­go Nogueira e Ana Paula Vito­rio.

“Não são os padrões de beleza que vão ditar esse movi­men­to, mas são as próprias pes­soas que são fotografadas. Essa beleza está então embu­ti­da de uma valen­tia”, acres­cen­tou, expli­can­do sobre a escol­ha do nome da mostra.

Fotografia como cura

São Paulo- 21/02/2025 - Exposição da Zanele Muholi, artista e ativista da África do Sul, que se identifica como uma pessoa não binária e é um dos nomes mais aclamados da fotografia atual. Fotos Zanele Muholi
Repro­dução: Exposição da Zanele Muholi no IMS vai até jun­ho Fotos Zanele Muholi — Zanele Muholi

Muholi nasceu em 1972, durante o regime de apartheid na África do Sul. O fim desse regime de seg­re­gação racial e o esta­b­elec­i­men­to de uma nova Con­sti­tu­ição, imple­men­ta­da por Nel­son Man­dela em 1996, não foram sufi­cientes para com­bat­er o racis­mo, o pre­con­ceito e os crimes de ódio no país. Foi para lutar con­tra essa real­i­dade que Muholi decid­iu estu­dar fotografia e começou a faz­er reporta­gens que expun­ham a vio­lên­cia no país.

“Eu uso a fotografia para con­frontar e curar, por isso me denomi­no ativista visu­al”, descreveu Muholi sobre a própria tra­jetória artís­ti­ca.

Com o pas­sar do tem­po, as fotografias de denún­cia viraram retratos e autor­re­tratos e gan­haram uma nova dimen­são, pas­san­do a se trans­for­mar em um grande arqui­vo de ima­gens que fornece ao mun­do uma nova per­spec­ti­va históri­ca, con­frontan­do e sub­ver­tendo as nar­ra­ti­vas colo­ni­ais.

Esse grande memo­r­i­al feito por Muholi vem fornecen­do aos museus de todo o mun­do ima­gens de pes­soas que foram his­tori­ca­mente excluí­das das rep­re­sen­tações ofi­ci­ais.

“[A obra de Muholi] amplia a nos­sa com­preen­são, não só da arte, mas tam­bém do respeito da dig­nidade humana”, disse Thya­go Nogueira.

“Pen­sei no meu tra­bal­ho como se fos­se um tex­to visu­al que tem um con­tex­to que fala por muitas pes­soas como eu e que se expres­sam como eu”, disse Muholi, em entre­vista cole­ti­va con­ce­di­da esta sem­ana na sede do IMS, na cap­i­tal paulista.

Seu tra­bal­ho, descreveu, tem o obje­ti­vo de dar um novo sig­nifi­ca­do à beleza. “[A beleza é] uma coisa que às vezes não ouvi­mos de out­ras pes­soas que estão nos crit­i­can­do ou nos violan­do ou quan­do elas querem que você se sin­ta menos que algu­ma coisa. Então, a beleza é uma questão de afir­mação e de memória, de olhar para si mes­mo no espel­ho. A gente só pre­cisa car­regar esse pen­sa­men­to conosco, den­tro de nós mes­mos, para diz­er que somos lin­dos e aí nos sen­tire­mos mais fortes. Isso é sobre força, é sobre afir­mação. É sobre uma ênfase na nos­sa existên­cia”, definiu.

Além de sub­vert­er a for­ma como essas pes­soas eram retratadas no pas­sa­do, suas obras têm tam­bém o obje­ti­vo de se trans­for­mar em uma platafor­ma de edu­cação. “Isso é para diz­er que os museus estão se abrindo, e os espaços estão se abrindo e muitas pes­soas podem ser edu­cadas sobre ess­es prob­le­mas que são del­i­ca­dos e, às vezes, ínti­mos”, ressaltou. “A gente fala que esse tra­bal­ho pre­cisa ser dis­cu­ti­do e pre­cisa ser usa­do tam­bém para edu­cação, para que as próx­i­mas ger­ações saibam que a gente pode viv­er nes­sa sociedade de uma for­ma saudáv­el”, acres­cen­tou.

Para Muholi, a edu­cação pre­cisa ser repen­sa­da em todo o mun­do para se tornar um ambi­ente mais inclu­si­vo. “Vamos mudar o cur­rícu­lo, vamos mudar a for­ma como as pes­soas pen­sam e a for­ma como as pes­soas falam e artic­u­lam a si mes­mas. Pre­cisamos cri­ar espaços seguros e ambi­entes seguros”, defend­eu.

“Se as cri­anças fos­sem ensi­nadas que o racis­mo é erra­do des­de o começo, elas não cresce­ri­am com ódio. As cri­anças brin­cam jun­tas, elas não sabem nada sobre quem é uma pes­soa negra ou sobre quem é uma pes­soa bran­ca até que isso seja ensi­na­do a elas”, ressaltou.

São Paulo- 21/02/2025 - Exposição da Zanele Muholi, artista e ativista da África do Sul, que se identifica como uma pessoa não binária e é um dos nomes mais aclamados da fotografia atual. Fotos Zanele Muholi
Repro­dução: Zanele Muholi é um dos nomes mais acla­ma­dos da fotografia atu­al — Zanele Muholi

Séries fotográficas

Nes­sa ret­ro­spec­ti­va de Muholi no Insti­tu­to Mor­eira Salles estão sendo apre­sen­tadas suas prin­ci­pais séries fotográ­fi­cas, como Faces e Fas­es (Faces and Phas­es), em que ela faz um arqui­vo da comu­nidade LGBTQIAPN+ sul-africana; além de Som­nya­ma Ngonya­ma e Bravas Belezas (Brave Beau­ties). O públi­co tam­bém vai encon­trar ima­gens pro­duzi­das no iní­cio da car­reira de Muholi, como Ape­nas Meio Quadro (Only Half the Pic­ture), série real­iza­da de 2002 a 2006, que doc­u­men­ta pes­soas que sofr­eram vio­lên­cia de gênero ou racial, como agressões e estupros “cor­re­tivos”.

Muitas destas séries são fru­to de um envolvi­men­to com as pes­soas fotografadas, bus­can­do retratá-las com suas roupas e pos­es preferi­das, em situ­ações que val­orizem sua imagem e aparên­cia. “Eu que­ria que isso fos­se muito artic­u­la­do no meu tra­bal­ho porque as pes­soas são pes­soas, no final das con­tas. E o amor é o amor. E o respeito é uma coisa chave para qual­quer pes­soa, inde­pen­dente de como essas pes­soas se iden­ti­fi­cam. E esse diál­o­go é sobre a políti­ca de existên­cia e a políti­ca de silen­ci­a­men­to e a políti­ca de escu­tar o out­ro sem ser vio­len­to. Essa pes­soa [retrata­da] fala ‘eu estou aqui, me escu­ta, respeite a min­ha existên­cia’”, expli­ca Muholi..

São Paulo- 21/02/2025 - Exposição da Zanele Muholi, artista e ativista da África do Sul, que se identifica como uma pessoa não binária e é um dos nomes mais aclamados da fotografia atual. Fotos Zanele Muholi
Repro­dução: Exposição traz mais de 100 obras de Zanele Muholi — Zanele Muholi

A mostra traz ain­da obras inédi­tas feitas no Brasil em 2024, quan­do Muholi veio a São Paulo para par­tic­i­par do Fes­ti­val ZUM e con­heceu orga­ni­za­ções e insti­tu­ições LGBTQIAPN+, num diál­o­go entre a história da luta por dire­itos no seu país e no con­tex­to brasileiro. “Em diál­o­go com as obras e com essa cronolo­gia sul-africana, a gente tam­bém pen­sa a luta por dire­itos aqui no Brasil”, enfa­ti­zou Ana Paula Vito­rio.

Muholi estará pre­sente na pro­gra­mação de aber­tu­ra da mostra neste sába­do. A par­tir das 15h, par­tic­i­pa de uma con­ver­sa com o públi­co, acom­pan­ha­da pela equipe cura­to­r­i­al. E às 17h, de uma sessão de autó­grafos do catál­o­go da ret­ro­spec­ti­va, que será lança­do na ocasião.

Todos os even­tos, inclu­sive a visi­ta à exposição, são gra­tu­itos. Mais infor­mações sobre a mostra, que fica em car­taz até 22 de jun­ho, podem ser obti­das no site do insti­tu­to.

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